Antes da pandemia começar, há dois anos, o autoconhecimento já protagonizava discussões no mundo corporativo. Investigar a si próprio e identificar seus pontos fortes e pontos a melhorar recebeu (e continua a ostentar) o status de “chave do sucesso”. E se a capacidade de conhecer melhor quem nós somos já era valorizada e importante para qualquer indivíduo – seja em esfera pessoal ou profissional -, com a chegada da Covid-19 a magnitude do ato ganhou ainda mais força.

De acordo com Heloisa Capelas, empresária especializada na metodologia Hoffman (falaremos dela mais a frente) e com 30 anos de atuação no desenvolvimento de pessoas, a “pandemia arrancou o tapete para que a gente veja a sujeira que empurramos debaixo dele”. A especialista pontua que a crise do novo coronavírus, embora marcada por incertezas e pela complexidade de questões como não se ter a certeza de quando poderemos sair do estado de emergência e a exigência maior de cuidado conosco e com o próximo, pode representar um momento de reconstrução.

“Nós temos uma vida baseada na falta de tempo. A ausência de tempo sempre serviu como álibi para que não olhássemos para nós mesmos. Eu preciso trabalhar, crescer na carreira, ter dinheiro, me sustentar, e nesse excesso de precisar disso ou daquilo, a desculpa perfeita surgiu. Nos distraímos a respeito de nós mesmos. Até mesmo no lazer adiamos a oportunidade de nos conhecer melhor. Então, criamos uma bola de neve que passa a rolar mais rápido e cada vez mais fora do nosso controle”.

Para Heloisa, a pandemia “brecou a nossa pressa”. Por conta disso, é mais perceptível o quanto as pessoas estão debilitadas de inteligência emocional. Quando fazemos uma pausa, notamos as nossas fragilidades. “Ao trabalhar em casa, nós ganhamos tempo. Tempo esse que, de uma forma dura, mostra a nós mesmos a nossa miséria emocional. É difícil dar conta até mesmo de tarefas rotineiras que envolvam a casa e a família, porque de uma forma ou de outra nós sempre fugimos disso. Ficou tudo muito exposto”.

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O desenvolvimento do autoconhecimento se mostra crucial para o fortalecimento da nossa resistência, resiliência, controle das emoções e também para impormos os sentimentos positivos sobre os negativos. A pandemia trouxe aos indivíduos um cenário tão perigoso quanto o do vírus, por ter em seu palco depressão, ansiedade, pânico, tristeza, insônia, entre outros problemas que afetam corpo, mente e espírito. Segundo pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), casos de depressão quase dobraram durante a pandemia, enquanto os de ansiedade e estresse aumentaram em mais de 80%.

Espiritualidade e autoconhecimento

“Tudo ao nosso redor ficou mais claro. Estamos mais sensíveis, o que torna mais desafiador lidarmos com tudo isso. Então, nós do Centro Hoffman, que trabalhamos com quatro inteligências – física, intelectual, emocional e espiritual -, ao montarmos grupos de pessoas para trabalhar no autoconhecimento e autodesenvolvimento delas, notamos que elas estão sob maior necessidade de ajuda. Há a percepção de que a atual inteligência intelectual, por si só, não está pronta para lidar com um panorama tão difícil. É um recurso que a pessoa vislumbra, sente que tem, mas ainda não aprendeu a acessá-lo”, explica Heloisa.

A especialista ressalta que como há a necessidade de controlar cada aspecto da vida para que seja adquirida segurança, as incertezas que a Covid-19 trouxe, como o fato de ainda não sabermos quando ela estará melhor controlada no Brasil, nos trouxe uma profunda insegurança, o que contribui para outros transtornos mentais ganharem força.

A mudança do papel do líder

Assim como o autoconhecimento é importante para as relações pessoais, o mesmo vale para as profissionais. Heloisa reforça que, hoje, o líder “robotizado”, que só pensa em resultados e demonstra um comportamento por vezes agressivo, não é mais bem-visto. “O que ele cria em torno dele é doença. É um arredor de pessoas deprimidas, que saem de licença, que se demitem, porque não suportam trabalhar com uma pessoa só resultadista, mas pouco humanizada. As empresas vêm notando que esse resultado é, digamos, mentiroso, por conta de tudo o que ele traz junto”.

Ainda assim, o processo de transição comportamental das lideranças ainda caminha a passos curtos, embora seja nítido que já existe uma evolução. “O paradigma envolve não só o líder, mas o liderado também. É uma via de mão dupla. Um líder agressivo estimula que seus liderados não sejam proativos, não assumam responsabilidades, não tenham propósito em relação ao negócio. E se o liderado fica doente, ele vai transferir a culpa para seu chefe”.

Heloisa revela, com base em pesquisas e na experiência que tem no trabalho com lideranças e empregados, que é possível ser otimista quanto às mudanças no relacionamento entre as partes. Para ela, o caminho está em formação, mas as empresas precisam se desapegar um pouco da exigência de ser tudo “mais rápido e mais barato”, por ser um processo que leva tempo e que exige um trabalho voltado a cada perfil de pessoa. “É um investimento constante, fluido, uma cura evolutiva. Não há um ‘seremos felizes para sempre’, mas há uma trajetória para buscar a felicidade”.

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O que é a metodologia hoffman e como ela pode ajudar?

Quando concebeu o Processo Hoffman da Quadrinidade, em 1967, o norte-americano Bob Hoffman não imaginava que seria o responsável pelo maior treinamento de autoconhecimento do planeta. 50 anos e 100 mil alunos depois, a metodologia ganhou o mundo e se consolidou por seus resultados positivos. No Centro Hoffman, Heloisa é responsável por levar a metodologia ao público, no qual fala sobre as chamadas quatro inteligências citadas.

Heloisa explica como cada um pode fazer para começar a reconhecer e integrar as inteligências física, intelectual, emocional e espiritual. Essas diferentes dimensões vivem na maior parte das pessoas em completo desequilíbrio, impedindo o alcance dos verdadeiros potenciais individuais. “Por falta de autoconsciência, a maior parte de nós desconhece essas habilidades, gerando confusão mental, ansiedade, depressão, entre outros problemas”, explica a especialista.

Ao longo do programa, a também palestrante e escritora mostra algumas orientações e exercícios para equilibrar essas competências. Além das aulas, estão inclusas mini apostilas e áudios com viagens mentais para exercitar cada uma das inteligências.

Enquanto a inteligência física é composta por tudo que envolve o nosso corpo, a habilidade intelectual se refere à capacidade de racionalizar – sendo geralmente a dimensão que as pessoas mais investem em detrimento das demais. Já a inteligência emocional envolve a competência de tomar decisões com base não só nos raciocínios lógicos, mas também nos sentimentos. E a inteligência espiritual é formada pela sabedoria interna e intuição, independentemente de religião ou religiosidade.

O processo visa reeducar e auxiliar a derrubar barreiras que impedem o crescimento pessoal. A prática da responsabilidade, da positividade, técnicas adequadas de respiração e o desenvolvimento do foco e da atenção são alguns dos mecanismos trabalhados na metodologia.

Por Bruno Piai