As polêmicas envolvendo o bilionário Elon Musk e o Twitter não se resumiram à complexa aquisição da plataforma. Depois de assumir o controle da empresa na última quinta-feira (3), após concretizar o negócio por cerca de US$ 44 bilhões, o magnata sul-africano anunciou algumas medidas que já balançaram o moral dos colaboradores da companhia – e de um modo não muito positivo.
Segundo a AFP, uma das primeiras ações do empresário em seu novo “brinquedo” será uma demissão em massa. A expectativa inicial é que ao menos 50% da força de trabalho da organização seja dispensada, o que equivale a 3,7 mil funcionários de um total de 7,5 mil.
De acordo com e-mail interno, que chegou ao conhecimento da AFP e do Washington Post, por questões de segurança, os escritórios deverão ser fechados e os crachás de acesso suspensos. “Se o seu emprego for afetado, você será notificado com as próximas etapas por meio de seu e-mail pessoal”, diz o conteúdo enviado aos trabalhadores da plataforma. Aqueles que, por ora, seguirão empregados receberão uma notificação em sua conta de trabalho.
“Reconhecemos que algumas pessoas que fizeram contribuições significativas para o Twitter serão afetadas, mas essa ação infelizmente é necessária para garantir o sucesso da empresa no futuro”, manifestou a empresa.
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Demissões já começaram
O e-mail dizia, também, que as demissões teriam início nesta sexta-feira. E a promessa foi cumprida. Uma colaboradora brasileira, ao portal G1, declarou que foi “pega de surpresa mesmo, voltei ontem do feriado, entrei na reunião de equipe e o clima era total de luto”. Ela, que não quis se identificar por medo de represálias, revela que os jornalistas tinham acesso a informações do que ocorreriam na empresa antes mesmo dos funcionários.
O especialista em marketing da plataforma, Nick Watanabe, foi um dos primeiros dispensados a se manifestar nas redes sociais. Pelo LinkedIn, declarou que chega ao fim sua jornada de 8 anos e meio no Twitter e disse que, como imigrante trabalhando nos Estados Unidos, não tem tempo para olhar para trás e busca apoio para uma recolocação urgente. “Agradeço desde já por qualquer conexão, conselho ou oportunidade que possa oferecer”, escreveu.
Diretor Industrial do Twitter, Chad Tully não foi um dos “sorteados” para deixar o negócio, mas também se manifestou. Pelas mídias sociais, convidou seus contatos a olhar com atenção para os ex-empregados do Twitter. “Há uma incrível rede de talentosos ex-Tweeps – como são chamados os funcionários da empresa – prontos. Eu adoraria fazer a conexão”, comentou.
O processo chegou
Como não é incomum acontecer durante demissões em massa, o Twitter não passará batido por processos movidos pelos colaboradores. Nesta quinta, foi movida uma ação coletiva que diz que a companhia viola a Lei Federal de Notificação de Ajuste e Retreinamento do Trabalhador. Tal legislação estipula que um empregador com mais de 100 funcionários tenha que fornecer aviso prévio – e por escrito – de 60 dias antes de um desligamento coletivo “que afete 50 ou mais empregados em um mesmo espaço de trabalho”.
À CNN, a advogada Shannon Liss-Rowan, que entrou com o processo, elucidou que Elon Musk, “o homem mais rico do mundo, deixou claro que acredita ser trivial o cumprimento de leis trabalhistas federais”.
E se fosse no Brasil?
De cara, Fernanda Lopes, Advogada Trabalhista do Faria, Campos Vieira, Cendão e Maia Advogados (Fc²mlaw), esclarece que a dispensa coletiva, por mais que gere indignação, é permitida por lei. Todavia, a especialista ressalta que é necessário ter cuidado com a maneira a qual o processo é tratado, o que começa pela participação do respectivo sindicato na negociação dos termos da dispensa coletiva.
“A participação sindical é essencial, considerando que o desligamento em massa geralmente ocorre em momentos em que há mudança na estrutura do negócio, como em fusões, ou como medida extrema, face ao encerramento das atividades da empresa, recuperação judicial ou decretação de falência. Nesse contexto, ainda que a entidade de representação sindical não possa evitar a dispensa coletiva, sua participação tem como intuito assegurar que os direitos trabalhistas, que são indisponíveis e irrenunciáveis, sejam afetados”, explica.
Fernanda orienta que os impactos da demissão em massa sejam mitigados, especialmente quando a quantidade de pessoas demitidas é consideravelmente alta. “Agir de modo diverso, efetuando o desligamento sem a negociação sindical pode aumentar o risco e resultar em uma série de ações na Justiça do Trabalho”, exemplifica.
Outro ponto trazido pela advogada diz respeito à humanização dos desligamentos. Enquanto no caso do Twitter o sentimento de tensão já havia se estabelecido antes mesmo de existir uma comunicação por parte da liderança, o ideal é que o processo seja moldado por transparência.
“Ainda que se trate de uma demissão em massa, aconselha-se que a empresa comunique os colaboradores de forma humanizada, informando a todos de forma direta e transparente acerca das razões que levaram à dispensa, sem gerar constrangimento e oferecendo todo o suporte que estiver ao seu alcance após o desligamento, inclusive na recolocação profissional, elaborando cartas de recomendação e até mesmo indicação para outras empresas, se possível.”
A dispensa coletiva não isenta que as verbas indenizatórias da demissão por justa causa sejam pagas. Portanto saldo de salário, aviso prévio indenizado, 13º proporcional, férias, FGTS e multa dos 40% devem fazer parte dos pagamentos rescisórios.
“Deste modo, é importante que a empresa estruture um plano de pagamento desses valores. A empresa também deve ficar atenta para os casos de colaboradores que não poderão ser dispensados por possuírem estabilidade provisória, como gestantes, empregados afastados por acidente de trabalho ou que possuam alguma doença ocupacional, entre outros.
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Fim do trabalho remoto
Assumidamente crítico do trabalho remoto, Musk planeja acabar com o modelo no Twitter. Com exceção de algumas posições, a ideia do executivo é retomar as operações diretamente dos escritórios. Informações da Bloomberg e da Business Insider revelam que os colaboradores já haviam sido previamente informados da decisão. Do mesmo modo, os “dias de descanso” – folgas regulares na companhia – foram extinguidos.
O fim da política de trabalho a distância “quebra” uma medida adotada pela empresa em 2020, quando foi declarado que o modelo remoto seria incorporado “para sempre”.
Fotos: Via Deposithphotos
Por Bruno Piai