Para muitas pessoas, se desligar do trabalho – que aqui não tem o sentido de demissão, mas de libertar a mente das obrigações profissionais – é uma tarefa complicada. Fatores como medo de perder o emprego, estresse e até mesmo vício pelo trabalho justificam, por exemplo, que muitas pessoas se esquivem da possibilidade de tirar férias, por mais que seja um direito. Não à toa, um levantamento de 2014 da ISMA-BR identificou que 41% dos trabalhadores brasileiros têm medo de aproveitar seu mês de descanso. A moeda, porém, tem outro lado. Enquanto as férias preocupam uma parcela considerável dos trabalhadores, há aqueles que vão além e optam por um período sabático para recarregar as baterias.
A ideia de ter um hiato das responsabilidades corporativas não somente soa tentadora, como também carrega um certo status de “luxo”, afinal, em um mercado de trabalho tão concorrido e com o desemprego sendo a realidade de mais de 10,6 milhões de profissionais brasileiros, é fácil reconhecer que o período sabático não faz parte da realidade de todos. Então, para quem ele é? Há mais vantagens ou desvantagens envolvidas?
Carreira sob reflexão
A pandemia da Covid-19 foi e continua sendo impactante no modo como as pessoas se relacionam com o trabalho. Movimentos como a Great Resignation, que culminou em milhões de pedidos de demissão ao redor do mundo em um curto espaço de tempo, revelaram que o desequilíbrio entre vida pessoal e profissional é cada vez menos aceito. A busca por um trabalho e/ou uma empresa que traga propósito e realização se tornou uma das principais metas de quem busca espaço no mercado, principalmente no que diz respeito às novas gerações.
Ao mesmo tempo, porém, as organizações também estão mais exigentes. Soft Skills (habilidades comportamentais) e o chamado fit cultural (adaptação aos valores da marca) passaram a ganhar força e a dividir espaço com as hard skills (conhecimento técnico). E não apenas isso. Segundo pesquisa realizada no ano passado pelo Indeed, para 85% dos CEOs entrevistados, o profissional moderno, vulgo aquele que será mais procurado pelas companhias, será aquele que melhor conseguir atuar em grupos multidisciplinares, além de ser capaz de ter flexibilidade para compreensão e ação em projetos de áreas diferentes.
De acordo com Jaqueline de Oliveira, executiva de contas do atendimento corporativo do Senac São Paulo, a crise sanitária quebrou paradigmas que estremeceram o “modo automático” da dinâmica trabalhista. “Do ponto de vista empresarial, foi preciso ter agilidade e perspicácia para acionar mudanças assertivas e sobreviver em meio ao caos, o que gerou uma mudança de mentalidade e ressaltou a necessidade de contratar e reter profissionais engajados, qualificados e que se destacam”, pontua.
Tal panorama é motivador, ainda, de outro fenômeno, a transição de carreira. Dados de um estudo do RH EDC Group colocam na mesa que 91% das pessoas mudaram o seu propósito de vida em decorrência da pandemia. De “bônus”, mais da metade (53%) afirmou que não tem mais o desejo de seguir em sua ocupação atual, visando mudanças na carreira – o que envolve uma eventual transição para uma nova área.
“Há uma tendência de busca por profissionais que já tenham experiência em funções semelhantes e é justamente esta ideia que precisa ser renovada, pois incentivar a oportunidade de desenvolvimento em outras áreas traz maior satisfação e realização ao funcionário que, consequentemente, desempenhará resultados melhores para a empresa”, orienta a executiva.
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Como o sabático se encaixa no “novo normal”?
Algumas decisões, como buscar uma nova carreira, conquistar uma promoção ou até mesmo procurar mecanismos que melhorem o bem-estar e a saúde emocional – tão impactados pela Covid-19, colocando o Brasil em posições altas nos rankings de Burnout, ansiedade e depressão, por exemplo -, exigem reflexão e planejamento. Nesse sentido um hiato pode ser bem-vindo, embora Liris Gonçalves, mentora de executivos que já esteve na liderança de grandes empresas, como C&A e Avon, reconheça que a opção não é abrangente.
“Na prática, poucas pessoas podem se dar ao ‘luxo’ de ter um período sabático. Para isso acontecer, elas devem, de alguma forma, atender a compromissos financeiros inadiáveis e mandatórios, mesmo sem ter entrada de rendimento. Por outro lado, o hiato pode renovar energias e trazer novas perspectivas de vida”, diz.
A mentora conta que ao deixar de lado as funções corporativas após quase 30 anos de carreira, entrou no que chama de período “estudático”. “Listei todos os cursos e formações que me agregaram conhecimento e experiências, mas que a falta de tempo livre não me permitia ter. Foi um período de aprendizado e também e muitas novas conexões”.
Seja para incentivar os estudos ou para promover maior tempo de descanso para as pessoas, é válido destacar que algumas organizações já fazem do período sabático um benefício para atrair e manter talentos. Synchrony Financial, Citigroup, Bimbo Brasil, Continental e PwC são algumas delas. As justificativas, na maioria dos casos, giram em torno de saúde e educação, com o benefício podendo ou não ser remunerado. Além disso, podem ser mais ou menos duradouros do que as férias tradicionais – o popular ‘ano sabático’ ainda é um pouco demais.
Contudo, Liris esclarece que os exemplos ainda são exceções. Para ela, o período sabático só cruzaria a linha de tendência/desejo para realidade se uma mudança de cultura fizesse parte da rotina de trabalho no Brasil. “Ainda temos uma jornada longa até essa mentalidade se disseminar, infelizmente. Temos uma mentalidade muito presente de que ficar disponível por 24 horas, sete dias por semana, é o que se espera. Este conceito de sabático remunerado ainda é muito sofisticado e raro no Brasil”, elucida.
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Período sabático deve ser estratégico
Um hiato mal planejado pode ser prejudicial à carreira. Os profissionais precisam estar cada vez mais atualizados a novas e diferentes tecnologias, mudanças culturais e sociais, formas de se trabalhar (especialmente com o modelo híbrido se fortalecendo) e expectativas do mercado. Portanto, é necessário, antes de tudo, traçar um objetivo para o período sabático.
Mesmo que a intenção seja somente descansar, é importante se manter por dentro do que ocorre dentro das empresas. É recomendável avaliar se a área de atuação é favorável a uma iniciativa assim ou não, uma vez que um tempo distante do mercado pode prejudicar uma eventual recolocação.
“Além da preparação financeira, há a principal decisão: o que fazer? por que fazer? onde fazer? Por quanto tempo?”, comenta Liris, que acrescenta: “Deve-se levar em conta o alinhamento com seu propósito de vida e de carreira naquele momento. Isso muda a cada etapa da vida. Essa é a importância de atualizar seus desejos. Desejos mudam de acordo com a fase em que se está. Sem recalibrar, há um risco de gastar tempo e dinheiro em algo que entregue o que busca”.
Ainda segundo a mentora, outro ponto que não pode ser deixado de lado é o gerenciamento da marca pessoal. Ela salienta que por mais que “sumir do mapa” seja uma opção, compartilhar a jornada de transformação pessoal e autoconhecimento pode render melhores frutos, especialmente quando a ação inspira outras pessoas e repercute positivamente.
“[O ano sabático é explicado no currículo] ao se mencionar o propósito de decisão, as experiências vividas, os aprendizados preciosos e as transformações inestimáveis que este período trouxe na sua forma de trabalhar, gerir pessoas, resolver problemas e encarar a vida. O empregador tem que se convencer de forma tangível que sua evolução a partir do sabático, trará inovações ou melhorias valiosas para a empresa que te contratar. Um verdadeiro diferencial!”, destaca.
Por conta disso, Liris reforça que o “estudático” é uma alternativa bastante válida ao sabático por si só. “Além de novas perspectivas que virão com novas formações, também agregará novas ferramentas aplicáveis na empresa que contratar o profissional. Muitos são os que têm o desejo de fazer um sabático, e poucos são os que de fato conseguem. Sem planejar, é muito mais difícil conseguir. Plano não te livra de falhar, mas te dá a base para se reprogramar”, finaliza.
Por Bruno Piai