“Ah, moço, tem tanta coisa por aqui, não dá nem pra tomar um café. Se eu pedir férias eu levo um chute.”

Mesmo que a frase tenha terminado com uma risada por parte de Ramiro dos Santos (nome fictício, para proteger a identidade do profissional), atendente de um movimentado barzinho na região do Grande ABC, em São Paulo, não é tão engraçado pensar em um problema que ainda é frequente no mercado de trabalho: o medo de tirar férias.

Santos trabalha no estabelecimento há 1 ano e 7 meses, seis dias por semana, tem carteira assinada e, até então, não tirou férias. Do atendimento à limpeza, o jovem de 24 anos não esconde que a rotina é cansativa e tem ciência de que possui férias vencidas, contudo, o assunto sequer é tratado com seus superiores. “Deixo que eles [os chefes] decidam. Não quero problema para o meu lado”.

A visão de férias como um “problema” está longe de ser incomum. De acordo com a psicóloga e recrutadora Flávia Ferreira, há várias circunstâncias que justificam que as pessoas evitem se desligar do trabalho. O medo de um eventual desligamento é, segundo ela, a principal.

“Sabe a famosa frase ‘ninguém é insubstituível?’, pois bem, quando as pessoas estão para entrar de férias ou para fazer o pedido, parece que ela chega com tudo em nossa mente. As pessoas têm a sensação de que estão deixando o chefe na mão, de que férias representa falta de comprometimento, desmotivação, má vontade e afins. A nossa cultura faz do descanso uma culpa. As pessoas se veem e são muito vistas pelo trabalho, portanto, elas têm medo de serem julgadas, de serem substituídas ou do patrão identificar que elas não fazem tanta falta assim”, pontua.

Como lidar com o medo das férias?

Segundo uma pesquisa realizada em 2014 pela ISMA-BR, associação dedicada a estudar o estresse e seus efeitos, 41% dos profissionais brasileiros têm medo de pedir férias. Santos, em nenhum momento se utiliza da palavra medo, mas deixa no ar a nítida preocupação em sofrer represália por um eventual pedido de descanso. “O bar costuma lotar de noite e não tem tanta gente que trabalha aqui. Se pedir férias os patrões vão achar o quê? Que é brincadeira, não é?”, diz.

De acordo com Flávia, ainda há, infelizmente, empresas nas quais os líderes não veem com bons olhos o pedido de férias, um cenário que precisa mudar, inclusive, para que a empresa tenha colaboradores mais engajados e produtivos.

“Há empresas que contratam pessoas esperando o trabalho de máquinas. As pessoas cansam, tanto que ⅓ dos profissionais brasileiros têm burnout, a síndrome que leva as pessoas ao limite do estresse na atividade laboral. O que esses gestores precisam entender é que as férias não só são um direito do colaborador, como também, por mais que pareça clichê, o momento de recarregar as baterias, dele ter tempo para si, para a família, para lazer, hobbies, e assim conseguir descansar emocional e fisicamente. É extremamente necessário que empregadores e empregados tenham uma boa comunicação e que as férias, desde sempre, estejam envolvidas no planejamento de trabalho. Não se pode fazer de um direito previsto em lei um tabu. Conversem, organizem a data, o momento. É preciso abolir essa cultura que faz o profissional ter medo de exercer o seu descanso remunerado”, salienta.

Flávia deixa claro, também, que é importante o colaborador pensar em suas férias com antecedência para que, mesmo que ele não consiga tirá-las no momento desejado, ao menos não tenha surpresas desagradáveis ou se perca na organização econômica.

“Não tire férias para se estressar mais do que descansar. Planeje com cuidado o quanto será destinado a viagens, compras, lazer e afins e o que precisa ficar guardado. Tente não começá-las com pendências importantes no trabalho, o que pode gerar uma preocupação a mais. Deixe tudo alinhado e resolvido para que, de fato, você possa desligar a mente da empresa nos dias de descanso.”

O problema não está só no receio!

De acordo com a psicóloga, as chamadas pessoas ‘workaholics’ também não apresentam facilidade para ‘desplugar’ um pouco do trabalho. Na pesquisa realizada pela ISMA-BR, eles representam 17% dos respondentes. Flávia explica que é natural este público, mesmo durante as férias, levar o notebook nas viagens para acompanhar, mesmo de longe, como está a empresa. Mais do que isso, se envolvem diretamente, mandam mensagens dizendo que estão à disposição, adiantam trabalho, ou seja, não param.

“Aqui nós temos que quebrar outro paradigma: ser workaholic não é algo bom. Esqueça o ‘trabalhe enquanto eles dormem’, pois é extremamente irresponsável venderem essa ideia. Os momentos de lazer e descanso são muito importantes e necessários. Quanto mais seguimos em um ritmo ininterrupto, o que vemos muito, por exemplo, em pessoas que buscam promoções ou algo do gênero, mais nos estressamos, menos produzimos e ainda corremos o risco de ficarmos mais ansiosos, irritados, frustrados e desmotivados. Nenhum excesso faz bem e o de trabalho não é exceção”, elucida a especialista.

Férias

A lógica vale também para profissionais que não são CLT. Os PJs/freelancers podem, não necessariamente, ter uma programação de férias semelhante aos celetistas. E por não terem um emprego fixo, a dificuldade para parar por um intervalo de dias pode ser complexa, especialmente àqueles – essa parte inclui todos os perfis profissionais – que estão imersos em ambientes de alta competitividade. A orientação é para que ao menos se respeite uma jornada de trabalho saudável, buscando a flexibilidade para poder controlar o tempo da vida pessoal e o tempo para as tarefas do negócio.

O que diz a Lei?

Segundo a CLT, todo empregado com carteira assinada tem o direito a 30 dias de férias a cada ano completado. As férias podem ser gozadas em até três períodos do ano dividindo os 30 dias, desde que ao menos um deles não seja inferior a 14 dias de descanso seguidos. 

Para cenários mais complicados – necessidade da empresa ou funcionário que precisa de um dinheiro extra para as contas -, a legislação permite o abono de férias, a popularmente chamada “venda”. Porém, ele não pode ser superior a ⅓ das férias, ou seja, o limite de dias “vendidos” é dez.

A remuneração das férias soma um salário mensal do colaborador com ⅓ do valor total do mesmo. Se há horas extras no pacote elas devem estar inclusas. Além disso, o aviso de férias deve ser entregue ao colaborador ao menos 30 dias antes de seu descanso ter início, com o pagamento sendo feito até o prazo de dois dias antes do período de férias começar.

Vale destacar também que, por lei, o colaborador tem direito a férias em dobro caso o empregador não as conceda nos 12 meses subsequentes ao respectivo período aquisitivo. Em outras palavras, o bar onde atua Santos, personagem que gentilmente concordou em fazer parte da nossa matéria, deve começar a se atentar.

Por Bruno Piai