As chamadas vagas afirmativas não são, necessariamente, um fenômeno novo. Dentro das chamadas ações afirmativas, que são iniciativas públicas ou privadas destinadas a corrigir desigualdades sociais, empresas de variados portes e setores já têm, há anos, a preocupação de contratar diferentes públicos e assim fortalecer suas políticas de Diversidade & Inclusão. No entanto, é inegável que o caso do Magazine Luiza, em setembro de 2020, foi o fio condutor para que o tema ganhasse evidência popular e levantasse uma polêmica discussão – que, recentemente, foi reacendida pelo LinkedIn, mas falaremos sobre ao final do texto.

Na época, a rede varejista comandada por Luiza Trajano anunciou a abertura de um programa de trainee destinado apenas a candidatos negros, sob o propósito de aumentar a diversidade do quadro de empregados da companhia. A medida foi recebida com muitos elogios – e, inclusive, motivou outras empresas a adotarem ação semelhante -, mas também com diversas críticas.

Argumentos como “racismo reverso” e “segregação racial” ganharam as redes sociais compartilhados pelo público contrário à iniciativa. A Defensoria Pública da União (DPU) chegou a processar o Magazine Luiza alegando “ilegalidade” por ser um processo seletivo “discriminatório”. O fato é que, controvérsias à parte, as vagas afirmativas vêm ganhando espaço, especialmente no combate a contextos de desigualdade.

De acordo com a última Pnad Contínua, pesquisa realizada pelo IBGE, a taxa de desocupação das mulheres é maior em relação aos homens e elas recebem salário 20,5% inferior ao do público masculino. O levantamento, anteriormente, já identificou que 72,9% dos desempregados no Brasil são negros e/ou pardos. O advogado Eduardo Rodrigues, especialista em Direito Civil e do Consumidor, explica que a abertura de vagas afirmativas não só é de fundamental importância para combater desigualdades, como também não é contra a lei, especialmente quando “dados tão alarmantes estão à tona”.

“Pegando como exemplo o gancho da questão racial, o Estatuto da Igualdade Racial prevê que desigualdades sejam combatidas. Ações afirmativas estão previstas na Lei nº 12.990/2014, que reserva à população negra 20% das vagas em concursos públicos. Também temos a lei 12.711/2012, popularmente conhecida como a Lei de Cotas. A própria Constituição determina que qualquer tipo de desigualdade precisa ser enfrentada e a abertura de vagas afirmativas é uma mecanismo para aumentar a equidade racial, de gênero e também abrir portas para outros públicos que, historicamente, são marginalizados no mercado de trabalho, como PCDs”, explica.

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Vagas afirmativas dão resultado?

Segundo levantamento realizado pela Randstad, consultoria de Recursos Humanos, a presença de mulheres em cargos de especialistas e liderança foi 168% maior em 2021 em comparação com 2020. No recorte racial, o salto foi de 115% de mulheres negras no mesmo período. As profissionais do gênero feminino contratadas no ano passado com curso superior e pós graduação foi 58% maior que em 2020.

“Há avanços a serem celebrados, como o aumento da presença feminina em posições de liderança. Porém, não podemos perder nossos olhares vigilantes, pois mulheres ainda são sub-representadas, em especial as mulheres negras. Ainda tem muito trabalho a ser feito para que profissionais do gênero feminino possam exercer seus potenciais de maneira completa”, pontua o CEO da Randstad no Brasil, Fabio Battaglia.

Mulheres e o Mercado de Trabalho

Uma pesquisa da Harvard Business Review revelou que há um aumento de 17% nos índices de engajamento dos funcionários quando existe a preocupação por parte da organização em construir um ambiente diverso e inclusivo. Outro levantamento, este da Willis Towers Watson, revela que, para 90% das empresas respondentes, fazer da diversidade uma realidade está nos planos até 2023. Para a psicóloga e recrutadora Natasha Ferreira, políticas de diversidade, equidade e inclusão são importantes para a construção de ambientes de trabalho plurais, mas é necessário que as companhias saibam “diversificar a diversidade”.

“Nós vemos ações afirmativas, como a abertura de vagas, crescendo muito. Hoje, é fácil encontrar processos seletivos destinados à população preta e parda, às mulheres, e isso é gratificante e dá resultado na luta contra a desigualdade. Mas nós não podemos ignorar que há também outros públicos que buscam espaço no mercado e que vivem situações de desigualdade tão grande quanto. Menos de 1% das vagas formais do país são preenchidas por PCDs. 90% da população trans tem a prostituição como fonte de renda. Isso sem contar as dificuldades enfrentadas por refugiados, outros grupos LGBTQIA+, etc.”, destaca.

Na opinião da executiva Rafaela Frankenthal (foto abaixo), Co-fundadora da SafeSpace, startup de tecnologia comandada por mulheres e responsável pela criação de uma plataforma digital para denúncia de casos de assédio, apesar da diversidade ser um assunto cada vez mais discutido e ambicionado nas organizações, ainda há um caminho a percorrer para que, de fato, as empresas tenham iniciativas de DE&I bem estabelecidas.

“Nossa sociedade está muito atrasada em relação à diversidade e à inclusão no mercado corporativo. Temos uma dívida histórica para reverter, então não é o caso de discutir se as empresas estão preparadas ou não. É responsabilidade delas se preparar. E isso não pode começar com vagas afirmativas, mas não deve parar por aí. Diversidade é uma coisa e inclusão é outra. As empresas que estão investindo para contratar uma equipe mais diversa vão sair na frente, mas elas precisam garantir um ambiente de trabalho saudável e com oportunidades equilibradas para as pessoas independente também do seu contexto social”, salienta.

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A polêmica do LinkedIn

“Quando parece que estamos dando passos importantes em relação à diversidade, mesmo as empresas que a pregam se tornam um obstáculo.” A crítica feita por Natasha é direcionada ao LinkedIn, que na última semana se envolveu em uma controvérsia em relação a uma vaga afirmativa anunciada na rede.

A plataforma barrou uma oportunidade de trabalho destinada a profissionais negros e/ou indígenas. Segundo o LinkedIn, o anúncio foi considerado “discriminatório”. A posição em questão era para a coordenação administrativo-financeira do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT). Embora a plataforma tenha justificado que não permite distinções entre candidatos nas vagas que são divulgadas, o Procon-SP e o Ministério Público Federal (MPF) solicitaram explicações.

“Entendemos que em alguns países, como o Brasil, a legislação permite que empregados apliquem esses critérios em seus processos de seleção. Revisitamos regularmente nossas políticas para garantir que apoiamos a diversidade e a inclusão de candidatos no LinkedIn e, consequentemente, no mercado de trabalho”, disse a rede social corporativa.

“Ao portal G1, o MPF declarou que a decisão da rede social vai contra todos os esforços adotados no Brasil para incluir minorias por meio de iniciativas afirmativas. O LinkedIn, inclusive, já está sendo alvo de ações. A Educafro e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos entraram com uma ação civil pública e pedem que a rede pague R$ 10 milhões em danos morais coletivos. Detalhes à parte, é recomendável que a rede de empregos reavalie sua conduta e compreenda a realidade de cada país em que atua. Por ser uma rede global, pode ser delicado criar diretrizes padronizadas em todos os lugares de atuação, pois você ignora muitas particularidades da sociedade em questão”, comenta Rodrigues.

Segundo Deives Rezende Filho (foto abaixo), CEO da Condurú Consultoria, a postura do LinkedIn vai na contramão dos esforços promovidos pelo mercado de trabalho para fazer com que minorias conquistem o seu espaço.

Deives Rezende Filho

“Particularmente, acho que o fato de o LinkedIn proibir a divulgação deste tipo de vaga é lamentável. Na última semana, nós tentamos abrir, aqui na Condurú Consultoria, uma vaga afirmativa no LinkedIn e não fomos permitidos. É uma decisão da rede não aceitar anúncios de vagas afirmativas. E o que são estas vagas? São oportunidades que precisamos abrir para o novo, são vagas afirmativas para a sociedade. Isso vai na contramão de tudo o que falamos de diversidade e inclusão. Se nós queremos um ambiente mais diverso nas organizações, e o LinkedIn é um grande canal, uma rede social de negócios para procurar pessoas, e eles inibem esse tipo de publicação, estão indo no caminho oposto do que todos nós estamos pregando e falando de D&I”, salienta.

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Diversas empresas manifestaram repúdio contra a decisão tomada pela plataforma. Em carta, a Natura&CO manifestou repúdio e declarou que “a suposta política antidiscriminatória do LinkedIn é anacrônica, obtusa e deslocada da realidade social, racial e de gênero no Brasil”. Para Natasha, enquanto alguns grupos levantaram a preocupação de que a postura da rede social poderia desestimular o crescimento de vagas afirmativas, “a tendência é que ações tão infelizes como essa do LinkedIn sirvam, na verdade, como incentivo para que cada vez mais empresas lutem contra as desigualdades”.

Atualização – 30/03 – 9h43

O LinkedIn divulgou que há mudanças em sua política de anúncios de oportunidades de trabalho no país e retirou o veto referente à publicação de vagas afirmativas. Em nota, a empresa declarou que “no Brasil, agora são permitidas vagas afirmativas, inclusive para pessoas negras e indígenas” e que a liberação dos anúncios em questão é destinada àqueles que “expressam preferência por profissionais de grupos historicamente desfavorecidos”.

Por Bruno Piai