Há cinco, seis décadas atrás, esse feito seria inimaginável. Utopia, diriam muitos. Mas, além de Lewis Hamilton, temos hoje um portfólio de referências, personalidades negras exemplares, nos mais diversos segmentos, que precisam ser informadas e não invisibilizadas.
Precisamos desconstruir a trajetória até então seguida que apaga da história fatos que emergirão, com certeza, cada vez com mais intensidade, pois não dependemos mais dos contadores de “estórias”. Podemos e queremos a verdadeira história que está sendo acessada a tempo e a hora que quisermos, jogando por terra os mantos do apagamento histórico do valor e da contribuição da população negra, da África como o berço da humanidade e das civilizações.
Qual posicionamento sobre os negros foi colocado em nossa mente?
“Posicionamento não é o que você faz com o produto ou serviço, mas o que você faz na mente do cliente em potencial”.
Até que ponto o posicionamento existente é o real, ideal, ou é o cuidadosamente definido, há séculos, para estabelecer e manter dois universos: o dos privilegiados e o dos excluídos?
Se o posicionamento foi carregado de inverdades e justificativas injustificáveis, precisaremos realizar um reposicionamento.
Posicionamento e Reposicionamento são conceitos que foram desenvolvidos por Al Ries e Jack Trout em 1981, revelando uma nova abordagem em relação à comunicação, revolucionando a forma pela qual produtos e serviços eram promovidos e penetravam na nossa mente.
Segundo eles: “Posicionamento começa com o produto, uma peça de “merchandising”, um serviço, uma empresa, uma instituição ou mesmo uma pessoa. Mas, posicionamento não é feito com o produto ou serviço e, sim, é feito na nossa mente, enquanto “público em perspectiva”.
Como a raça negra foi posicionada na mente das organizações empresariais? Esta questão pode ser respondida, se nos situarmos segundo a percepção das empresas, ou seja; a percepção das pessoas que falam em nome dessas empresas.
“A diversidade étnico-racial nas companhias brasileiras ainda é um desafio. Apesar de 56% da população do país se autodeclarar preta ou parda, apenas 6,3% dos cargos de gerência e 4,7% dos cargos executivos são ocupados por negros (pretos e pardos). A situação das mulheres negras é ainda mais desfavorável, pois elas ocupam apenas 1,6% dos cargos de gerência, segundo dados das 500 maiores companhias do país…” (1)
Atualmente percebemos que as organizações empresariais, as organizações humanas, começam a se dispor à revisão dos valores das décadas passadas sob os quais se nortearam e buscam alinhá-los às novas diretrizes, para a conduta ESG Environmental, Social and Governance, focando riscos ligados às externalidades dos negócios; riscos operacionais, financeiros e reputacionais. As questões raciais são destaque entre esses riscos, não há dúvida, mas sem desprezar o motivo óbvio que é o reconhecimento de que a inclusão racial é o certo a ser feito.
Reposicionamento envolve uma mudança da identidade, na mente dos públicos de interesse e é possível quando trabalhamos para fazer a conexão do posicionamento desejado, com a percepção, os valores e desejos já existentes nas mentes do público alvo. Essa conexão deverá valer-se de informações que, provavelmente, não nos contaram ao longo da nossa trajetória de aprendizado.
RAÇA
Primeiramente, lembremos que raça é um termo inapropriado para aplicação a seres humanos, embora seja utilizado na sociedade para definir a cor das pessoas.
Segundo a Dra. Maria Aparecida Bento Silva, o fenótipo (características observáveis de um organismo ou população como, por exemplo: morfologia, desenvolvimento, propriedades bioquímicas ou fisiológicas e comportamento dos indivíduos) é tratado como atributo racial. O fenótipo resulta da expressão dos genes do organismo, da influência de fatores ambientais e da possível interação entre os dois.
O que nos contaram sobre os negros?
Ao falarmos sobre raça negra relacionamos à África, mas muito raramente, falamos do continente africano, terceiro continente mais extenso do mundo, cobrindo 20,3% da área total do planeta e o segundo mais populoso, com cerca de um bilhão de pessoas, representando um sétimo da população mundial com os seus 54 países.
Como eram os escravizados?
Os africanos escravizados, trazidos para o Brasil, eram aqueles que tinham excelentes capacidades físicas, mentais, produtivas e reprodutivas.
Os traficantes não traziam crianças, velhos, mulheres grávidas e portadores de necessidades especiais, pois visavam obter lucratividade máxima.
Segundo William Bosman, feitor das Companhias das Índias Ocidentais Holandesas, em carta de 1700, na costa do Daomé:
“…esses escravos eram todos colocados em prisão.(…) Os aprovados eram separados ; e os estropiados ou defeituosos de lado como inválidos. Estes os que têm mais de 35 anos, ou têm os braços, pernas,mãos ou pés mutilados, perderam um dente, têm cabelos grisalhos, ou uma película nos olhos; e também todos aqueles afetados por desarranjo venéreo ou por várias doenças.(…) As mulheres custando um quarto ou um terço mas barato que os homens”.
Estamos vendo o futuro repetir o passado, quando hoje lutamos contra a discriminação por idade, sexo e capacidade…
Esses escravizados tiveram como ancestrais, os responsáveis:
1) pela 1ª revolução tecnológica da humanidade, passando de caçadores e coletores de frutos e raízes, para a agricultura e pecuária, cerca de 18 mil anos atrás.
2) pelo uso de diversos meios de propagação de seu saber, sua visão de mundo, para as gerações futuras, inclusive pela oralidade.
3) por legarem a escrita à humanidade, conforme comprovado que a escrita dos faraós veio do Sudão.
4) por quase todo o conhecimento científico, religioso e filosófico da Grécia antiga. Sócrates, Platão, Tales de Mileto, Anaxágoras e Aristóteles estudaram com sábios africanos.
5) pelo saber médico, sanitário, os cálculos matemáticos e o universo astronômico.
6) experimentos e estudos voltados para o interior do organismo humano; mumificação, embalsamento. O cientista clínico egípcio Imhotep, a cerca de 3000 anos antes de Cristo já aplicava os conhecimentos médicos e de cirurgia.
7) o saber astronômico, uma área de extremo conhecimento africano.
8) metalurgia; há 2000 anos atrás produziam aço em fornos que atingiam temperaturas mais altas em duzentos a quatrocentos graus centígrados do que eram capazes os fornos europeus até o séc. XIX.
9) matemática, a geometria e a engenharia , aplicadas nas pirâmides do Egito.
10) conhecimento naval ; os egípcios conheciam as rotas marítimas, o que chamavam de “rios no meio do mar”.
Esse conhecimento naval, cultural, científico propiciou a chegada de Colombo e Cabral nas Américas, na medida em que os portugueses tiveram acesso a essas informações, a partir de 1450, aproximadamente.
Vale aqui ressaltar que a escravização teve um aval importante e que é ocultado pela história em nossa educação.
No século XV, em 1454, Portugal e a Igreja Católica se uniram para reduzir todos os africanos à escravatura perpétua, por meio do documento “Bula Dum Diversas” , assinada pelo Papa Nicolau V , dando aos portugueses, Rei Afonso V, a exclusividade para aprisionar negros para o reino e lá, batizá-los… Essa prática foi estendida, mais tarde, à Espanha e a outros países europeus.
Essas informações são mínimas, em função do espaço que dispomos, diante do todo que poderíamos obter das mais diversas fontes, mas ajudarão a reposicionar as imagens até então alicerçadas em nossas mentes sobre os negros?
Se as organizações quiserem, genuinamente, promover a diversidade e inclusão racial com equidade, precisarão ter acesso à verdadeira história das pessoas na sociedade, para a tomada de consciência transformadora.
Jorgete Leite Lemos é uma mulher, negra de pele preta, carioca, perennial, que tem em sua ancestralidade paterna o bisavô português, bisavó escravizada; avô negro e avó indígena. Ancestralidade materna: avô português, avó negra, reconhecendo que em suas veias corre o sangue de escravizadores e de escravizados. Reconhecendo também, que não tem culpa a expiar. Ninguém tem. Mas tem sim, responsabilidade e quer mudar o final dessa história.
Venha comigo!
Por Jorgete Lemos, sócia fundadora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços – Consultoria. É uma das Colunistas do RH Pra Você. O conteúdo desta coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.
Fontes: https://exame.com/carreira/os-desafios-e-os-avancos-da-diversidade-racial-nas-empresas-brasileiras/
Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca; Profª. Elisa L. Nascimento, UNESP Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
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