Há muita discussão sobre quais são os desafios do RH para o novo ano de 2024, mas o que acabamos vendo são os “desafios” de sempre.
Reter talentos, benefícios, diversidade, setembro amarelo (importantíssimo), outubro rosa, novembro azul, qualidade de vida, treinamentos, negociações sindicais.
Segundo Bill Gates, “The key to business success is detecting where the world is going and getting there first.”[1] Traduzindo: “A chave do sucesso nos negócios é perceber para onde o mundo está indo e chegar lá primeiro”.
O mundo empresarial caminha há alguns anos para uma direção de preocupação não só com meio ambiente, sustentabilidade, mas também com direitos sociais, movimentando as empresas, já que são temas que impactam no mercado de maneira geral.
Muito timidamente fala-se em ESG no Brasil, mas sem uma análise mais profunda do seu “S”, que tem se limitado a diversidades – nem sempre diversas.
No entanto, as empresas cada vez mais participam do Pacto Global, lançado em 2000 pela ONU, que o site do movimento no Brasil descreve como “uma chamada para as empresas alinharem suas estratégias e operações aos Dez Princípios universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção e desenvolverem ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da sociedade”. [2]
Movimento mundial envolvendo empresas e organizações em todo o mundo abrangendo 160 países. Você encontra uma ferramenta de busca das empresas participantes em todo o mundo, neste link.
A verdade é que globalização da atividade empresarial criou cadeias de suprimentos globais, com a real possibilidade de dumping social, uma vez que a terceirização das cadeias de suprimentos para outros países compra não só a produção, mas também condições de trabalho piores do que no Estado onde está localizada a matriz da empresa, como forma de reduzir custos sociais.
Os Princípios Orientadores da ONU (há uma cartilha eles no Brasil[3]) estabelecem princípios para que as empresas protejam os direitos humanos em suas atividades. Eles não criam nenhum direito ou obrigação que ainda não exista, mas consideram a conformidade com as regras existentes.
No entanto, apesar de não serem regras obrigatórias, mas sim de de cumprimento voluntário pelas empresas, cada vez mais organizações se engajam em cumpri-los.
No relatório que você acessa neste link, há várias experiências de empresas espanholas em seu cumprimento que podem servir de inspiração, inclusive várias com atuação no Brasil, e ainda muitas ferramentas bem interessantes da ONU para auxiliar as empresas – inclusive para criação de políticas empresariais de direitos humanos.
Há muitos instrumentos universais para a proteção dos direitos humanos em atividades comerciais, como a 10ª Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho[4] e seu acompanhamento.
A OECD, em suas Diretrizes para Empresas Multinacionais sobre Conduta Empresarial Responsável[5], em sua atualização, envolveu o cuidado com pessoas e grupos de risco.
A diretiva europeia de sustentabilidade empresarial é um dos instrumentos que hoje impacta nesse mercado, e deu força à pauta ESG.[6]
A proposta de uma Diretiva Europeia sobre a imposição da devida diligência empresarial, inclusive em matéria de direitos humanos, também reconhece a necessidade de todas as empresas fazerem uso desse mecanismo, inclusive empresas fora da UE que negociam com empresas da UE, e já tem um acordo provisório, andando a passos largos para sua aprovação.[7]
A diretiva busca “efeitos negativos, potenciais ou reais da sua cadeia de atividades no ambiente e nos direitos humanos, abrange os parceiros empresariais a montante da empresa e, em parte, as atividades a jusante, como a distribuição ou a reciclagem.”[8]
Assim, apesar de se direcionar às grandes empresas, ao exigir a diligência em sua cadeia de valor atingirá qualquer empresa que negocie com elas.
No Brasil, a atuação é tímida, mas cada vez mais há a responsabilização da empresa em relação a atos de sua cadeia produtiva, e não há sumula 331 do TST e lei 6019/74 que salve essa responsabilização, pois falamos de direitos humanos e não de responsabilidade subsidiária por direitos trabalhistas.
Muito do foco tem sido o trabalho análogo à escravidão, previsto no artigo 149 do código penal: “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”[9].
Então, minha sugestão, talvez motivada por meus estudos em direitos humanos e globalização na UOC[10] que me abriram o horizonte para a atuação empresarial responsável, é de que no topo da lista dos desafios do RH em 2024 esteja a análise da atividade empresarial responsável, com respeitos aos direitos humanos.
Todos os outros desafios cabem aqui dentro.
Nem que seja porque, como disse Bill Gates, “A chave do sucesso nos negócios é perceber para onde o mundo está indo e chegar lá primeiro”.
Feliz 2024!
Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.
[1]https://www.economiafinanzas.com/en/phrases-bill-gates/#Las_50_mejores_frases_de_Bill_Gates
[2] https://www.pactoglobal.org.br/a-iniciativa
[3] https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/outubro/Cartilha_versoimpresso.pdf
[4] https://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf
[5] https://www.oecd.org/publications/diretrizes-da-ocde-para-empresas-multinacionais-sobre-conduta-empresarial-responsavel-663b7592-pt.htm
[6] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32022L2464
[7] https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2023/12/14/corporate-sustainability-due-diligence-council-and-parliament-strike-deal-to-protect-environment-and-human-rights/
[8] idem
[9] https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/conatetrap/trabalho-escravo#:~:text=Nos%20termos%20do%20artigo%20149,o%20empregador%20ou%20preposto%20pode
[10] Universitat Oberta de Catalunya – uoc.edu