A Covid-19 é uma doença pandêmica, com estado de calamidade declarada no Brasil pelo Decreto-legislativo 06/2020, e determinações estatais de isolamento e quarentena.

E hoje duas grandes dúvidas assolam as empresas:

  • Contágio pelo coronavírus será considerado como doença do trabalho?
  • Como gerenciar a questão da vacinação e o ambiente de trabalho? A justa causa é cabível?

Mais do que nunca essa questão exige estudo a decisões cuidadosas das empresas. No mês de julho, fez grande alarde um acórdão[1] do TRT 2 (SP) que manteve sentença que reconheceu a validade da dispensa por justa causa de uma trabalhadora que se recusou a se vacinar sem justificativa.

Nessa decisão encontramos elementos muito importantes para análise do caso:

  1. A ex-empregadora prestava serviços terceirizados em um ambiente hospitalar
  2. A ex-empregada atuava na limpeza desse ambiente hospitalar
  3. A ex-empregadora tomou várias medidas de orientação aos seus empregados, especialmente aos locados em área de risco da saúde. Diz a decisão que a empresa:

“Comprovou ter disponibilizado diversos informativos, bem como adotou diversas medidas relevantes, tais como a antecipação das férias dos colaboradores com mais de sessenta anos ou com comorbidades, transferência dos postos de trabalho das gestantes evitando que elas prestassem assistência direta aos pacientes, realização de treinamentos inclusive por meio de videoaulas, e distribuição de máscaras de proteção, álcool em gel, luvas, toucas e aventais para os colaboradores da área da saúde, escalonamento dos horários de saída de algumas equipes, e adoção de outras medidas de orientação para a higiene das superfícies, das mãos, entre outras providências …”

Com essas informações em mente vamos pensar a questão da saúde ocupacional x doença do trabalho x vacina x medidas do empregador = gerenciamento.

Após Portaria 356 com regras médicas foi editada a Portaria nº 454, de 20 de março de 2020, que declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (Covid-19).

Essa Portaria traz como regra o isolamento da pessoa com sintomas de doença respiratória mediante atestado médico: Art. 2º Para contenção da transmissibilidade do covid-19, deverá ser adotada como, medida não-farmacológica, o isolamento domiciliar da pessoa com sintomas respiratórios e das pessoas que residam no mesmo endereço, ainda que estejam assintomáticos, devendo permanecer em isolamento pelo período máximo de 14 (quatorze) dias.

Em 27 de março, foi emitida uma orientação a empresas e trabalhadores para contenção da transmissão, o OFÍCIO CIRCULAR SEI nº 1088/2020/ME ORIENTAÇÕES GERAIS AOS TRABALHADORES E EMPREGADORES EM RAZÃO DA PANDEMIA DA COVID-19, que traz a obrigação do SESMT e CIPA, quando existentes, de instituir e divulgar a todos os trabalhadores um plano de ação com políticas e procedimentos de orientação aos trabalhadores.

Dessa forma, de maneira resumida,  cabia e cabe ao SESMT E/ou CIPA da EMPRESA criar os protocolos de segurança à saúde dos empregados, e, onde inexistentes à própria gestão das empresas assessoradas pelas empresas prestadoras de serviço médico e de segurança na forma da NR 7 e ao membro nomeado da CIPA, mas a questão é, essas medidas são inseridas em documentos específicos, protocolos relacionados à pandemia no sistema de saúde ocupacional das empresas, seus PPRA (Programa de Prevenção de riscos ambientais) e PCMSO (programa de controle de saúde ocupacional)?

Guardem mais essa dúvida.

Doença do trabalho?

O Brasil tem norma que trata da contaminação por doenças endêmicas, que diz que não será doença do trabalho, a “doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”[2].

Assim, em sendo a doença pandêmica, viável a aplicação de tal dispositivo legal, nem que seja por analogia e mais, cabendo tal regra ao menos – doença endêmica, e, portanto, localizada – caberá ao mais – doença pandêmica que atingiu todo o mundo sem controle possível de sua propagação.

E o nexo será provado por atitude omissiva do empregador, ao não tomar os cuidados indicados por lei ou por seu serviço de segurança e medicina do trabalho, ou, ainda por atitude comissiva quando, por exemplo, nos moldes acima, enviar empregado a trabalhar em local de alta incidência, e dentre eles, com certeza todas as empresas da aérea de saúde.

Portanto, se o empregador tomar medida que facilite o contágio, ou que não o impeça, numa atitude omissiva, a doença poderá ser considerada como ocupacional.

As empresas deverão redobrar cuidados em seu estabelecimento e mesmo nos estabelecimentos terceiros em que seus empregados eventualmente prestem serviços em contratos de cessão de mão de obra, exigindo deles, contratualmente tais cuidados, com imposição de multas e responsabilidade caso não o façam.

As empresas deverão acionar seus serviços de segurança e medicina do trabalho (SST) para uma análise cuidadosa verificando qual os riscos envolvidos em sua atividade, se a contaminação por Covid poderá ou não ser considerada doença do trabalho, tomando todas as medidas necessárias para seu controle.

Na área da saúde há norma regulamentadora sobre o tema do risco biológico, e como medidas preventivas traz regras sobre a vacinação. É a NR 32, que estabelece a vacinação como uma das medidas a serem previstas no PCMSO das empresas com riscos biológicos, e a coloca (item 32.2.4.17) como obrigação do empregador de disponibilizar tais vacinas, controlar sua eficácia, informar os empregados dos riscos, e efeitos colaterais das vacinas e os riscos de não se vacinarem.

Neste caso, é obrigação da empresa tomar as medidas preventivas cabendo-lhe o poder diretivo de determinar punição aos empregados que desobedeçam às suas ordens. A vacina não é um EPI, não possui Certificado de aprovação emitido pelo Tem, mas é um meio eficaz de evitar a contaminação por risco biológico presente no ambiente empresarial.

Mas e a vacinação nas empresas que não seguem a NR 32?

Existe no Brasil uma lista de vacinas já determinadas obrigatórias por lei, e que cabe aos empregadores exigir comprovação quando da contratação do empregado. O Decreto 78.231/76 traz as regras do Programa Nacional de Imunizações, e a Portaria 597/04 institui o calendário nacional de vacinação, que é publicado anualmente. Essa Portaria obriga os empregadores a exigir a comprovação da vacinação (art. 5º. § 5º ) “ Para efeito de contratação trabalhista, as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos….” E no seu anexo traz as vacinas obrigatórias. (#fica a dica: alguém cumprido essa regra?)

No entanto, nessas regras não foi inserida ainda a vacina contra o Covid-19. E, portanto, por lei, tal vacinação não é ainda obrigatória. E essa ausência legal é muito importante para essa próxima dúvida.

Cabe demissão por justa causa do empregado que se recusa a se vacinar?

E neste aspecto vamos analisar as empresas sem regra própria, já que as abarcadas pela NR 32 têm regras de saúde ocupacional que devem seguir. Lembrando que o Coivd-19 será, presumidamente, doença profissional nesses casos, por haver um nexo da atividade e do ambiente em que o trabalho está se desenvolvendo.

O STF decidiu sobre a questão da validade da recusa na vacinação, e definiu que a vacina pode sim vir a ser obrigatória, mas não compulsória e colocou requisitos para que seja considera da como tal. #fica_a_ dica: A decisão do STF não determina que a vacina seja obrigatória, mas ele diz que a vacina pode ser considerada obrigatória por ato estatal norma legal federal, estadual ou municipal, portanto, não há ainda determinação de obrigatoriedade da vacina. E o que o STF determina é que, apesar de obrigatória, não pode ser compulsória, ou seja, a pessoa sempre pode se recusar a tomá-la, mas poderá, se previsto em lei, sofrer controle indireto. É o que constou do Tema 1.103[3].

Portanto, para as empresas que não se inserem na área de riscos biológicos conforme NR 32, não há lei ainda determinando a obrigatoriedade da vacina, e quais restrições são possíveis de serem aplicadas.

Há uma visão de que o bem coletivo deve ser maior que o individual, mas a demissão por justa causa é pena máxima, que só será aplicada se couber ao empregador controlar seu ambiente de trabalho, ou seja, se a contaminação pela COVID-19 for um risco ocupacional. E isso quem define é o serviço de segurança e medicina do trabalho de cada empresa.

Assim, neste momento, cabe às empresas analisar com cuidado e com seu serviço de segurança seu ambiente de trabalho, para verificar se há risco ocupacional ou não, e em cada caso tomar as medidas necessárias para proteção de seus empregados. Todas as medidas tomadas em prevenção devem ser extremamente cuidadosas e documentadas, com arquivo de todos os documentos, treinamentos, inclusive com gravação em vídeo deles.

Resumo da ópera

  • Contágio pelo coronavírus será considerado como doença do trabalho? Dependerá do ambiente de trabalho, do tipo de atividade da empresa e da análise do serviço de segurança e medicina do trabalho da empresa. Em havendo nexo comprovado com a atividade e o contágio, será doença do trabalho.
  • Como gerenciar a questão da vacinação e o ambiente de trabalho? A justa causa é cabível? As medidas preventivas no ambiente devem vir primeiro: Afastamento dos grupos de risco quando possível, medidas de proteção e higienização do ambiente de trabalho, controle de saúde, orientação dos empregados, verificação de sintomas, treinamentos, orientações sobre medidas de prevenção, inclusive vacina, orientação para que os empregados busquem informações médicas dos médico do plano de saúde, ou SUS, orientação do médico da empresa, dentre outras, todas bem documentadas.

Neste momento, entendo que a justa causa será temerária, salvo em caso extremos, nos ambientes de alto risco de contaminação interna e da sociedade através de um empregado que frequente o local.  Lembre-se que o STF não determinou vacinação obrigatória sem que haja lei que assim o determine, e colocou limites, mantendo sempre o direito a recusa do indivíduo, que sofreria punições indiretas. Mas a lei não existe ainda. E, portanto, todo cuidado é pouco. Auxílio do serviço médico e de segurança, análise de cada caso, são medidas necessárias para proteção de todos. Orientar e informar e instruir são as palavras de ordem neste momento.

Essas medidas são inseridas em documentos específicos, protocolos relacionados à pandemia ao no sistema de saúde ocupacional das empresas, seus PPRA (Programa de Prevenção de riscos ambientais) e PCMSO (programa de controle de saúde ocupacional)?

A decisão é do serviço de segurança e medicina do trabalho de cada empresa.

[1] TRT da 2ª Região; Processo: 1000122-24.2021.5.02.0472; Data: 19-07-2021; Órgão Julgador: 13ª Turma – Cadeira 5 – 13ª Turma; Relator(a): ROBERTO BARROS DA SILVA

[2] Lei 8213/91 art 20

[3] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5909870 : “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar.”

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.