A meia entrada, os empresários gananciosos e a ilusão de levar vantagem
Recentemente, discutiu-se o eventual fim da chamada meia entrada. A choradeira foi geral. A maioria quer a manutenção da meia entrada… apesar de ela reduzir a oferta de espetáculos, encarecer os ingressos para a maioria e não barateá-los para ninguém.
Ao tornar os ingressos mais caros para muitos, a meia entrada faz com que menos gente possa comprá-los. Por isso, promotores de eventos querem seu fim. Eles ganham menos com a meia entrada não porque vendem mais barato — o que não acontece — mas porque vendem menos.
Coloque-se no lugar deles e fica fácil entender por que. Imagine que você organiza um show para 1.000 pessoas. Realizar o show lhe custa R$80 mil reais. Sua experiência lhe ensinou que para vender 1.000 ingressos, o máximo que você poderia cobrar por ingresso seria R$100, garantindo um faturamento de R$100 mil e um lucro de R$20 mil. Como existe a meia entrada, para que os ingressos possam ser vendidos por R$100, você sobe o preço da entrada a R$200. Assim, a meia entrada sai por R$100. Vendendo 1.000 meias entradas, você faturaria R$100 mil e teria um lucro de R$20 mil.
O problema é que nem todos têm direito à meia entrada. Com menos gente podendo pagar R$100 por ingresso, ao invés de vender os 1.000 ingressos, você só vende 500 meias entradas e fatura R$50 mil. Além disso, você também vende ingressos ao preço cheio, mas como há menos gente disposta a pagar R$200 do que R$100 por ingresso, você só vende 200 ingressos a R$200, faturando mais R$40 mil. Somando R$50 mil em vendas com meias entradas e R$40 mil com vendas com entradas cheias, seu faturamento totaliza R$90 mil.
Resultado? Sem meia entrada, 1.000 pessoas veriam o show, pagando R$100 cada e o faturamento do show seria de R$100 mil. Com a meia entrada, só 700 pessoas veem o show — 500 pagando meia entrada e 200 pagando a entrada cheia — e o faturamento cai para R$90 mil.
Em resumo, saíram perdendo:
1) o organizador, que fatura e lucra R$10 mil menos,
2) as 200 pessoas que pagariam R$100 por ingresso e tiveram de pagar R$200 para poder ver o show.
3) as 300 pessoas que queriam ver o show por R$100, mas não conseguiram por que teriam de pagar R$200 para poder vê-lo.
E quem saiu ganhando? Ninguém. Os que pagam meia entrada têm a ilusão de que levaram vantagem porque alguém pagou mais do que eles pelo ingresso, mas eles mesmos pagaram a mesma coisa que pagariam se não existisse a meia entrada.
Para quem o preço do ingresso subiu para R$200? Para o trabalhador pobre, que não pode pagar a faculdade ou não conseguiu entrar em uma faculdade gratuita. O estudante com renda pessoal ou familiar mais alta continua pagando R$100 por ingresso, assim como aqueles que falsificaram a carteirinha, mas nem eles pagaram menos do que antes, apenas não pagaram mais.
A única razão por que as pessoas apoiem esta ilusão é porque lhe deram o nome de meia entrada. Se ela fosse chamada pelo verdadeiro nome — entrada pelo dobro do preço — ninguém a apoiaria.
Aí, muita gente diz: mas se a meia entrada acabar, o empresário brasileiro — que seria particularmente ganancioso — não vai reduzir o preço. Coloque-se no lugar do empresário ganancioso. Com o fim da meia entrada, sua primeira opção é manter o preço do ingresso a R$200 e, além dos 200 ingressos a este preço que você já vendia, vender mais 200 ingressos para algumas das 500 pessoas que antes pagavam meia entrada, totalizando 400 ingressos, R$80 mil em vendas e nenhum lucro. A segunda opção é reduzir o preço para R$100, que aliás já era o que você cobrava sem a meia entrada, vender 1.000 ingressos, faturar R$100 mil e ter R$20 mil de lucro. O que você faria no lugar dele?
Ainda acredita que a meia entrada reduz preços? Então, exija meia entrada para todos. Melhor ainda, exija que todos os ingressos sejam vendidos por 1% do preço para todos. Todos pagarão R$100 por ingresso porque este é o preço que maximiza o lucro para quem vende os ingressos, mas o preço marcado no ingresso será R$10 mil e você poderá ficar feliz da vida com a ilusão de que só pagou 1% do preço. Problema resolvido.
Ricardo Amorim, autor do bestseller Depois da Tempestade, apresentador do Manhattan Connection da Globonews, o economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes, o brasileiro mais influente no LinkedIn, único brasileiro entre os melhores palestrantes mundiais do Speakers Corner, ganhador do prêmio Os + Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças, presidente da Ricam Consultoria e cofundador da Smartrips.co e da AAA Plataforma de Inovação. É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.