As doenças cardiovasculares (principalmente infarto do miocárdio e derrame cerebral) se constituem na principal causa de morte prematura em todo o mundo, inclusive no Brasil. Além da mortalidade, traz várias incapacidades afetando a qualidade de vida das pessoas e suas famílias, reduzindo sua produtividade e gerando custos para o sistema de saúde. Apesar da situação epidêmica, o enfrentamento sistêmico desta condição não parece ser prioridade no planejamento em saúde nos setores público e privado.

Está bem estabelecido, por inúmeros estudos, que há uma forte relação entre fatores de risco modificáveis (como atividade física, alimentação saudável, consumo de álcool, obesidade e tabagismo) e as condições crônicas.

O processo de adoecimento é bastante complexo, envolve fatores genéticos, sociais, comportamentais e econômicos. Eles interagem entre si e devem ser considerados nas estratégias para o desenvolvimento, desenho e implementação das iniciativas de prevenção e gestão das condições crônicas.

No início de 2023, Nico Pronk e colaboradores da Harvard T.C.Chan School of Public Health publicaram um excelente ensaio na revista Progress in Cardiovascular Diseases onde reforçam a importância da aplicação da ciência de sistemas para enfrentar a complexidade dinâmica das doenças cardiovasculares.

Eles apresentaram uma rima norte-americana denominada “dilema de Humpty-Dumpty”. Ela seria sobre um ovo que estava em cima de um muro. Se ele cair, não conseguirá se reconstituir nunca mais. Há um único movimento positivo, ou seja, da  prevenção da queda do Humpty e assim prevenir um estado de caos e desordem que, na melhor das hipóteses pode ser gerenciado para reduzir o dano.

Neste contexto, a simples gestão das condições crônicas (já diagnosticadas) é bastante difícil, pois a patologia é complexa, sem possibilidades de reversão e exige esforços em muitas áreas. Voltando ao dilema de Humpty-Dumpty, a única maneira de abordar a questão é a prevenção através da abordagem em escala dos fatores de risco e proteção.

Como exemplo, os autores citam a necessidade de prevenção como fator de risco para doenças cardiovasculares. O plano governamental previa a redução de 38% na prevalência de diabetes. No entanto, considerando-se as taxas em que as pessoas recebem o diagnóstico, vivem com a doença e morrem, as análises constataram que os novos casos excedem os óbitos e deveria haver uma redução de, pelo menos 50% nos novos casos para não haver aumento na prevalência de diabetes no país. Ela somente será atingível com uma abordagem agressiva nos fatores de risco.

Deste modo, se os gestores em saúde não quiserem “enxugar gelo” deverão ter uma melhora significativa nos fatores de estilo de vida para prevenção das condições crônicas, com especial ênfase para a obesidade que tem apresentado taxas cada vez mais elevadas em nosso país.

Assim, como nos ensina o dilema de Humpty-Dumpty, fazer a “gestão” da condição crônica instalada vai trazer resultados limitados, mesmo com o uso da telemedicina, telemonitoramento, subsídio a medicamentos, etc. pois um complexo mecanismo patológico foi desencadeado, ou seja, “o ovo quebrou” e não voltará mais ao estado original.

Os tomadores de decisão precisam utilizar uma abordagem utilizando a ciência dos sistemas com alinhamento das intervenções, metas, desfechos e abordagens.

Alberto Ogata, presidente da Associação Internacional de Promoção de Saúde no Ambiente de Trabalho (IAWHP). É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.