Desconstruir o mito da meritocracia para incluir equidade tem sido um enorme desafio e compromete agenda de diversidade e inclusão.

Cada vez mais questionado nas esferas sociais e trabalhistas, o conceito de meritocracia defende a ideia do alcance dos objetivos por meio de merecimento. Mas como promover esse conceito sem levar em consideração as condições históricas e desigualdades sociais e raciais do Brasil?

O Brasil é o nono país mais desigual do mundo, uma criança de família pobre levaria 9 gerações para atingir a renda média brasileira (OCDE 2018). Contudo, a classe média corporativa, formada por gerentes, diretores e CEOs, têm a meritocracia como um valor universal. A primeira coisa que eles me falam é que são meritocráticos e só contratam por competência e habilidades.

Dito isto, temos um mito, porque a maioria acredita que opera na meritocracia, porém encontramos um cenário de profundas desigualdades. Menos de 13% de mulheres e 5% de pessoas negras ocupam cargos executivos (Ethos 2016). Além disso, somente 1% das pessoas com deficiências estão empregadas (Pnad 2022), e pessoas trans e +50 anos ainda enfrentam barreiras para serem incluídas no mercado.

Quando eu peço para as lideranças definirem o que é meritocracia, surgem palavras como: talento, esforço, competência, alto desempenho e entrega de resultado. Porém, uma palavra-chave sempre escapa dos líderes com quem converso: a equidade.

A Constituição Federal diz que a equidade é o respeito pelo direito de cada pessoa, adequando a norma ao caso concreto, pelo que se considera justo. Já o sociólogo Boaventura de S. Santos, defende a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não reproduza ou alimente as desigualdades.

Por sermos um dos países mais desiguais do mundo, é perfeitamente explicável o porquê de naturalizarmos as desigualdades e a palavra equidade ser muito sofisticada para o entendimento geral. Muitos gestores ainda consideram ações afirmativas como assistencialismo e uma maneira de baixar a régua dos processos de contratação.

Não falta só letramento, conhecimento sobre vieses inconscientes, conscientização sobre racismo, machismo, capacitismo e etarismo estruturante; falta ressignificar o conceito de meritocracia.

Será que incluir e aproximar pessoas de baixa renda com pessoas das classes mais altas poderia gerar desconforto ou sensação de perda de status ou a cultura racista desperta medo? Precisamos ouvir essas lideranças para identificar quais são os sentimentos mais profundos que os impedem de abraçar a equidade.

A verdade é que promover DE&I pode ser complexo, haja vista que precisamos desconstruir uma cultura de atraso enraizada na nossa sociedade. Ninguém tem culpa de 350 anos de escravidão, nem dos 134 de exclusão, mas digo para todos os líderes que eles precisam ter autorresponsabilidade pela mudança.

Eles definem estratégias e são os guardiões da cultura corporativa, logo precisa partir deles este movimento de ressignificação da meritocracia. Costumo ensiná-los sobre um conceito mais amplo “Ofereça equidade e deixe as pessoas crescerem na velocidade do seu talento e esforço”.

O copo está meio cheio, estamos avançando na jornada de DE&I, mas não na velocidade que gostaríamos, já que os últimos cálculos apontam 250 anos para equidade de gênero e raça (Fórum Econômico Mundial 2020).

Algumas empresas já estão apostando em metas de diversidade, equalização de salário entre mulheres e homens, programas de aceleração de carreiras de talentos diversos, etc. Contudo, se as organizações quiserem acelerar essa promoção, precisam ser mais ousadas e ampliar o leque de ações afirmativas de alto impacto e escala.

Sem equidade não existe meritocracia

Por Leizer Pereira, palestrante, empreendedor e consultor especialista em estratégias para promoção da diversidade e inclusão nas empresas. É fundador e diretor executivo da Empodera, uma plataforma pioneira na construção de negócios inclusivos e preparação de carreira e conexão de jovens com organizações que valorizam a diversidade.

 

Para aprofundar informações sobre RH, ouça o podcast do RHPraVocê, episódio 87 com o título “Faz sentido falar em meritocracia na gestão de RH?“ com a dupla de colunistas do RH Pra Você, Gustavo Mançanares Leme, Sócio Diretor da Tailor, e Renata Meireles, Gerente Sênior Pessoas & Performance da Cyrela. Confira ouvindo diretamente no app abaixo:

Não se esqueça de seguir nosso podcast e interagir em nossas redes sociais:

Facebook
Instagram
LinkedIn
YouTube

Capa: Depositphotos