O combate à transfobia nas relações de emprego e suas repercussões no mundo corporativo e na Justiça do Trabalho
Conforme pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), 88% das pessoas entrevistadas acreditam que “as empresas não estão preparadas para contratar ou garantir a permanência de pessoas trans em seus quadros”.
Para além disso, dados da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo apontam que, em razão da dificuldade na inserção do profissional no mercado formal, a principal fonte de renda de pessoas transgênero é a prostituição, tendo essa sido a declaração de 53% dos entrevistados.
Outro dado que chama a atenção é o fato de que, de acordo com o levantamento feito pela União Nacional LGBT, a expectativa de vida de uma pessoa transexual é de 35 anos, ou seja, praticamente metade da dos demais brasileiros, que é 75,5 anos, conforme apontam dados do IBGE.
O preconceito estrutural reflete na falta de oportunidades e dignas condições a este grupo, que enfrenta dificuldades em diversos aspectos de suas vidas, inclusive, e especialmente, com relação à inserção e continuidade, bem como desenvolvimento, no mercado formal de trabalho.
Para as organizações que visam abordar um papel consciente em prol de objetivos sociais, seguindo diretrizes como Environmental, Social And Corporate Governance (ESG),é importante promover o debate sobre a responsabilidade de inserção de pessoas trans no ambiente corporativo.
E, atualmente, estamos vivendo um movimento no qual muitas empresas passam a se preocupar cada vez mais com a implementação de comitês de diversidade e inclusão. Afinal, promover uma cultura de respeito é responsabilidade de todas as organizações e a temática tem sido pauta de discussão em instituições dos mais diversos tamanhos e segmentos.
Para além da inclusão, desde o processo seletivo e integração do novo empregado, é válida a preocupação das empresas em proporcionar um ambiente em que o profissional se sinta seguro e respeitado, premissa essa que é básica em qualquer relação de emprego.
No caso aqui discutido, o intuito é oferecer oportunidades para que as pessoas transgênero, assim como quaisquer outras, ocupem os mais diversos tipos de cargos dentro das instituições. Há também o cuidado em preparar o time que já faz parte da empresa para que seja possível tal acolhimento.
Veja mais: Benefícios da diversidade LGBTQIA+ e como tornar as empresas inclusivas
Há zelo não apenas com novos empregados, mas também com profissionais já contratados que estejam, inclusive, passando por período de transição de gênero, como relata Erick Barbi, em recente evento realizado pela ABRH-SP sobre a realidade social para pessoas trans.
E as repercussões vão para além da duração do contrato de trabalho. Afinal, a Justiça do Trabalho constantemente recebe reclamações trabalhistas envolvendo situações discriminatórias com pessoas trans e profere condenações às empresas que, comprovadamente, não se adequam à função social e aos princípios de inclusão e isonomia.
Consequentemente, empresas dos mais diversos portes passam a responder não só com o pagamento de indenizações por danos morais, mas até mesmo com a reintegração do profissional ou indenização substitutiva, se comprovado que o término da relação de emprego teve origem discriminatória.
As principais temáticas dos processos trabalhistas estão relacionadas à falta de uso do nome social, tanto em sistemas corporativos (cartões de ponto, holerites e crachá, por exemplo) quanto nas conversas com supervisores e colegas, bem como em razão de ocorrências de tratamento diferenciado e vexatório, sejam elas pontuais ou recorrentes, o que caracteriza assédio moral.
Ainda que a empresa não seja alvo de reclamações trabalhistas sobre o tema, há a reflexão de que a isonomia deve ser respeitada e incentivada se pensarmos, inclusive, no bom funcionamento da atividade empresarial como um todo.
Veja mais: Report – Cobertura completa: 10ª Edição do Super Fórum de Diversidade
Um estudo promovido pela McKinsey & Company, consultoria empresarial, identificou que o compromisso com a diversidade estimula melhores práticas de negócios, um comportamento mais eficaz e engajado perante a liderança, além de promover maior saúde organizacional (nível de satisfação e felicidade avaliado em 63%, comparado com apenas 31% em organizações que não são comprometidas com o tema).
Outro ponto levantado é de que empresas com equipes diversificadas em termos de gênero têm probabilidade 93% maior de superar concorrentes, justamente pela relação positiva entre os níveis de satisfação e a performance financeira.
Não é demais recordar que o direito não admite ações ou omissões que desrespeitem qualquer pessoa ou grupo social. A inobservância dos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação nas relações de trabalho poderá gerar não apenas um passivo trabalhista pontual, como também impactar negativamente a imagem da empresa perante a sociedade e o mercado, em efeito cascata.
Por outro lado, a cultura inclusiva, ao proporcionar maior respeito às diferenças, também promove maior produtividade, engajamento e criatividade nas organizações, para além do reconhecimento de que a empresa cumpre bem com sua função social e pode ser vista, até mesmo, como destaque e referência às demais e, certamente, perante ao Poder Judiciário.
Por Melina de Pieri Simão, advogada especialista e Kawana Talita Santiago, estagiária, ambas da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra. Advogados.
Ouça também o PodCast RHPraVocê, episódio 89, “O poder do investimento em diversidade” com a fundadora da Newa Consultoria, Carine Roos. Clique no app abaixo:
Não se esqueça de seguir nosso podcast e interagir em nossas redes sociais: