Todo dia 29 de janeiro é, desde 2004, marcante para a diversidade no Brasil, em especial para o público LGBTQIA+. A data representa o Dia Nacional da Visibilidade Trans, cujo propósito é, entre tantos outros, reforçar a presença e a luta por direitos, respeito e equidade no país que mais mata pessoas trans no mundo – 175 travestis e mulheres transexuais foram assassinadas em 2020, 41% a mais do que em 2019, de acordo com dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
As dificuldades sociais enfrentadas pelo público transgênero se refletem no ambiente de trabalho. O relatório da Antra revela que, para 88% dos entrevistados, as empresas não estão prontas para contratar pessoas trans tampouco para criar um espaço de inclusão e acolhimento. A discriminação e a violência enfrentadas diariamente justificam uma taxa altíssima de evasão escolar por parte dos trans e dos travestis (82%, segundo a OAB) e a consequente falta de oportunidades profissionais, uma vez que atender exigências mínimas impostas pelas organizações se torna um desafio.
“O ambiente educacional é extremamente pouco convidativo a um indivíduo que se autodeclara travesti ou transexual. Poucos conseguem terminar os seus estudos e, consequentemente, não abrem portas profissionalmente falando. Não é à toa que, de acordo com dados recentes, 90% dessa população depende da prostituição para garantir sua sobrevivência ou está em situação de rua. É um cenário que precisa desesperadamente de mudanças e empresas realmente preocupadas com diversidade podem promovê-las”, salienta o advogado trabalhista Marcos Nunes.
Investimento em educação
Diante de dados que mostram que o acesso à educação é um obstáculo para travestis e transexuais, algumas empresas começam a se movimentar não somente para abrir oportunidades de trabalho, como também de estudo. A TIM, por meio do projeto Transforma TIM, se juntou à Ampli, edtech de ensino digital da Kroton para oferecer graduação gratuita à distância para as pessoas aprovadas em um processo seletivo destinado ao público trans. Apenas 0,02% das pessoas trans têm acesso a uma universidade no Brasil, de acordo com dados da Antra.
“Estamos muito felizes em poder, junto à TIM, ajudar a mudar a realidade das pessoas trans ao oferecer educação de qualidade, de forma acessível e flexível, contribuindo para o desenvolvimento profissional e inserção no mercado de trabalho. Essa parceria está em total alinhamento com nosso o propósito de ESG, que é impactar as pessoas por meio da educação para um mundo melhor e com nossos compromissos claros na construção de uma sociedade mais equilibrada e equânime”, declara Leonardo Queiroz, Vice-Presidente de Crescimento da Kroton.
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O Transforma TIM, em sua primeira edição, está com vagas abertas nas lojas e no call center da empresa de telefonia. A consultoria Transcendemos está no comando do processo seletivo. O projeto, segundo Graciela Berlezi, Diretora de Vendas da operadora no Centro-Oeste e no Norte, está em linha com o compromisso da operadora em prol de uma cultura organizacional cada vez mais inclusiva e de uma sociedade livre de preconceitos. “No ano passado, aderimos ao Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ e estamos focados na inclusão e na ampliação de da representatividade de pessoas LGBTI+ no mercado de trabalho. O programa Transforma reflete nossos valores – coragem, respeito e liberdade, que também estão presentes no cotidiano das pessoas trans”.
A pesquisa A Workplace Divided, realizada pela Human Rights Campaign Foundation, revela que 31% dos profissionais LGBTQIA+ em algum momento se sentiram infelizes ou deprimidos no trabalho. Além disso, 75% já esconderam sua orientação sexual ou identidade de gênero em ambiente profissional. Mesmo para quem está alocado no universo corporativo, a luta é diária. Outros dados, desta vez do estudo TransAção, da Antra, mostram que 94,8% das pessoas trans já sofreram algum tipo de violência provocada pela discriminação de gênero e 87,3% destacam que sua principal necessidade é o direito a emprego e renda.
“Diversidade é uma riqueza e não um problema. Devemos olhar para talentos trans como força, como potência. São profissionais que vão trazer novas visões de mundo e diferentes experiências de vida aos times. Precisamos arregaçar as mangas e assumir uma postura ativa na busca e no apoio ao desenvolvimento profissional dessas pessoas candidatas”, afirma Gabriela Augusto, diretora fundadora da Transcendemos.
As inscrições para as vagas da TIM devem ser realizadas até o dia de hoje (31) pelo transformatim.com.br. As contratações serão realizadas em três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Capacitação de mulheres trans e travestis
Não é só a TIM que está investindo na educação de pessoas trans. BASF, Linkedin, Natura e Visa se uniram para promover o programa SOMA (Somos Mais fortes em conjunto). A iniciativa, realizada no segundo semestre de 2021, ofereceu mais de 54 atividades, com treinamentos, consultorias e mentorias, com o objetivo de educar financeiramente e preparar para o mercado de trabalho as mais de 30 mulheres travestis e transexuais que vivem no Centro de Acolhida Especial Casa Florescer, em São Paulo (SP).
Elas participaram de dinâmicas – a maioria virtuais, e receberam conteúdo com o objetivo de impactar a construção de identidade de cada uma e prepará-las para a vida profissional. Dentre as participantes, 76% concluíram o treinamento, segundo a ChatClass, edtech responsável pelo aplicativo que viabilizou a entrega do conteúdo de acordo com o tempo e individualidade de cada pessoa.
Para ampliar o engajamento, foram doados pela BASF smartphones às participantes que não dispunham do aparelho, dado que a ferramenta de ensino funciona por meio de WhatsApp. A Visa também ofereceu um cartão pré-pago com o nome social de cada participante, com saldo proporcional à pontuação acumulada individualmente ao longo da jornada para estimular o aprendizado e promover as lições de educação financeira obtidas durante o projeto.
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“Para mim foi maravilhoso, de extrema importância, muito lindo todo o suporte que o SOMA tem nos dado. Foi uma experiência grandiosa, empresas importantes, levando conhecimento, ensinando a usar ferramentas para sabermos como vender nosso próprio peixe”, afirma Rihanna Borges Barbalho, uma das participantes do projeto. “Tenho muita gratidão e torço para que esta ação não termine, que ela venha a agregar ainda mais em conhecimento e oportunidades. Existem muitas mulheres trans e travestis que não tiveram acesso à educação, mas com toda a ajuda e apoio do pessoal do SOMA, elas foram aderindo e fomos nos ajudando umas às outras. Tenho muito a agradecer por esta abertura de conhecimento, pela conexão, valorização pessoal e por voltar a refletir que nós também fazemos parte da sociedade e do mercado de trabalho”.
Além do Programa SOMA contribuir para a visibilidade das mulheres trans e travestis ao orientá-las para o mercado de trabalho, o apoio psicológico foi considerado outro fator importante. “Além de toda bagagem de conhecimento e estratégias, o curso nos dá uma mentoria emocional. Por exemplo, mesmo após a conclusão, tenho contato com pessoas de diferentes empresas que me dão dicas e até motivação, que, infelizmente, muitas vezes falta”, conta a participante Aliciah Kalloch.
A busca contínua pela melhoria, o senso de comunidade e o trabalho em equipe foram as principais expectativas sinalizadas pelas participantes em relação às características profissionais. No final do processo, 14 currículos foram coletados para contribuir na busca por um novo trabalho. O LinkedIn ofereceu uma oficina de mentoria para construção do perfil na rede e boas práticas para a busca de novas oportunidades.
Compromisso com diversidade & inclusão
A Kraft Heinz, multinacional do ramo de alimentos e detentora das marcas Heinz e Quero no Brasil, implementou uma política de benefícios e diretrizes para colaboradores que estejam no processo de transição de gênero. Com esta novidade, a empresa torna-se uma das companhias pioneiras na oferta desse tipo de ação afirmativa para pessoas trans, reforçando a transformação cultural pelo qual a multinacional vem passando nos últimos dois anos, visando consolidar uma cultura cada vez mais focada nas pessoas. Os benefícios serão oferecidos a todos os colaboradores da KHC na América Latina.
Entre os benefícios para os colaboradores que estiverem em processo de transição de gênero estão: subsídio mensal por um ano para tratamento hormonal e licença remunerada de 20 dias para qualquer caso de transição que envolva realização de cirurgia, além de apoio psicológico via plano de saúde.
A companhia também desenhou diretrizes para um plano de transição de gênero no local de trabalho. Acessibilidade a banheiros e vestiários que correspondem à identidade de gênero do colaborador, alteração de nomes e pronomes em todos os registros pessoais e administrativos, bem como em registros oficiais após a mudança de nome legal, e o direito à privacidade são alguns dos pontos do plano.
“A Kraft Heinz está totalmente comprometida e preparada para apoiar o processo de transição de gênero dos colaboradores. As diretrizes são parte de políticas internas que proíbem a discriminação e o assédio com base na identidade de gênero e expressão de gênero, e refletem nossa filosofia de trabalho de que todos os funcionários devem ser tratados de forma justa, com dignidade e respeito, além de reforçar nosso compromisso com uma cultura inclusiva”, explica Flavia Caroni, VP LATAM de People da Kraft Heinz.
Outro ponto relevante é o encorajamento pela Kraft Heinz do colaborador que esteja passando pela transição, a participar na educação dos colegas de trabalho sobre o processo em qualquer nível em que a pessoa se sentir confortável — mas sem obrigatoriedade, garantindo também a confidencialidade, já que a divulgação só deve ser feita com consentimento da pessoa.
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“Além do apoio às pessoas passando por uma transição de gênero, queremos conscientizar os times da importância dessas mudanças na vida da pessoa, promovendo um ambiente de trabalho diverso e inclusivo. O colaborador em processo de transição tem o direito de ser abertamente quem é, de expressar sua identidade de gênero sem medo, incluindo roupas, documentos, higiene e o uso de novo nome ou pronome de gênero”, ressalta a executiva.
Pessoas trans que queiram cadastrar seus currículos no Banco de Talentos da companhia, poderão fazê-lo por meio de um link exclusivo no LinkedIn da Kraft Heinz, clicando neste link.
Outros projetos acolhem e abrem suas portas para a inclusão
Além das empresas citadas, há no Brasil projetos consolidados que visam promover oportunidades a grupos LGBTQIA+. A TransEmpregos é um deles. Criado em 2013, o site já tem mais de 700 empresas parceiras e se dedica a auxiliar na inserção profissional de pessoas trans e travestis.
Em entrevista à CNN Brasil, a cofundadora da plataforma, Maitê Schneider, esclareceu que o projeto só evoluiu com o passar do anos. Antes, a Transempregos era quem buscava o contato com as empresas. Hoje, no entanto, o caminho se inverteu e são as organizações que a buscam para desenvolver processos seletivos para o público em questão.
Uma das empresas parceiras é a Cobasi, que em 2021 contratou 18 pessoas com apoio da parceria. “Desde que criamos o Comitê de Diversidade & Inclusão, nosso maior objetivo é compreender as particularidades de cada colaborador e conscientizar a todos sobre a importância de um ambiente de trabalho plural e inclusivo. A parceria com o TransEmpregos faz parte dessa iniciativa”, diz a diretora de Gente&Gestão da megaloja pet e de casa e jardim, Ana Luiza Elene.
Outro projeto que merece destaque é o EducaTRANSforma, criado por Noah Scheffel após sua transição de gênero em 2019. Vítima de transfobia, o jovem desenvolveu a iniciativa para levar educação às pessoas trans e travestis e ajudá-las a se recolocar no mercado.
Com o apoio de empresas parceiras, o EducaTRANSforma forma pessoas para atuar no mercado de tecnologia e inovação. As inscrições devem ser feitas pelo link https://educatransforma.com.br/.
Por Bruno Piai