No mês de maio é comemorado o Dia das Mães. A data é emblemática e constante alvo de propaganda, ações de engajamento e homenagens praticadas pelo comércio e empresas para reforçar a importância da maternidade em nossa sociedade.

Entretanto, o tom celebrativo da data também pode vir junto com discussões acerca dos direitos e contextos vividos por essas mulheres, especialmente no mercado de trabalho. Este momento também é propício para trazer à tona o debate sobre como as empresas podem (e devem) repensar suas políticas internas para mitigar a desigualdade de gênero.

Os papéis de gênero e o desequilíbrio na economia do cuidado

Atualmente, a legislação brasileira prevê 120 dias de licença das atividades profissionais para as mães e 5 dias aos pais. Empresas que possuem um regime tributário de lucro real podem fazer a adesão ao Programa Empresa Cidadã, ampliando a licença-maternidade 180 dias e a licença-paternidade para 20 dias.

Não há dúvidas de que esse período é essencial para pessoas com filhos, mas a legislação atual ainda não reflete de maneira efetiva a realidade atual de novas configurações familiares, nem estimula um maior equilíbrio nas responsabilidades de cuidado entre os gêneros.

São tais responsabilidades que têm sido estudadas dentro do conceito chamado “Economia do Cuidado” (definido originalmente como “care economy”, em inglês). Em outras palavras, são as atividades dedicadas à sobrevivência, ao bem-estar e/ou à educação de pessoas, assim como à manutenção do meio em que estão inseridas.

Vale destacar que quando feito internamente, ou no âmbito doméstico, esse tipo de esforço não é remunerado. Já no meio profissional, tende a ser mal pago. Em média, no mundo todo mulheres gastam 4,5 horas do dia fazendo trabalho não remunerado enquanto homens gastam metade desse tempo.

Um estudo promovido pelo Laboratório de Inovação Social Mulheres em Tempos de Pandemia reforça que a economia do cuidado representa um esforço que equivale a 11% do PIB. E, como já é de se imaginar, mulheres e meninas representam quase que a totalidade da força motriz por trás destas atividades, sendo a sobrecarga ainda maior quando olhamos a vivência pela perspectiva racial. De acordo com dados da Oxfam, mulheres são responsáveis por mais de 3/4 do cuidado não remunerado, o que representa globalmente uma dedicação de 12,5 bilhões de horas por dia.

Todos esses dados evidenciam as desigualdades de gênero que existem quando tratamos desse assunto, que também possui reflexos no mercado de trabalho.

Os desafios no mercado de trabalho

Ao olharmos para as estatísticas de carreira para as profissionais com filhos, o cenário é desafiador. Digo isso principalmente por conta de estereótipos enraizados que criam obstáculos significativos para todas as mulheres, seja ela mãe ou não.

Peguemos como exemplo uma pesquisa de Harvard que aborda sobre vieses inconscientes na nossa sociedade. De acordo com o estudo, 76% dos participantes associam homens à carreira e mulheres ao cuidado com a família.

Isso significa que desde cedo as mulheres precisam superar o chamado “viés da maternidade”, que é “a falsa crença de que as mulheres são menos comprometidas com suas carreiras – e ainda menos competentes”, conforme pontuado no livro Faça Acontecer da autora Sheryl Sandberg e mencionado pelo movimento Lean In.

E os reflexos desses estereótipos se tornam ainda mais críticos quando observamos os dados de atração e retenção dentro das organizações. Uma pesquisa recente feita pelo site Trocando Fraldas mostra que 3 em cada 7 mulheres sente medo de perder o seu emprego ao engravidar.

E esse temor realmente se justifica, até porque, 22% delas realmente não conseguem voltar ao mercado após a chegada dos filhos, e 50% das mães acabam demitidas até dois anos após a licença.

Com tudo isso exposto, acredito que ainda há bastante espaço para discutirmos sobre quais políticas públicas e organizacionais podem ser implementadas para reduzir as desigualdades de gênero, acolher novos formatos familiares e estimular uma paternidade mais ativa nessa relação.

Nesse sentido, alguns países e empresas têm encontrado na licença parental um caminho interessante para transformar a cultura interna.

Licença parental

Anualmente o Fórum Econômico Mundial publica o Global Gender Gap Report, um relatório que analisa os índices de igualdade de gênero entre países no mundo. Assim como em anos anteriores, a Islândia ficou na liderança do ranking.

Um elemento curioso sobre o país é seu sistema de licença parental. Em 2000, foi introduzida uma nova legislação, estabelecendo um período de nove meses que precisa ser compartilhado pelo casal considerando o seguinte cálculo: três meses deverão ser retirados obrigatoriamente pela mãe, 3 meses deverão ser retirados obrigatoriamente pelo pai e os meses restantes podem ser divididos entre o casal, da maneira que eles preferirem.

Com isso, houve um crescimento no número de homens que passam a sair de licença para cuidar dos filhos, o que pode contribuir para a redução dos estereótipos e uma melhoria nos índices de igualdade de gênero.

Apesar da legislação brasileira estar muito distante deste modelo, algumas empresas têm adotado a licença parental como um diferencial competitivo, usando o benefício como parte do seu programa de diversidade e um fator de atração e retenção de talentos.

O Grupo Boticário, por exemplo, implementou a Licença Parental Universal para colaboradores mães (cis ou trans) e pais (cis ou trans), seja em casos de gestação, não-gestação ou adoção. Ela funciona com as seguinte premissas:

  • Pessoa gestante tem um período de licença de 6 meses;
  • Pessoa não-gestante ou pessoa que passou por um processo de adoção tem um período de licença que pode ser de 4 a 6 meses, variando se:
    • Mães (cis e trans) não-gestantes ou que passaram por processo de adoção possuem prazo de 6 meses de licença;
    • Pais (cis e trans) não-gestantes ou que passaram por processo de adoção possuem uma licença de 4 meses;

Todos os prazos independem de orientação sexual e configuração familiar, apresentando um modelo inovador e em linha com as discussões existentes na sociedade.

Iniciativas similares também foram adotadas por empresas como Nubank e a Zoop. Ambas foram, inclusive, vencedoras do Prêmio Diversidade em Prática 2022 pelo resultado e impacto obtido com este projeto.

Ou seja, apesar dos inúmeros desafios, existem caminhos possíveis e inspiradores para as pessoas, governos e empresas fazerem a diferença e criarem espaços mais inclusivos, permitindo assim que as mães encontrem o reconhecimento que de fato merecem.

Está na hora das empresas pensarem em licença parental

Por Thalita Gelenske, fundadora da Blend Edu, especializada em diversidade e inclusão do Brasil. Com mais de 12 anos de experiência na área de gestão da diversidade e cultura organizacional, é referência nas temáticas de gestão estratégica de pessoas e gestão de projetos sociais.

 

Ouça o episódio 125 do RHPraVocê Cast, “A trajetória da primeira executiva trans do Brasil“. Quando decidiu contar à empresa que se reconhecia como mulher trans, Danielle Torres foi para a conversa preparada para pedir demissão. Achava que com a afirmação de #gênero não teria mais espaço. Mas não apenas recebeu apoio institucional para as mudanças, como também foi convidada, mais tarde, a fazer parte do quadro societário em uma das maiores empresas de auditoria e consultoria do mundo, a #KPMG. Em seu recente livro “Sou Danielle“, ela conta essa jornada até aqui. Neste episódio, o CEO do Grupo TopRH, Daniel Consani, e a editora do RH Pra Você, Gabriela Ferigato, conversaram com Danielle sobre sua trajetória, seu livro e o papel do RH, e das lideranças, na #diversidade e inclusão. Acompanhe clicando no app abaixo:

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Capa: Depositphotos