Em uma conversa sobre sustentabilidade, as pessoas citam exemplos de iniciativas de impacto positivo no desenvolvimento sustentável sem demora (reciclagem, renováveis, biodegradáveis, direitos humanos). Agora, reflita por um instante. E quando surge a pergunta sobre os impactos socioambientais negativos que são gerados pelas atividades das empresas onde elas atuam? Estão sendo mitigados? E os impactos negativos potenciais?

Uma iniciativa que trata de resíduos poluentes é percebida como um impacto positivo ou como um impacto negativo? E com qual indicador de desempenho é medido? Em outro tema ESG, como controlar a qualidade do trabalho nos fornecedores? 

Segundo a KPMG (2023), à medida que tem se intensificado a atenção à performance ESG das empresas, tem aumentado a adesão delas à padronização global de Relatórios de Sustentabilidade [Sustainability Reporting].

Nesses relatórios, as empresas divulgam suas estratégias e iniciativas ESG, adotando uma priorização de temas/tópicos materiais e dos impactos (mais significativos) que suas atividades geram no meio ambiente, na sociedade e na economia. Mas as pessoas sabem como/qual(is) critério(s) de priorização? Como lidar tanto com os interesses dos acionistas (valor das ações) como os interesses socioambientais dos demais stakeholders?

Michael Porter provocou a discussão do ‘valor compartilhado’ [shared value] pelo qual a criação do valor econômico deve ser concomitante com a criação de valor para a sociedade. Em ESG, os modelos de negócios precisam ser compatíveis e contribuir (legitimamente) com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 

O artigo de Yoon, na HBR de fevereiro de 2024, reforçou que os investimentos ESG não serão reduzidos, apesar de persistirem certas críticas nos EUA de que os gestores não podem deixar de colocar os interesses dos acionistas em primeiro lugar (dever fiduciário). A Mckinsey (2023) também destaca a importância de as empresas divulgarem seus empreendimentos ESG com transparência e proativamente.

Enquanto isso, em 2024-2025, o CRSD [Corporate Sustainability Reporting Directive] com o EFRAG [European Financial Reporting Advisory Group] visam a garantia das práticas de Reporting com transparência e conformidade com as normas e padrões europeias do ESRS [European Sustainability Reporting Standards].

ESG futuro do trabalho

Informam ser mandatória a aplicação da análise de Dupla-Materialidade(i) que abarca tanto a perspectiva do interesse dos acionistas como a perspectiva dos demais stakeholders afetados. 

Nesse interim, como se posicionam os colaboradores? Eles são tanto ‘internos’ nas empresas, como estão entre os ‘outros stakeholders’ na sociedade. Eles precisam defender a noção de que iniciativas positivas em ESG ‘não compensam’ as negativas. Inclusive para se evitar que a divulgação de impactos positivos nos relatórios de sustentabilidade ofusque a dos impactos negativos, como no caso da empresa que “opta por ignorar a poluição que gera, mas discursa que promove ações de caridade” (Gray, 1995). Logo, no combate aos ‘efeitos colaterais – greewashing.  

A noção da Dupla-Materialidade dá voz bottom-up aos colaboradores e aos demais stakeholders.

A noção da ‘Dupla-Materialidade’ reúne as duas perspectivas para a priorização dos temas/tópicos em sustentabilidade a serem tratados: a materialidade financeira [financial materiality] e a materialidade de impacto [impact materiality].

Por esse conceito, as decisões de estratégias ESG não ficam centradas apenas na perspectiva financeira da própria empresa (lucratividade / retorno e prevenção de riscos financeiros / reputacionais – o valor criado aos acionistas), uma vez que a materialidade de impacto tem foco no valor que é gerado para o meio-ambiente e para a sociedade (na perspectiva de como são afetados). 

O movimento ESRS para o processo do Sustainability Reporting tem interoperabilidade com os padrões/normas da instituição GRI [Global Reporting Initiatives] que adota essa perspectiva de materialidade de impacto e tem uma trajetória de 25 anos. Há apoio por parte de investidores que querem as informações dos ‘Impactos’ materiais socioambientais(ii).

No Brasil, os colaboradores das empresas conhecem seu papel nessa análise de dupla-materialidade (na análise de materialidade de impacto) como voz “bottom-up” para informarem (revelarem) os impactos ESG significativos gerados pelas empresas onde atuam?

Os treinamentos explicam que os meios de consultas como surveys independentes (direcionadas aos diversos stakeholders), entrevistas e reuniões que eles participam têm esse objetivo chave de viabilizar que os impactos sejam trazidos à tona (para serem priorizados segundo padrões/normas internacionais como escala e escopo: severidade e probabilidade etc.)? 

Paralelamente, tal como um processo orçamentário envolve muitas áreas e níveis (para defenderem suas verbas para o ano seguinte, dado que os recursos são limitados…), muitos colaboradores passam a lidar com fluxo das informações para os indicadores de sustentabilidade que estão em desenvolvimento.

O escopo dos treinamentos ESG se congrega aos de governança e compliance. A KPMG reforçou que além de temas ambientais como a mudança climática, a economia circular e poluição, biodiversidade e outros, segue a atenção aos “Desafios sociais como o tratamento dos trabalhadores, dentro da própria organização e em toda sua cadeia de valor”.

Não obstante, o ILO International Labor Organization requer a atenção dos trabalhadores e empregadores para a agenda 2030 do trabalho decente [decent work] como caminho para redução da pobreza. Além de tópicos como a carga horária, não-assédio e não-discriminação e outros, já está aberta a discussão sobre como as empresas lidarão com a transição dos trabalhadores para a economia de baixo carbono. 

Segundo ESGInvestor, há uma tendência de incorporação do assunto de medições ESG e/em relatórios de sustentabilidade na Cultura das empresas e nos processos seletivos, destacando que os millenials e a geração Z estão mais preocupados com o desenvolvimento sustentável que seus pais e avós. 

Quando se fala de métricas e dos indicadores de ESG, o movimento global também reafirma a necessidade de uniformidade global, evitando as duplicidades. Em janeiro de 2024, a IFRS(iii) divulgou a interoperabilidade no tópico/tema de emissões GEE (gás de efeito estufa), entre as normas IFRS S2 e GRI 305.

Afinal, Ruiz-Blanco e colegas (2022) identificaram que as empresas que seguem a padronização global para seus relatórios tendem a praticar menos ‘lavagem’. O que endossa os esforços de acordos de cooperação entre o regulatório e o caráter voluntário.

Legenda:

(i) https://bit.ly/3Qhdrvq
(ii) https://bit.ly/3UzYXcE
(iii) https://bit.ly/4a0iG9H

A Dupla-Materialidade ESG se propaga e chega(rá) aquiPor Samantha Broman, Professora do Instituto COPPEAD de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ), na área de Comportamento Organizacional / Liderança / Gestão de Pessoas. Em ESG é GRI Certified Sustainability Professional, pela GRIAcademy como Nominated Trainer COPPEAD e leciona na ênfase ESG do MBA executivo. Coordena cursos executivos.

 

Ouça o PodCast RHPraVocê Cast, episódio 101, “ESG está na moda, mas como tratá-lo para além do modismo?”. Os últimos anos foram marcados por um movimento intenso no interesse e nas demandas de adequação às práticas de ESG — sigla do termo em inglês Environmental, Social and Governance – ou Ambiental, Social e Governança (ASG — em português). A sigla segue cobiçada no universo corporativo e a corrida para abraçar o conceito já começou. Mas como olhar além do óbvio? Quão madura estão as empresas? O que é necessário para ser um especialista em ESG? De que especialista estamos falando? E qual o papel e responsabilidade do RH diante de tudo isso? No episódio de hoje, o CEO Grupo TopRH, Daniel Consani, e a editora do RH Pra Você, Gabriela Ferigato, conversaram com Hugo Bethlem, Chief Purpose Officer (CPO) da Bravo GRC e Presidente do Conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB). Clique no app abaixo:

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