Fazer com que a sua rotina de trabalho seja conduzida por atividades que, de fato, agreguem valor, se tornou um dos grandes desafios do líder moderno. É o que diz um levantamento recente da consultoria empresarial Betania Tanure Associados, que identificou que as lideranças têm muito o que trabalhar para potencializar o processo de gestão de pessoas no pós-pandemia.
Segundo o estudo, a liderança atual se vê presa em ações que pouco contribuem para que seu papel principal seja desempenhado. Enquanto em 2019, ainda sem o novo coronavírus, o líder perdia 38% de seu tempo com demandas como e-mails, mensagens, reuniões – muitas delas, de acordo com os próprios, desnecessárias -, burocracias e também “politicagem corporativa”, em 2022 o índice chegou aos 61%. Ou seja, o líder não consegue dedicar nem mesmo 40% de seu tempo para liderar.
Quando perguntados a respeito dos fatores em específico que causaram tais mudanças, 66% dos executivos não titubearam em dizer que o tempo utilizado para responder os e-mails e as mensagens em aplicativos como o WhatsApp é o grande vilão da produtividade. 61% culparam atividades burocráticas e 27% dos 200 respondentes citaram os “jogos políticos” como o terceiro maior problema.
Não à toa, ao serem questionados sobre quais são os maiores desafios profissionais enfrentados, os líderes participantes do estudo responderam, em sua maioria, a gestão do tempo (24%). Gestão de pessoas (18%), equilíbrio entre vida pessoal e profissional (17%), gestão do negócio (14%) e desenvolvimento da própria carreira (10%) completam o top 5. Gestão das novas tecnologias (8%) e gestão de processos (6%) também estão entre os principais desafios citados pelas lideranças.
Por que se tornou tão difícil gerir o tempo?
Na visão do Sócio e Managing Partner da Olivia Brasil, Reynaldo Naves, é importante ter cautela referente ao entendimento do que é “agregar valor”. O executivo pontua que, com o passar dos anos, o papel do líder vem passando por mudanças radicais guiadas pelo contexto de conectividade e valor percebido por todos os indivíduos no trabalho.
“A questão mais relevante no momento – que a pandemia apenas escancarou – é que o líder deixa grande parte do seu papel de execução e passa a atuar como exemplo de comportamento e cultura organizacional, para então dar sentido à conexão da estratégia e o quanto cada membro de sua equipe contribui para isso”, diz.
Portanto, de acordo com Naves, fatores como as burocracias, as reuniões e os e-mails integram as habilidades de comunicação do líder e sua capacidade de definir onde cada um deve estar e, muitas vezes, o líder não está preparado para isso. “Antes ele, líder, já tinha estas limitações e o contexto apenas reforçou isso. E como este nível de organização está despreparado, o volume de ‘burocracias’ aumentou”.
Gustavo Favaron, CEO do GRI Group, corrobora que os líderes precisam se preparar melhor para os desafios atuais do mercado de trabalho. Contudo, segundo ele, tal ênfase ainda faz mais sentido em uma rotina “tradicional” dentro das empresas, ou seja, a dinâmica construída ao longo do pré-pandemia. Com o crescimento do home office e do modelo híbrido, a burocratização ganha força e aumenta os obstáculos para o líder gerir melhor o tempo e as pessoas.
“Quando há um modelo híbrido ou remoto, por vezes tem sido claro que as capacidades de se comunicar, se conectar e se relacionar com as pessoas diminuem. Se o líder tem um modo menos presente e menos intimista de conduzir o seu dia a dia, acaba sendo necessário criar maneiras de se trabalhar em aspectos mais engessados para que a mensagem transmitida chegue sem ruídos à equipe. Isso, entre outras coisas, aumenta a documentação. Se por um lado é possível ganhar tempo no trabalho a distância por não enfrentar, por exemplo, o trânsito, por outro o tempo ganho é usado com ineficiência”, pontua.
Segundo Juliana Alencar, CEO e Fundadora da W.G. Weird Garage, os novos modelos de trabalho apontados por Favaron não podem, de fato, ser ignorados ao se falar da maior complexidade para promover uma gestão efetiva de tempo. Para melhorar a gestão do tempo, ela traz algumas recomendações:
- Comunicação: Se comunicar de forma a permitir que a mensagem seja clara, objetiva e rapidamente entendida por todos;
- Organização nos processos e rituais de acompanhamento: Um líder que não possui rituais de acompanhamento com o time e one to one individuais não ajuda a eliminar, com agilidade, possíveis barreiras prejudiciais ao avanço dos projetos;
- Tecnologia na gestão: A tecnologia te permitirá gerir times de alta performance de forma inteligente, escalável, sustentável e consistente. Se você não utiliza a tecnologia para acompanhar os avanços de indicadores, prazos e alinhamento das informações em massa de forma assíncrona, provavelmente não está performando o quanto poderia;
- Indicadores: Listas de pendências zeradas não querem dizer conquistas de resultados. Crie indicadores de sucesso, os tenha como guias nas reuniões e fomente a discussão de planos de ação que direcionem ao que realmente importa, sem isso, a chance do seu time tomar todo o tempo da semana avançando ações que não trarão resultados para a empresa é enorme.
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Dificuldades chegam aos colaboradores
Não são apenas os líderes que precisam de uma reeducação. Muitos colaboradores se sentem mais produtivos em casa, mas não é incomum que tal upgrade na produtividade venha acompanhado de uma rotina mais pesada de trabalho.
Feita com mais de 8 mil colaboradores de grandes empresas, uma análise da Fhinck mostra bem tal cenário. O relatório identificou que o brasileiro chega a trabalhar até 60 horas por semana por conta da jornada a distância. Os dados coletados entre junho de 2020 e maio de 2022 revelam, inclusive, que a quantidade de reuniões aumentou em 20% no período, mesma porcentagem de aumento da comunicação escrita (e-mails, mensagens em apps e softwares, entre outros).
Nesse sentido, Vinicius Soares Lassandro, conselheiro TrendsInnovation certificado pela Inova Business School, esclarece que o líder tem a missão de revisitar as atividades de controle e de gestão atuais para, literalmente, “liberar espaço na agenda”.
“Ele deve questionar: O que eu não preciso mais fazer? O que não é mais necessário ou o que pode ser feito de forma diferente, ágil, célere? Quem pode me ajudar a fazer isso? Nessa esteira, o líder deverá delegar aquilo que pode ser delegado, questionar os modelos que causam interferência na gestão do dia a dia, rever a quantidade versus qualidade das reuniões e propor soluções em conjunto, inclusive validadas com o seu time, a fim de otimizar não só o seu tempo, mas o de todos”, explica.
Favaron, por sua vez, atenta para o fato de que é preciso haver o cuidado para que o profissional em home office não seja apenas um “cumpridor de tarefas”. O executivo ressalta que a criatividade, a participação e o relacionamento são fundamentais para o desenvolvimento, para o aprendizado e para o crescimento das pessoas. Tais aspectos por vezes são deixados de lado na rotina dinâmica.
“Na medida que você vira uma pessoa cumpridora de tarefas, quanto mais rápido completá-las, mais tarefas serão alocadas dentro do modo de produção capitalista. Se eu pudesse dar um conselho para um jovem hoje de 20, 25 anos de idade, sobre carreira, eu diria: trabalhe numa empresa que acredite na importância do relacionamento pessoal.”
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Habilidades a serem desenvolvidas
Ao mesmo tempo que o líder sofre para gerir pessoas e gerir o seu tempo, o mercado cobra que novas habilidades sejam rapidamente desenvolvidas – principalmente as chamadas soft skills, habilidades comportamentais como comunicação, empatia, etc.
Para Reynaldo Naves, é crucial que as organizações entendam a importância de qualificar tanto os líderes atuais quanto os futuros. Por mais que o desenvolvimento da própria carreira esteja entre os cinco maiores desafios citados pelos profissionais da liderança, é papel da gestão identificar o quanto o tempo mal gasto só tende a prejudicar o ecossistema do negócio como um todo, assim se planejando estrategicamente para rever ações.
“Acreditamos dentro da Olivia que não são as organizações que mudam, mas sim as pessoas. Os líderes têm a missão de dar o primeiro exemplo. O desenvolvimento de novas competências também passa por uma transformação, pois as organizações devem promover não somente o desenvolvimento individual, mas também coletivo, até porque os contexto de inovação e colaboração vão requerer isso. Portanto, este processo deve envolver desde novos espaços de troca e aprendizado coletivo, como também experiências inovadoras e transformadoras que permitam vivenciar essas novas habilidades”, compartilha.
Lassandro acrescenta que dentro do mundo BANI (sigla que, em português, remete a frágil, ansioso, não linear e incompreensível), conceito que para ele é uma evolução do “não tão passado VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo)”, a resiliência é uma das principais características a serem desenvolvidas pelo líder moderno, assim como a empatia.
“Saber lidar com as incertezas é a única certeza que o líder pode ter. Além de empatia e resiliência, e inclusive para saber como usá-las em seu melhor momento, cabe ao novo líder ter ou desenvolver a sua inteligência emocional”, destaca.
Por fim, Liris Gonçalves, Mentora de Executivos, recorda que a execução de estratégias e de um trabalho de qualidade – e com tempo melhor gerido – por parte dos líderes passa, primeiramente, por gostar de pessoas e, em seguida, se conectar com elas.
“O papel do líder não é executar pelos liderados: é fazer com que os outros façam com qualidade e paixão. E para garantir a execução com qualidade, é fundamental gostar de pessoas. Parece óbvio, mas não é na realidade. Excelentes técnicos viram líderes e não sabem/gostam de liderar. Líderes precisam entender de gente: conhecer o que motiva sua equipe, o que desmotiva, precisa saber escutar de forma ativa e genuína, falar menos do que escutar, dar peso e sentido a cada palavra dita, ser um exemplo inspirador e coerente que faz o que prega e prega o que faz”, conclui.
Por Bruno Piai