Com o avanço da vacinação no Brasil – até a data de ontem (4), 49% dos brasileiros já receberam pelo menos a primeira dose das vacinas, segundo dados divulgados pelo consórcio dos veículos de imprensa -, a retomada aos escritórios voltou com força à pauta das organizações. Mas será que é vantajoso, neste momento, promover o retorno ao trabalho presencial?
De acordo com Eduardo Cabrera, CEO da Mazars no Brasil, empresa de auditoria, é importante que os gestores tenham em mente que a volta aos escritórios terá uma rotina diferente da pré-pandemia. “A retomada não será no modelo como a empresa era antes. Já estamos diferentes. Essa pandemia trouxe a quebra de paradigmas, como o trabalho remoto”, diz.
Para a especialista em recrutamento & seleção e departamento pessoal, Célia Lourenço, o grande “choque” da retomada será notado na cultura organizacional, uma vez que a pandemia não somente fez com que os profissionais experimentassem diferentes modelos de trabalho, como também os adaptou a eles.
“Por mais que seja do contratante a decisão sobre retomar ou não, é preciso pensar: será que as pessoas querem voltar para os escritórios? Para um colaborador que manteve uma boa performance mesmo a distância, o retorno pode ser muito frustrante. Ele sairá de uma rotina ‘facilitada’, no sentido de ter flexibilidade no home office ou no anywhere office, para voltar ao dia a dia regrado de escritório, de trânsito ou superlotação de transporte na ida e na volta e de mau tempo ou outros imprevistos. Ele mantém o seu horário profissional, mas sai perdendo no aspecto pessoal. Os gestores vão precisar lidar com essa frustração, que certamente será evidente por parte de alguns empregados”, afirma.
Célia destaca que os gestores vão precisar ter jogo de cintura e estratégias para engajar quem não estiver satisfeito com a retomada. Embora muitos profissionais prefiram voltar ao trabalho presencial nas empresas, a regra não vale para todos e, por consequência, pode ser necessário não abrir mão da flexibilidade para que não se perca produtividade.
“Vamos usar como exemplo alguma empresa que não tenha identificado quedas no rendimento de seu time de trabalho. Será que não vale a pena dar a liberdade do seu funcionário escolher se ele quer trabalhar no escritório, em casa ou em outro lugar? A discussão, hoje, está na adaptação plena ao ‘novo normal’, portanto não é vantajoso forçar a implementação do ‘antigo normal’. A pandemia promoveu uma verdadeira ruptura ao mercado de trabalho. Para ser competitivo, um negócio deve transformar essa ruptura em oportunidade e não caminhar para trás”, destaca a especialista.
No caso da Mazars, por exemplo, Cabrera salienta que o pós-pandemia deve ser conduzido na empresa pelo modelo híbrido. “Nós adotamos essa metodologia, investimos em mais ferramentas e treinamentos e vamos retomar os nossos negócios com o modelo híbrido. Ainda não sabemos o percentual, mas estimamos algo próximo de 50 a 60% do pessoal no escritório e o resto em casa; porém, todos irão de tempos em tempos ao escritório, justamente para não perdermos uma coisa muito importante: a cultura da empresa”.
Quem experimentou o trabalho a distância deseja voltar aos escritórios?
Se for levada em consideração uma pesquisa realizada pela Korn Ferry, consultoria organizacional global, em abril deste ano, a resposta é não. O levantamento feito com 581 profissionais revela que, para 70% deles, será “estranho” e “difícil” voltar ao dia a dia presencial. Os respondentes enfatizaram que o modelo híbrido é o “novo normal”.
Ainda segundo o estudo, 55% dos participantes afirmaram que a ideia de voltar ao escritório lhes causam sentimento de estresse. Não à toa, 49% alegaram que recusariam uma oferta de emprego que não ofereça a possibilidade de trabalhar ao menos alguns dias da semana em casa.
Apesar disso, as empresas ainda demonstram preocupação com sua cultura. Por mais que se identifique semelhança ou melhora na performance a distância em relação à presencial, o hibridismo ainda gera cautela. “A questão da cultura organizacional, cada vez mais, é uma grande preocupação: afinal, ela não se transmite à distância, é pela convivência, com a observação dos seus modelos de negócios; é a comunicação interna da empresa que traz toda a cultura. Será o grande desafio do empresário e do RH, que já era importante, mas hoje tem um papel fundamental, para não perder a cultura e continuar disseminando-a”, salienta Cabrera.
A pesquisa da Korn Ferry mostra, também, que para 74% dos entrevistados trabalhar em casa aumenta a energia e fortalece a concentração. Além disso, um detalhe que chama a atenção é que 50% disseram que tendem a se vestir mais casualmente na volta aos escritórios. Ou seja, até mesmo o dress code pode ser impactado pelo ‘novo normal’.
Infraestrutura também será diferente
A KPMG realizou um levantamento analisando os quatro padrões de retomada dos 40 principais setores da economia brasileira após um ano do início da pandemia da Covid-19. Segundo o estudo, que conta com dados do primeiro trimestre de 2021, o setor de Infraestrutura está seguindo padrões distintos de retomada. Os segmentos de aeroportos e aviação estão na etapa “reiniciar”, em função da queda na receita de passageiros e cargas. Os segmentos de rodovias e transporte urbano de passageiros estão na etapa “retorno ao normal”, em razão da queda na demanda. Já o segmento de transporte de cargas e construção civil estão na fase de “crescimento”, com o aquecimento destes mercados.
“Observamos que o segmento de construção civil focado em edificações se recuperou principalmente em função das baixas taxas de juros. Famílias estão preferindo investir sua poupança na troca da residência ou em fundos imobiliários. Por isso, há recorde de lançamentos imobiliários e elevado número de empresas considerando e fazendo abertura de capital, afirma André Marinho, sócio-líder do setor de Infraestrutura da KPMG no Brasil.
De acordo com o conteúdo, o setor de Infraestrutura tem a seguinte configuração na nova realidade:
– Mudança de hábito: clientes irão procurar a flexibilização das plataformas imobiliárias para mitigar incertezas, com demanda por novos designs que incluam soluções de workspace digitais, flexíveis e voltadas para a saúde.
– Maior alocação de capital do consumidor em ativos reais, como reação a um ambiente de juros baixos, risco de inflação e, consequentemente, incerteza de rendimentos.
– Transporte de passageiros: maior integração entre transportes público, privados e micromobilidade.
– ESG: transição para veículos e combustíveis de baixa emissão e aumento da infraestrutura para eles.
E como fica para o RH?
Do mesmo modo que líderes e RHs devem se preocupar com a saúde ocupacional e os índices de readaptação e satisfação com a retomada, será igualmente necessário se atentar à saúde emocional dos colaboradores. Apesar da vacinação, os números de casos e mortes ainda são considerados altos. Além disso, mesmo quem estiver vacinado corre o risco de contrair e repassar a Covid-19, o que faz com que muitas pessoas ainda não se sintam seguras para voltar ao ritmo presencial.
“Percebemos a piora da saúde mental das pessoas com o decorrer da pandemia. Elas estão cansadas e desanimadas com o que estamos vivendo. Nós oferecemos ajuda psicológica aos colaboradores, continuamos com os eventos, mas fizemos de forma online. O que diferencia as organizações é a forma como ela trata o profissional, para que ele se sinta acolhido e ao mesmo tempo desafiado, para que ele continue crescendo na carreira”, ressalta o executivo da Mazars.
Já para Célia, assim como a cultura organizacional, o RH vai precisar ter equilíbrio para lidar com novas situações que tendem a surgir. Em empresas que não puderam ou não optaram pela implementação de 100% do time em home office, é possível que a retomada proporcione um “ritmo diferente” aos colaboradores.
“Quem seguiu durante toda a pandemia trabalhando presencialmente talvez tenha notado como maior diferença em sua rotina os cuidados com a saúde. O uso de máscara, de álcool em gel, etc. Para essas pessoas as empresas precisaram ter um cuidado ainda mais próximo em relação à saúde mental. Eu não atuo integralmente em home office, então sinto como a rotina presencial pode ser assustadora. E quem sair de casa para voltar ao escritório vai experimentar uma situação de risco que, para quem seguiu o isolamento social, há tempos não é vivida. O medo vai existir, assim como a ansiedade ou até mesmo o pânico. Os RHs terão que fazer um trabalho extremamente voltado a cada indivíduo e às diferentes situações”, diz.
Outro desafio a ser enfrentado é a atração e a retenção de colaboradores. Como o levantamento da Korn Force mostra, o hibridismo tende a ser um fator de competitividade, uma vez que empresas que não oferecerem dias de trabalho remoto tendem a perder talentos para aquelas que o fizerem.
“Reforçando, se a empresa faz tanta questão de retomar mesmo com a pandemia ainda forte, é porque ela não está satisfeita com o trabalho remoto. Ela pode ter identificado que a produtividade caiu, pode notar que sua cultura organizacional se perdeu, etc. Mas se ao colaborador não for apresentada uma justificativa plausível, ele vai buscar outras oportunidades. Ninguém mais quer perder horas se locomovendo ao trabalho ou de volta para casa se não for necessário para sua rotina fluir e a empresa prosperar. É uma dificuldade a mais que o RH e as lideranças vão enfrentar”, finaliza a especialista.
Por Bruno Piai