Em junho de 2022, a Organização Mundial da Saúde divulgou seu principal relatório sobre saúde mental desde a virada do século. De acordo com a revisão, os transtornos mentais representam a principal causa de incapacidade no mundo.
O estudo da entidade revela que, em 2019 – antes da pandemia da Covid-19 – cerca de 1 bilhão de pessoas viviam com alguma enfermidade psicológica. Não é à toa que, segundo a OMS, a Associação Brasileira de Psiquiatria e Vital Strategies, o mundo enfrenta uma nova pandemia, desta vez de saúde mental.
Nos últimos anos, houve um crescente reconhecimento do papel que a saúde emocional desempenha na consecução dos objetivos globais de desenvolvimento, o que foi ressaltado pela inclusão da saúde mental nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Pessoas com condições graves de saúde mental morrem prematuramente – até duas décadas antes – devido a condições físicas evitáveis.
De acordo com a psicóloga Shana Wajntraub, CEO da Eleve Consulting, qualquer indivíduo pode se sentir triste, ansioso ou desmotivado. Contudo, o desenvolvimento de uma doença mental se configura pela durabilidade do quadro e pelo impacto no bem-estar, na autoimagem, no relacionamento e nos hábitos diários.
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Afastamentos aumentam
Entre os anos de 2015 e 2020, o aumento no número de profissionais afastados do trabalho por conta das doenças mentais no Brasil foi substancial. Enquanto no primeiro ano de análise as enfermidades justificaram 170.830 afastamentos, cinco anos depois o índice chegou a 289.677 trabalhadores. Os dados são do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Em 2021, segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, os transtornos mentais chegaram ao pódio e foram a terceira maior motivação de afastamentos – segunda, se relacionadas as doenças emocionais com transtornos osteomusculares.
Para Karine Cavalcanti, especialista em Recrutamento & Seleção e sócia fundadora da Conceito 3W, mais do que nunca o RH e as lideranças precisam se atentar à saúde mental dos colaboradores, mapeando e corrigindo situações que possam levar a quadros mais graves.
Por mais que cada vez mais organizações busquem ações para oferecer segurança emocional, os casos de doenças psicológicas continuam aumentando. O panorama deixa claro que os cuidados com a saúde mental não são, naturalmente, uma responsabilidade exclusiva do mercado, mas que a falta deles por parte das empresas pode desencadear números ainda maiores.
“Em muitas empresas a área de RH ainda é vista como uma área operacional e que trabalha de forma reativa. Ou seja, atuando em demandas e problemas que acontecem no dia a dia. Mas a verdade é que a área de RH se transformou em Gente e Gestão (ou Pessoas e Cultura) exatamente para poder trabalhar de uma maneira preventiva e proativa”, salienta Karine.
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Necessidade por ações
Os 194 Estados Membros da OMS assinaram o Plano de Ação Integral de Saúde Mental 2013-2030, um conjunto de iniciativas para tratar, conscientizar sobre e prevenir doenças mentais. A avaliação, no entanto, é que apesar do assunto estar em evidência, as ações ainda caminham em ritmo lento, com os cuidados à saúde mental sendo negligenciados e estigmatizados.
Se os governos ainda pecam no trato à questão, o panorama não é diferente dentro das organizações. No Brasil, pesquisa da Vittude em parceria com a Opinion Box revelou que, para 70% dos trabalhadores, as empresas não sabem lidar com a saúde mental.
Ainda de acordo com o estudo, 61% dos brasileiros manifestaram que o estresse no trabalho já prejudicou seu bem-estar emocional e 72% alegaram que gostariam de trabalhar em uma companhia que, de fato, se preocupa com o emocional dos empregados.
Na visão de Joana Coelho, neurocientista e consultora da Nêmesis, é importante que os RHs tenham participação ativa na reconfiguração da cultura organizacional do negócio, visando rever modelos de trabalho e gestão, e mudar práticas que possam ser a fonte de altas cargas de estresse para os colaboradores.
Além disso, para ela, é fundamental que os Recursos Humanos sejam capazes de monitorar a saúde emocional dos colaboradores. Por mais que métricas e indicadores auxiliem, é necessário também que haja escuta ativa. Joana destaca, ainda, a importância da liderança se envolver nas ações, mas desde que esteja saudável e pronta para o desafio.
“Na rotina, a liderança é quem está mais próximo dos colaboradores. Apesar de não ser uma responsabilidade do gestor cuidar de aspectos ligados à saúde mental, a liderança deve ser capaz de identificar elementos estressores, promover a escuta ativa e incentivar a segurança psicológica, além de ser um importante exemplo em busca da mudança. Mas lembre-se: os gestores também devem estar com sua saúde emocional em dia. Esses profissionais lidam com uma alta pressão, interna e externa, e precisam ter assistência para aderir a práticas que irão auxiliar no controle de seus níveis de estresse e para lidar com casos de saúde mental dentro de suas equipes”, pontua.
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Como as empresas devem agir?
Ricardo Pacheco, presidente da Oncare Saúde, recorda que as organizações que negligenciam o assunto sofrem, além dos afastamentos, com altos índices de absenteísmo, queda na produtividade, desmotivação de colaboradores e, consequentemente, com prejuízos econômicos e à imagem da marca. O especialista enfatiza que o papel do mercado cresce à medida que os brasileiros não têm o acesso ideal a tratamentos.
“O acesso aos serviços de saúde mental é um desafio no Brasil, especialmente nas áreas rurais e remotas do país. Como muitas pessoas não têm acesso a profissionais de saúde psicológica qualificados ou enfrentam estigmas e preconceitos em relação à saúde mental, o serviço de saúde nas empresas acaba sendo a única forma de parte dos brasileiros obterem o diagnóstico e tratamento adequado”, comenta.
Karine Cavalcanti orienta que as empresas que invistam em três frentes para desempenhar ações efetivas em prol da saúde mental: oferecer benefícios de saúde, preparar e humanizar o RH e as lideranças, e educar os times sobre produtividade, mudando crenças como a de que ficar 12 horas na frente do computador significa alto desempenho.
“Enquanto existem empresas que estão olhando para benefícios voltados para o entretenimento e outras coisas, alinhar o pacote de benefícios de uma empresa ao bem-estar mostra que existe uma cultura que foca em saúde, algo muito valorizado hoje pelos colaboradores”, sugere.
Por fim, segundo o psicólogo Filipe Colombini, CEO da Equipe AT, gestores, líderes e RHs devem cultivar a transparência, incentivar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e, também, praticar o acolhimento.
“Não existe uma única forma de criar segurança psicológica no ambiente de trabalho, e as organizações, com a ajuda do setor de Recursos Humanos, programas de saúde mental e gestão de pessoas, podem eliminar a cultura tóxica”, diz.
Capa: Via Depositphotos
Por Bruno Piai