A análise da evolução anual do registro de denúncias corporativas pela ICTS Protiviti, consultoria de gestão de riscos e compliance, teve em 2020 sua atenção voltada ao comportamento ético dos colaboradores em tempos de home office e distanciamento social promovidos pela pandemia da Covid-19. A pesquisa aponta que o teletrabalho reduziu as denúncias, mas este cenário foi temporário.
O levantamento, baseado em 106 mil registros feitos nos canais de denúncias de 347 empresas de diferentes portes e segmentos, constatou uma redução de 22,7% nas denúncias durante o segundo trimestre de 2020, período considerado de maior impacto da pandemia. Porém, ao final do ano, os relatos retornaram a patamares similares aos do início de 2020 e o ano fechou com elevação de 6,2% na quantidade de relatos em comparação a 2019.
Este comportamento mostra que o modelo de home office e o distanciamento social, mantidos por boa parte destas organizações ao longo de todo o ano, não inibem desvios de conduta no ambiente corporativo. Ou seja, após o choque inicial da pandemia, que mobilizou a atenção de todos, houve uma adaptação progressiva dos ofensores ao “novo normal”, indicando que o contato presencial não é um requisito para a prática de irregularidades.
De fato, as questões de relacionamento interpessoal continuaram sendo o principal alvo das denúncias em 2020, representando 49% do total. Neste quesito incluem-se as práticas abusivas, como os assédios moral e sexual, representando 21,4% do total. Durante os meses de março e abril, os relatos de assédio diminuíram 23%, porém o volume total no ano foi ainda um pouco maior do que o registrado em 2019, saindo de 12.349 para 12.529 denúncias.
Fazendo uma comparação com os últimos cinco anos, as denúncias de assédio moral e sexual tiveram um crescimento de 187% e percebe-se uma evolução crescente no embasamento e detalhes informados pelos denunciantes.
Mais denúncias, mas mais informações
De modo geral, a qualificação das informações relatadas melhorou em 2020. Do total, 76,6% das denúncias continham informações que permitiram o desenvolvimento de apurações objetivas por parte das empresas. No caso de assédios moral e sexual, este número chegou a 91,1% em julho. Nota-se que a pandemia gerou um efeito “filtro” sobre os denunciantes, que manifestaram apenas situações mais contundentes.
Outro efeito interessante verificado durante os meses iniciais da pandemia foi o incremento de 36% nas denúncias sobre roubos, furtos ou desvio de materiais, ativos e valores das empresas. Esta elevação foi identificada também nos casos de violação das leis trabalhistas, com aumento de 21%, e fraudes, que cresceu 9%. Esses fenômenos podem ser conectados à mudança na dinâmica do trabalho e na fragmentação das operações. Comparando-se com 2019, as denúncias de fraudes ao longo de 2020 tiveram uma elevação de 62,7% e os roubos, furtos e desvios, de 26,9%.
No tocante às investigações, este processo precisou ser adaptado, pois as organizações tiveram que substituir os procedimentos presenciais pelos virtuais. Como consequência, quando comparamos o tempo médio para a conclusão de uma apuração, este subiu 8,5%, chegando a 43,2 dias em média. Já nos casos de assédio, o período salta para 51,5 dias, uma alta de 10,5% se comparado a 2019.
Esta maior dificuldade na apuração dos casos, e talvez também as restrições de ordem prática, operacionais e orçamentárias, parecem ter freado a aplicação de medidas disciplinares mais rigorosas pelas empresas em 2020. Demissões com ou sem justa causa caíram 18,6% em relação à 2019 e, no geral, foram aplicadas em apenas 20% das denúncias procedentes.
“Os dados de 2020 ratificam a importância do Canal de Denúncias para identificar desvios e fortalecer a cultura ética, especialmente no contexto de home office e dos fluxos de trabalho fragmentados”, finaliza Scanavini, diretor de operações da ICTS Protiviti.
Por Bruno Piai