Inúmeros estudos realizados sobre o home office durante a pandemia trazem números e percepções positivas. De acordo com uma pesquisa da Fundação Dom Cabral em parceria com a Grant Thornton e a Em Lyon Business School, por exemplo, 58% dos respondentes se sentem mais produtivos ou significativamente mais produtivos atuando em suas casas.
Por conta dos índices de satisfação, muitas empresas optaram por adotar um modelo híbrido de trabalho já pensando no pós-pandemia. 89% dos executivos pretendem voltar ao escritório, mas irão permitir que suas equipes trabalhem ao menos alguns dias de casa durante a semana, segundo levantamento da Robert Half. Porém, em meio à alta do modelo remoto, será que o panorama realmente é de empolgação?
Modelo híbrido anima, mas prática ainda é complexa
Embora o trabalho remoto tenha se tornado um tema em alta no mercado, ele ainda não é para todos. Por mais que escritórios tenham adotado o modelo, é dizer o óbvio apontar que inúmeros setores não têm a possibilidade de trabalhar remotamente. E é nisso que pode estar o primeiro desafio de gestão para líderes e RHs em empresas que mesclam áreas que podem atuar a distância e outras que não.
“O home office é visto por muitos como um prêmio, um benefício. Afinal, ao trabalhar em casa, se você tem ambiente e infraestrutura, consegue desempenhar suas tarefas e ainda escapa de incômodos do dia a dia, como as horas perdidas só para chegar ao trabalho e para voltar para o lar. Então, se você oferecer, de repente, esse ‘luxo’ a parte dos colaboradores, a outra parte – aquela que não tem a opção de trabalhar de casa – pode se sentir desprestigiada de alguma forma. Então é interessante o RH e os gestores pensarem em mecanismos que os mantenham engajados”, pontua Luciana Amorim, especialista em recrutamento e departamento pessoal.
Além disso, há outros fatores que não fazem com que a adoção do trabalho remoto seja tão fácil quanto parece. A Globant, empresa de serviços de tecnologia, realizou uma pesquisa interna com seus mais de 900 colaboradores e identificou que quase metade deles não mantém o mesmo nível de produtividade, 36% alegam que estão trabalhando mais – ultrapassando sua carga horária – e 67% têm problemas para equilibrar o dia a dia profissional com o pessoal, aumentando as distrações e tendo o foco prejudicado.
Soma-se a isso a questão da infraestrutura. Dados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx) mostram que, embora a maioria dos funcionários tenha experiências positivas com o home office, 60% das organizações têm dificuldades para lidar de forma satisfatória com todas as exigências estabelecidas para o trabalho remoto. 33% pontuam como maior fator negativo a falta de equipamentos, 30% a adaptação dos funcionários e 27% a conexão com a internet.
Distanciamento da cultura organizacional, dificuldade para controlar jornada de trabalho e questões ergonômicas também são problemas que muitas companhias enfrentam ao tentar implementar a cultura híbrida ou 100% a distância.
“A verdade é que a grande maioria dos brasileiros não tem a estrutura necessária para trabalhar de forma remota, seja ela física ou familiar. Sendo assim, o trabalho remoto não é pra todo mundo por barreiras naturais ou comportamentais. Nem todas as pessoas se adaptam da mesma forma, então é meio romantismo declarar que todas as pessoas performaram da mesma forma. Alguns se adaptam facilmente, outros não. Isso também se repete em algumas empresas. Quando se fala de trabalho híbrido de forma generalizada é como se estivéssemos numa bolha, porque, ao analisar a realidade brasileira e a realidade das empresas, se vê que elas não têm condições de fornecer estrutura necessária para isso se realizar”, elucida Mônica Hauck, CEO da Sólides, plataforma de Gestão de Pessoas.
Em razão disso, a executiva orienta que as empresas não se desesperem com pesquisas que mostram que será mais difícil atrair ou reter talentos se o home office não for oferecido. Um exemplo é um levantamento feito pela Korn Ferry que mostra que 49% dos respondentes recusariam oportunidades que não permitissem que pelo menos alguns dias de trabalho fossem feitos fora do ambiente corporativo.
“Perder ou não talentos é bem relativo. Uma empresa precisa saber exatamente o que ela precisa ter para performar e quais são as pessoas certas para isso. Portanto, é muito mais uma questão das empresas optarem por profissionais que se adaptem ao seu modelo de negócio e forma de trabalho. Evito generalizações, temos realidades de negócio bem diferentes e que variam de acordo com a região e outros fatores. As indústrias não são remotas, grande parte do comércio também não, ainda temos o setor de serviços. Temos que olhar a realidade brasileira e saber que algumas empresas e pessoas vão se adaptar e outras não”, salienta.
Foco na retomada, portanto?
As empresas que não conseguiram se adaptar bem à pandemia terão um duplo desafio pela frente. Além de seguir buscando as melhores opções que garantam sua sobrevivência, elas precisarão lidar com o fato de que a rotina de trabalho pré-pandemia não existe mais. O chamado “novo normal” tende a, em breve, se assumir como “normal”.
Para promover a retomada, líderes e RH terão que, primeiramente, pensar em como isso impacta o seu colaborador. Boa parte do time de trabalho pode estar satisfatoriamente feliz com o home office, enquanto outros, vacinados ou não, podem ter medo de furar a bolha do isolamento e enfrentar lotações em transporte público ou até mesmo nos próprios escritórios. As organizações que querem voltar precisam, então, desenvolver um trabalho que acompanhe a saúde ocupacional e mental de seus colaboradores, além de frequentemente avaliar os índices de satisfação. Se a volta aos escritórios frustrar os talentos da companhia, as lideranças não podem deixar de lado uma eventual flexibilização.
A equação não deixa de lado também os custos. Bancar os gastos com equipamento – da cadeira ao notebook – e infraestrutura dos profissionais a distância não é, como mostrado no tópico acima, tarefa fácil para todos os gestores. Mas as dificuldades são menores com o retorno ao escritório? Despesas convencionais de manutenção de escritório, gastos por quilômetros rodados, custos com locação de espaço e afins estarão de volta à rotina.
O que o RH deve fazer?
Primeiro, vale refletir sobre uma máxima trazida pelo mentor e especialista em RH, Jacques Metadiér. Para ele, não estamos vivendo a cultura do home office, mas sim um trabalho remoto adaptado, ao qual ninguém estava preparado, por conta da pandemia.
Antes de qualquer coisa, o RH e as lideranças devem se atentar às questões legais do trabalho a distância. As MPs impostas pelo Governo Federal para lidar com a pandemia da Covid-19 flexibilizaram a transição, porém o pós-pandemia deve trazer uma regulamentação mais concreta, embora a Reforma Trabalhista de 2017 conte com um capítulo especialmente dedicado a falar sobre o trabalho remoto, a partir do artigo 75-A da Consolidação.
Para Luciana Amorim, é muito importante que as empresas não ajam por modismos e respeitem o seu ritmo de evolução. “Hoje, o mercado de RH está crescendo muito. A área evoluiu, está mais digital e estratégica. Ela deve se envolver na decisão sobre retomar adotar ou não em definitivo um modelo híbrido de trabalho. Por meio de pesquisas de clima, análises preditivas e cultura de dados, é possível mapear como está a produtividade, a satisfação, a saúde mental da equipe e outros fatores que devem ser levados em consideração. Não é somente o gestor decidir e acabou, embora infelizmente seja o que acontece em grande parte dos casos”, diz.
Tão importante quanto é as empresas não agirem por imediatismo e buscarem por avaliações concretas antes de tomar uma decisão. Mônica Hauck destaca que o momento de ‘euforia’ com o home office está acabando e a próxima etapa é identificar o quão real a tendência vai ser após a pandemia estar mais controlada. “Acredito que com o passar da euforia desse novo modelo de trabalho, vem a consolidação do resultado. Com essa análise de resultados as empresas vão poder tomar melhores decisões, finaliza”.
Pro Bruno Piai
Crédito da foto: Pixabay