A geração Z, cuja determinação sociológica diz que é integrada pela população nascida entre 1995 e 2010, chegou, há um tempo, ao mercado. Ao profissional que integra o grupo, é costumeiro que análises de especialistas em recrutamento ou gestão o defina como digital, inovador, imediatista e multitarefa.
É praticamente uma regra assumir que tal geração domina tecnologias e tem mais facilidade para se adaptar às mudanças e transformações vividas pelas organizações. Porém, enquanto o universo corporativo naturalmente se adapta aos novos perfis de colaboradores, como os profissionais seniores se encaixam nesse cenário? A diversidade etária é realidade no mercado?
De acordo com um levantamento realizado pela Robert Half, mesmo com variadas formas de diversidade sendo cada vez mais debatidas e trazidas à realidade dos negócios, as respostas aos questionamentos acima ainda não são as mais animadoras. O estudo revela que, em 2019, 69% das organizações não contrataram colaboradores com 50 anos ou mais.
Segundo a consultora Letícia Rodrigues, sócia-fundadora da Tree Diversidade, embora algumas empresas tenham iniciativas concretas para promover a inclusão etária em seu quadro de colaboradores, o preconceito, seja ele consciente ou não, pesa contra as gerações anteriores à Y e à Z.
“A crença pré-concebida de que profissionais mais velhos não estão familiarizados com a tecnologia, são menos adaptáveis, dispostos ao aprendizado, estão desatualizados e são caros estão entre as razões da exclusão de candidatos já a partir dos 45 anos de processos seletivos sem que suas competências sejam sequer analisadas”, aponta.
Além disso, mesmo para os profissionais mais experientes que estão empregados, a condução se sua rotina trabalhista pode deixar a desejar. Uma pesquisa da Robert Walters mostra que 72% dos colaboradores 50+ alegam não ter possibilidade de efetivação, enquanto 41% sentem-se estagnados em sua atual função, por não ter na empresa um plano de carreira, e 21% criticam a ausência de um programa de treinamento e desenvolvimento que os envolva.
“Isso acarreta o risco de que o potencial desse grupo de talentos seniores seja desperdiçado por mais de uma década ou mesmo duas, já que suas carreiras estagnam sem valorizar o conhecimento e a experiência adquirida ao longo de sua carreira profissional”, explica Richard Townsend, country manager da Robert Walters Brasil.
Apesar do avanço do debate sobre diversidade e inclusão, muitas culturas organizacionais ainda restringem as possibilidades de crescimento a perfis cada vez mais jovens, como reflexo da idealização da juventude na nossa cultura.
“Antes falava-se da dificuldade de inclusão de pessoas 60+ ou 50+, mas já há gente falando em 45+. Em alguns setores, como o de serviços, tem se falado nessa idade para se referir às pessoas que não estariam mais nas possibilidades de crescimento. Se a pessoa não chegou a sócio ou a diretor com 40, 45 anos, está fadada a perder a empregabilidade”, salienta Letícia.
Há perspectiva para mudar o rumo da situação?
A exclusão de profissionais por conta da idade e pela crença de que eles não vão se adaptar ao digital faz com que as empresas percam uma perspectiva única em relação a consumidores acima dos 50 anos. É estimado que o público em questão, em escala global, movimente um mercado de US$ 15 trilhões.
“Temos [nos processos seletivos] vieses e preconceitos que são até inconscientes. Achamos que essa população mais velha vai ser menos produtiva, ter mais dificuldade com a tecnologia. Às vezes, a pessoa que fica um ou dois anos fora do mercado já é rotulada de desatualizada. E nem se chega a conhecer a fundo esses candidatos”, alerta Letícia.
Para a consultora, a crença de que os mais novos podem aprender mais rápido, adaptar-se melhor e ficar mais tempo na empresa ainda motiva nos recrutadores uma preferência inconsciente por faixas etárias menores nas seleções, que pode não resultar na escolha do melhor candidato.
Segundo a profissional, às vezes, o RH nem faz questão de esconder essas preferências. Ainda hoje, é possível encontrar anúncios de vagas que restringem abertamente candidatos numa dada faixa etária. E mesmo quando a faixa não vem especificada, o RH normalmente tem muito clara a idade dos futuros contratados.
Letícia deixa clara a importância dos processos seletivos serem estruturados com objetividade. Ela defende que as empresas façam uma revisão profunda da seleção para avaliar em que momentos ela é excludente, a começar pela escolha de palavras nos anúncios das vagas. A especialista também defende que o RH analise se realmente a questão da idade pode proporcionar algum peso à vaga em questão e que, além disso, o excesso de rigidez de algumas vagas seja reavaliado.
Um exemplo clássico é a exigência do inglês. “Muitas vezes se exige o idioma na expectativa de selecionar gente com melhor formação, quando a língua não é necessária na contratação, pode ser adquirida futuramente pelo candidato ou oferecida pela empresa”, pontua a consultora.
No esforço de não reproduzir vieses, os RHs também têm recorrido ao recrutamento às cegas, no qual o selecionador não vê idade, gênero, estado civil, endereço, faculdade e outras informações que podem motivar preferências. Inteligências artificiais também têm sido reprogramadas para não selecionar currículos com base em critérios enviesados.
“Ainda não existe solução perfeita. As organizações devem utilizar uma combinação de ferramentas, sempre com cautela, buscando critérios objetivos para a tomada de decisão e, quando possível, a inclusão de um ‘elemento neutro’, alguém de outra área, um consultor externo, que possa trazer uma posição ‘desenviesada’ ao processo”, pontua.
Os impactos da longevidade
Segundo Layla Vallias, especialista em Economia Prateada e co-fundadora da Hype50+ e da Janno, a prática de inovação, empreendedorismo e pesquisa de tendências traz o desafio de disseminar entre os gestores de grandes marcas, indústrias e governos dados que comprovam o quanto o envelhecimento da população apresenta oportunidades reais.
“A revolução que estamos vivendo nos obriga a revisitar conceitos, quebrar padrões e discutir tabus. Para os mais estratégicos, é nesse oceano azul da longevidade que residem as grandes oportunidades para o futuro”, afirma.
Do ponto de vista do mercado de trabalho à luz da longevidade, a especialista aponta que as perspectivas são igualmente boas. “Todos os mercados e setores de trabalho serão profundamente impactados pelo envelhecimento da população; quem antes observar essa realidade e se preparar para atendê-la, sai na frente. Esse é um caminho sem volta: todos os profissionais, da saúde à hotelaria, da indústria de beleza à moradia, deverão ser, necessariamente, profissionais capacitados para a longevidade”, defende a coordenadora do estudo Tsunami Prateado (maior mapeamento brasileiro sobre longevidade).
O levantamento “Qual o Impacto da Longevidade na Sociedade”, integrante do FDC Longevidade, projeto desenvolvido pela Fundação Dom Cabral (FDC) com apoio técnico da Hype50+ e patrocínio da Unimed-BH, mostra que o preconceito em torno do “ageísmo” é responsável pelo grupo dos 60+ ser o mais atingido pelo desemprego na pandemia.
Mais de 1,3 milhão de pessoas com sessenta anos ou mais deixaram de trabalhar ou de procurar emprego, o que representa 64% dos brasileiros sem uma colocação profissional. Para a geriatra Karla Giacomin, vice-presidente do Centro de Longevidade Internacional-Brasil (ILC-Brazil), a invisibilidade no processo do envelhecimento e dos direitos relacionados à velhice prejudica a inclusão do tema nas pautas políticas.
O estudo ainda detalha o impacto que a extensão da vida impõe ao mercado de trabalho e também à previdência social. Em 1980, a proporção era de 9,2 pessoas em idade ativa trabalhando para cada aposentado; em 2060 será 1,6 trabalhador para cada idoso. Na prática, há grandes desafios no modelo da previdência nacional, sendo o aumento da taxa do envelhecimento um dos principais.
Em entrevista ao estudo, o economista Roberto Teixeira da Costa analisa formas de encarar a aposentadoria e aponta como os brasileiros de diferentes gerações podem se preparar para o futuro. “Acredito que deveríamos criar mecanismos para redistribuição de renda para aposentados; recursos que mitiguem os problemas causados pela desigualdade”.
Estamos diante de uma condição social inédita. A geração baby boomer é a primeira a ingressar na aposentadoria em uma era em que as pessoas vivem mais de 100 anos. O estudo analisa as previdências sociais pelo mundo e traz o Índice Global de Pensões, que aponta que muitos países estão promovendo mudanças em direção a sistemas mais sustentáveis.
Entre as medidas comuns, aumento da idade para se aposentar; aumento do nível de poupança (dentro e fora dos fundos de pensão); ampliação da cobertura de pensões privadas para toda a força de trabalho, incluindo autônomos e contratados; preservar os fundos de aposentadoria, limitando o acesso aos benefícios antes da idade de aposentadoria; e aumento da confiança de todas as partes interessadas por meio da transparência dos planos de pensão.
Partir para ação
Infelizmente, não é possível “tapar o sol com a peneira” e trazer apenas pontos positivos sobre a diversidade etária no mercado de trabalho. Ainda assim, em decorrência das portas que se abrem muito graças a empresas especializadas no trabalho com o público sênior (como a MaturiJobs), é importante que os profissionais 50+ busquem sempre se renovar e demonstrem adaptabilidade a um mercado cada vez mais dominado pelos jovens.
Para a Robert Walters, o sucesso na conquista da recolocação profissional depende de alguns passos importantes:
- Clareza ao informar às empresas sobre qual é sua ambição profissional;
- Pesquisar e estudar maneiras de progredir e buscar relações transparentes com os líderes para entender como é possível se desenvolver na organização;
- Explorar diferentes maneiras e modelos de trabalho, como o próprio home office;
- Manter as opções em aberto. Embora gerações mais velhas sejam, por vezes, até estereotipadas com o conceito da lealdade empresarial, é importante sempre buscar melhores alternativas e ofertas de trabalho.
Por Bruno Piai