A discussão em torno da diversidade e da inclusão no mercado de trabalho nunca esteve tão em evidência. Segundo um levantamento realizado em novembro de 2021 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), as empresas brasileiras estão abertas a trazer a pluralidade para dentro do negócio. Entre alguns dados registrados pelo relatório, 87% dos entrevistados afirmam que as organizações desejam ser reconhecidas por ter um trabalho que demonstre que fomentar a diversidade é um objetivo estabelecido. Além disso, 60% dos respondentes dizem que as empresas já atuam com programas de inclusão.

Todavia, por mais que, de fato, discussões em torno de D&I tenham ganhado força nos últimos anos, quem faz parte de populações minoritárias ainda sente que a inclusão precisa evoluir. Entre as críticas apontadas está, por exemplo, a ausência de treinamentos e ações que fortaleçam a cultura antirracista no mercado de trabalho.

Uma pesquisa realizada pelo Indeed, em parceria com o Instituto Guetto, revelou que quase metade dos profissionais negros (47,8%) não tem sentimento de pertencimento onde trabalham. De quebra, 60% dos participantes do estudo alegaram que já foram vítimas de discriminação racial no trabalho. Tal preconceito, inclusive, ainda é o mais predominante no ambiente corporativo. Um levantamento da CEGOS, empresa de treinamento e desenvolvimento, realizado com profissionais de RH, identificou que racismo (75%), opiniões políticas (42%) e aparência física (37%) formam o pódio de situações discriminatórias.

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Cultura antirracista

Realizado pelo IBGE, o relatório ‘Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2021’, revelou que os negros foram os mais prejudicados no mercado de trabalho durante o período de maior incidência da pandemia da Covid-19. Além de representarem a maior parcela da população desempregada, também ocuparam a liderança das subocupações e dos menores rendimentos mensais – a diferença média entre os rendimentos mensais dos brancos em relação aos pretos e pardos ultrapassa os R$ 1.200.

Para Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade, embora as empresas demonstrem, de fato, maior preocupação com a equidade racial, o processo de reeducação precisa se expandir e alcançar mais organizações.

“Eu acredito que todo conhecimento, atitude e habilidade de gestão podem ser aprendidos. As pessoas aprendem ao longo da vida muitas coisas. E assim é também com o ser inclusivo. As pessoas podem aprender a se tornarem mais inclusivas. Como? Trabalhando o exercício de técnicas e ferramentas de empatia, diálogo e respeito, entendimento de vieses inconscientes, de mudança de práticas comportamentais para práticas mais inclusivas. Alguns nascem líderes inclusivos, outros se tornam ao longo de seu aprendizado de gestão de equipes”, salienta.

Além disso, para a especialista, um trabalho mais agudo para combater atitudes discriminatórias será fortalecido pela comunicação, seja ela interna ou externa, com treinamentos e campanhas que reforcem a conscientização. “As empresas têm desenvolvido melhor ações contra preconceitos. Há palestras, workshops, guias de diversidade e a oportunidade para trabalhar o diverso como prática de gestão”, pontua.

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Ainda na linha da comunicação como ferramenta de desenvolvimento de uma cultura empresarial antirracista, na visão da PHD em Psicologia, Roxy Manning, a comunicação não violenta é determinante para os resultados se expandirem, contudo, na prática ainda há gaps a serem resolvidos.

Segundo ela, as pessoas que não foram tão pessoalmente impactadas por desigualdades sociais tendem a focar apenas nos aspectos de crescimento pessoal ou de transformação interna que a CNV traz. Esta é uma falha na maneira como a comunicação não violenta tem sido aplicada e ensinada, não da abordagem propriamente dita.

Praticantes de CNV precisam estar cientes das iniquidades sistêmicas que continuam a persistir entre grupos, por este motivo, é importante por facilitadores(as) experientes que abordem as questões sistêmicas e convidam o público para uma reflexão mais profunda sobre poder e privilégio.

“A comunicação não violenta enxerga toda forma de preconceito e opressão como um sintoma de uma sociedade adoecida por formas de pensar retrógradas. Por sua vez, apenas punir as pessoas com discurso e atitudes racistas não seria o suficiente, o ideal é propor uma mudança da consciência que está sustentando o racismo, para que atitudes inclusivas possam ser implementadas”, ressalta Diana Bonar, especialista em Comunicação Não Violenta e gestão de conflitos.

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Empresas devem se posicionar

A CEO da Kairós elucida que é igualmente essencial que casos de violência contra os negros sejam repercutidos dentro das empresas. Por mais que, de acordo com a executiva, notas de repúdio e postagens espontâneas possam atrair a atenção de pessoas contra a inclusão, as organizações precisam ter a compreensão de que mais estratégico do que omitir posicionamentos é manifestar-se abertamente.

“A gente sabe que, hoje em dia, os haters agridem organizações que se assumem pró-diversidade, então, acredito que quando a empresa se posiciona num tema polêmico, em particular quando ele acontece e ela sinaliza que ela é a favor da diversidade, ela faz muito. É um ato de coragem”, explica.

De acordo com pesquisa global recente da Adobe com clientes, 61% dos entrevistados consideram importante inclusão e diversidade na publicidade. Outro estudo, do Glassdoor, aponta que 76% das pessoas que buscam emprego veem a diversidade como fator relevante ao avaliar empresas e considerar oportunidades.

Ou seja, organizações que somente enxergam o caráter social da questão – e, por tal, não se sentem na obrigação de criar ações – podem ficar para trás nos números do negócio, especialmente com a agenda ESG (Ambiental, Social e Governança) sendo vista como uma das principais tendências corporativas dos próximos anos.

ESG futuro do trabalho

Linguista e professora da Unianchieta e da Aberje, Vivian Rio Stella destaca que os gestores precisam praticar a escuta e a percepção, para que aumentem o seu repertório e conhecimento sobre termos e atitudes que ofendem populações minoritárias e fazem com que o ambiente do negócio não seja inclusivo.

“Quando as pessoas que foram silenciadas historicamente levantam suas vozes para dizer que essas expressões sempre as feriram de muitas formas, é hora de a gente parar e escutar e perceber que a gente tem que ampliar nosso repertório”, finaliza.

Por Bruno Piai