Após um primeiro dia agitado de evento, com especialistas compartilhando dados, experiências, cases e vivências pessoais sobre a temática da saúde mental, o segundo e o terceiro dias do RH Web Talks não deixaram o ritmo cair e trouxeram novas e ricas discussões sobre o assunto.
Se você ainda não conferiu a parte I do resumo, com tudo o que rolou de melhor no primeiro dia, clique aqui para acessá-la. E vamos juntos falar sobre os principais momentos dos dias 2 e 3 do evento.
Dia 2 – Diversidade, Inclusão e Saúde
– Envelhecimento e saúde mental – Fran Winandy, Sócia da Acalântis Services
O segundo dia de RH Web Talks começou polêmico – não no sentido de alguma discussão acalorada, mas por colocar o dedo em uma ferida atual, que é o preconceito etário.
De acordo com Fran Winandy, vivemos um cenário social e profissional que exige muita resiliência da população idosa. Não é novidade que o mercado de trabalho é pouco acolhedor com o público mais velho. Um levantamento da Robert Walters constatou que 72% dos profissionais 50+ se sentem estagnados, não tendo oportunidades de promoção ou sequer participando dos treinamentos. Segundo a Robert Half, até 2019, em pesquisa 69% das organizações declararam que não contratariam pessoas integrantes deste público.
Diante do contexto, a atenção à saúde mental das pessoas acima dos 50 anos merece atenção especial. “Além dos discursos preconceituosos, o distanciamento social é difícil. Há dificuldade em se manter isolado, em encarar a solidão ou até em lidar com o ritmo da internet. São pessoas que quando saiam eram agredidas verbalmente e começaram a perder seus empregos na pandemia, pois os empregadores se sentiram temerosos em se responsabilizar por profissionais mais velhos durante o cenário pandêmico. E tudo isso, somado, aumenta depressão, fragilidade e afeta até mesmo a mobilidade”, comenta Fran.
Porém, na lógica do “tudo o que vai, volta”, Fran faz um importante alerta ao estimular que RHs e lideranças estendam sua atuação ao acolhimento das gerações anteriores. Para ela, estereotipar o idoso como indivíduo fraco ou dependente pode fazer com que as novas gerações tenham problemas em encarar o envelhecimento. Além disso, ela reforça que “você, profissional de RH, também vai ficar desempregado no futuro se não pavimentar, hoje, um caminho para que o mercado acolha os profissionais mais velhos”.
Ainda assim, a especialista deixa claro que a resistência em promover um trabalho multigeracional não parte somente dos mais jovens, uma vez que os profissionais com mais tempo de mercado nem sempre se sentem estimulados para ter líderes mais novos.
“Você tem que ter um programa de diversidade etária planejado e embasado. É preciso fazer sensibilizações, identificar os níveis de preconceito, realizar mentoria reversa. Não é só contratar, é preciso também ter uma mudança de cultura. Os dois lados [os jovens e os mais experientes] têm um ‘pé atrás’ em trabalhar juntos. E isso precisa ser mudado”, pontua.
– Futuridade negra: autocuidado e saúde – Arthur Igor Lima, Fundador e CEO da AfroSaúde
A sessão da tarde – não confundir com a atração da televisão – trouxe uma poderosa conversa entre a entrevistadora Flávia Lippi e o convidado Arthur Igor Lima. Responsável por um trabalho de acolhimento psicológico na AfroSaúde, o empresário destacou o quanto o racismo tem o potencial de adoecer pessoas e causar sérios impactos em sua saúde emocional.
Segundo Lima, a população negra sofre diariamente, em praticamente qualquer ambiente – do social ao corporativo – microagressões que não só fazem a taxa de transtornos mentais crescer, como também elevam o índice de suicídios.
“Quando falamos de populações mais vulneráveis social e economicamente, o estigma de cuidar da saúde mental, de fazer terapia ainda existe. Vivemos em uma sociedade que nos adoece a todo instante. Há duas grandes questões que devemos levar em conta: reconhecer que o racismo é real e adoece e levar essa compreensão cada vez mais às pessoas e ao mercado de trabalho’, salienta.
Ainda de acordo com o executivo, engana-se quem acredita que a pandemia foi a motivadora do surgimento das doenças que afetam o emocional. Ele diz que tais transtornos já existiam em larga escala e o papel da chegada da Covid-19 foi nos alertar sobre, uma vez que a gravidade dos casos está se potencializando.
Arthur destaca que o fortalecimento da saúde emocional da população negra passa pela mudança necessária de cultura que as empresas precisam estabelecer. “É uma mudança de cultura [ser antirracista]. É desde pensar os termos que usamos até às críticas, que podem ser microagressões. Não adianta só contratar, é preciso ter um ambiente de trabalho acolhedor. Os espaços estão preparados para a nossa presença [da população negra]? Trabalhamos com pessoas que têm bagagens, crenças e posicionamentos diferentes. É preciso levar os tema do racismo e da saúde mental às empresas para que as pessoas entendam”.
– O impacto dos vieses inconscientes na diversidade e na inclusão – Cris Kerr, CEO da CZK Diversidade
De cara, Cris nos deixa uma importante reflexão ao falar que qualquer indivíduo representa algum tipo de diversidade. E questiona: se todo mundo faz parte de um grupo por conta de suas características únicas, por que determinados grupos são minorizados e sofrem tanto para conquistar seu espaço no mercado de trabalho?
Para a CEO, não basta somente pensar na diversidade e em trazer pessoas com perfis diferentes para dentro de uma organização se a mesma não tem a preocupação com a construção de um ambiente que seja inclusivo.
“Quando falamos de inclusão, falamos de um espaço que acolha a todos. É falar de pertencimento, identificar se a pessoa se sente parte do ambiente. Diversidade com inclusão é o que de fato pode funcionar nas empresas”, elucida.
Cris exemplifica que a insistência em “piadas” que vão de encontro ao credo, à raça ou a outras características pessoais vão na contramão do que se prega para a existência de um ambiente positivo para todos os grupos. Além disso, uma vez que as pessoas façam parte das organizações, é preciso dar a elas voz para que elas integrem planejamentos, escolhas, projetos e sintam que estão contribuindo de forma ativa e efetiva.
Vale destacar, também, a necessidade reforçada por Cris de se combater vieses inconscientes que contribuem para que os ambientes de trabalho sejam segregados, assim como os processos seletivos.
“Todas as pessoas têm vieses inconscientes, o importante é você entender qual é o seu. Uma pesquisadora de Harvard diz que ‘nós preferimos acreditar que somos pessoas sem preconceitos’, mas as pesquisas mostram o contrário. Esta é uma constatação desconfortável. Ter um viés não é o fim do mundo, a única vergonha é se você não fizer nenhum esforço pra melhorar”.
– O trabalho e a saúde mental da mulher na pandemia – Mafoane Odara, HR Business Partner do Facebook; e Tatiana Pimenta, CEO e Fundadora da Vittude
O contexto da pandemia promoveu (mais) uma nova difícil realidade para as mulheres no universo corporativo. Além dos já conhecidos preconceitos contra a liderança feminina e contra mães, gestantes ou mulheres que desejam engravidar, a rotina pandêmica trouxe sobrecarga emocional e de tarefas – como a responsabilidade de serem elas, em 92% dos casos segundo pesquisa da Catho, quem deve ficar em casa para cuidar dos filhos e acompanhá-los no homeschooling.
“Dentro deste um ano e meio de pandemia, 40% mais mulheres já saíram do mundo do trabalho quando a gente compara com os homens. A sobrecarga é uma questão, mas a falta de ações de políticas e programas que entendam a condição das mulheres no momento da pandemia favorece esse número. A pandemia não traz nenhum problema novo, só escancara”, traz à tona Mafoane.
Segundo a BP do Facebook, sua atuação é mais do que um trabalho, mas uma missão cujo propósito é buscar modos de reduzir a desigualdade de gênero e raça. Ela explica que os ambientes de trabalho precisam ser favoráveis para que as mulheres possam se expressar livremente e ter tranquilidade para se concentrar na rotina de trabalho e não em fatores externos e estereótipos.
Além disso, Mafoane destaca a importância de haver uma ressignificação dos papéis de gênero, uma vez que em contexto “normal” a sociedade torna complexa o equilíbrio da vida profissional e pessoal da mulher. E a dificuldade é maior quando a mulher é mãe.
Em meio a isso, Tatiane alerta que as organizações precisam trabalhar para promover uma mudança cultural, especialmente quando se fala da ausência de espaço que o mercado dá para que a saúde mental – tanto da mulher quanto de outros públicos – tenha espaço. “Quando capacitamos um líder, é preciso libertá-lo de seu escudo. Isso adoece as pessoas. É necessário que líderes, profissionais C-level entendam que estamos doentes.
A fundadora da Vittude acrescenta que não é simples mudar o mindset de quem foi durante toda a vida educado para não demonstrar qualquer tipo de vulnerabilidade. Todavia, se o líder não ‘quebrar a casca’ e oferecer um espaço aberto para que as pessoas não precisem estar sempre no seu limite, os impactos negativos consequentemente virão.
Dia 3: Liderar é promover o bem-estar
– Por que C-levels querem falar sobre bem-estar? – Silvio Paciello, VP de Pessoas da Ericsson
O pontapé inicial do terceiro e último dia de RH Web Talks foi dado pela contribuição da Ericsson em defender que as empresas mudem a forma de pensar e tratar a saúde mental.
De acordo com Paciello, “precisamos falar de bem-estar na mesma proporção que falamos de market share. É tão importante quanto. O assunto deve estar presente nas palestras, nas reuniões de time, na comunicação corporativa. O gestor deve mostrar preocupação com a saúde do funcionário e abordar o assunto de forma construtiva e não de cobrança”.
O vice-presidente de RH frisa que o gestor deve ser um redutor da ansiedade dos times e dos indivíduos, assumindo uma postura dinâmica, proativa e inovadora. Além disso, ele enfatiza que se empresa e líderes pensam no bem-estar, inspira confiança e engajamento e, consequentemente, o turnover passa a ser um problema cada vez menor.
No papo com Flávia Lippi, o gestor salienta também que as organizações precisam reduzir as barreiras hierárquicas, assim fazendo com que cada profissional possa sentir que sua contribuição é poderosa e que sua voz é ouvida. É um processo de democratização das discussões estratégicas do negócio.
Paciello acentua, ainda, que hoje é tão importante ter não só conhecimento, mas também atitude, assumindo uma postura sempre ética e disposta a lidar com problemas da melhor forma.
– Saúde Mental: benefício ou estratégia? – Dr. Pedro Shiozawa, CEO da Jungle
Embora a pandemia, obviamente, não tenha lado bom – afinal, seja qual for a oportunidade que ela ofereça para alguns, nada se sobressai à dor que muitas famílias enfrentam por conta da Covid-19 – é inegável que ao menos ela trouxe reflexões importantes que não podem ser ignoradas. Uma delas, destaca Shiozawa, é abertura para se lidar com um assunto que, até então, era tabu: a saúde emocional.
Para o especialista, não é incomum ver em empresas crises de ansiedade sendo tratadas como algo passageiro ou com desprezo. Ainda assim, o psiquiatra vê com otimismo o processo de mudança cultural que o mercado manifesta a respeito. Se antes a saúde mental deveria ser um tópico distante das reuniões, hoje as empresas se antecipam aos colaboradores e os convidam a falar a respeito.
Ainda assim, o médico alerta para que as pessoas não deixem suas vulnerabilidades ganharem cada vez mais força por conta do arredor que o novo coronavírus criou. “Pesquisas indicam que têm aumentado os sintomas referentes ao estresse, mas não necessariamente os diagnósticos. “Hoje, muitas pessoas procuram o atendimento de saúde mental para falar sobre suas angústias. E tudo bem estar assim! Nem todo sintoma ansioso é doença. Quem de nós estaria bem com tantas mudanças? Parte dos sintomas são adaptativos e combustível para revisitarmos nosso funcionamento e resiliência”, destaca.
No entanto, Shiozawa alerta para que não seja ignorado o potencial de gravidade que as doenças emocionais podem atingir. Para ele, quem quiser contribuir com alguma pessoa que esteja com a saúde mental em baixa deve aplicar a metodologia EVA:
E: Escute – Deixe a pessoa desabafar, se mostre disposto a ouvir;
V: Valide o sofrimento – Entenda que o problema é real e que o sofrimento vivenciado é sincero;
A: Acompanhe – Tenha a sensibilidade de compreender que há algo acontecendo e que esse algo pode piorar. Auxilie na busca por médicos, acompanhe em consultas, faça a diferença na vida da pessoa que não está bem.
“75% das pessoas com depressão e ansiedade não estão diagnosticadas e metade das que estão diagnosticadas abandonam o tratamento quando se sentem um pouco melhor. É papel do amigo, da família, escutar, validar e acompanhar. Incentivar a continuar”.
– Gestor de Pessoas ou Gestor de Motivos? – Tatiane Souza, Fundadora da Gente Mais
Seus motivos profissionais acompanham seus objetivos pessoais? Talvez a resposta pareça óbvia, já que se não existisse nenhum motivo pessoal para trabalharmos – do desejo à necessidade -, não o faríamos, não é mesmo? Porém, a discussão não é tão rasa assim.
Segundo Tatiane, a pandemia teve impacto direto na produtividade e na performance das pessoas. E esse impacto precisa ser compreendido. “Há pessoas que performam bem, mas há aquelas que mesmo com toda a oferta de benefícios e outras recompensas, não conseguem render. Com a chegada da Covid-19, muitos líderes se viram diante da dificuldade de motivar e engajar. A teoria do gestor de motivos teve início com o questionamento: o que faz um profissional, mesmo com todas as adversidades, continuar focado em seus objetivos?’. Temos o hábito de separar pessoal do profissional, mas o profissionalismo exige que se lide com as duas esferas”.
Não à toa, a entrevistada reforça que os líderes conseguem melhores resultados com seus times de trabalho à medida que focam seus esforços também em ações que possam ajudar as pessoas além da empresa. Se os indivíduos se sentem seguros, o espaço de trabalho deixa de ser um ambiente que pode promover alguma hostilidade ou incômodo que se transforma em desmotivação.
Mas em meio a isso, quem cuida dos líderes e do RH para que eles também estejam mentalmente bem e seguros?
“Gosto de comparar o RH com o empreendedor. Ele precisa, naturalmente, desenvolver mindset intraempreendedor para conseguir performar. Assim como o empreendedor, se ficar esperando que o entorno o motive, não sai do lugar. O RH e o líder precisam ter habilidade de se automotivar.”
– Painel Final – Bate Papo entre Flávia Lippi, Cris Kerr e Silvio Paciello
Para fechar o evento com chave de ouro, o trio que abrilhantou o RH Web Talks mergulhou em um bate-papo descontraído sobre os mais diversos assuntos voltados à saúde mental e à diversidade.
Paciello bate na tecla de que, ao se falar de performance, não há diferenças entre homens e mulheres. O VP de RH da Ericsson insiste que cada perfil de pessoa tem suas virtudes, fortalezas e fraquezas e, portanto, é preciso “forçar” as empresas a sair da sua zona de conforto – que é desconfortável para muitas pessoas.
“Se a empresa não for questionada, ela não vai mudar. Todas as grandes organizações têm programas de diversidade e inclusão sobre percentual de mulheres por nível hierárquico. Esse contexto tem que ser igualitário. Se meu produto quer ser democrático, preciso ouvir toda a população, expandir a amostragem”, diz.
No debate, Cris levanta o processo seletivo realizado pelo Magazine Luiza que gerou não só polêmica, como também processos. Após a companhia abrir vagas exclusivas para profissionais negros, as redes sociais se tornaram palco de diversos ataques preconceituosos contra a instituição.
“Muitas pessoas acreditam que foi uma ação de marketing, mas não foi o caso. Há um comitê, do qual fiz parte, para combater as desigualdades, desconstruir vieses e colocar pessoas diferentes para trabalharem juntas e conviverem, aprenderem. Luiza [Trajano, dona da rede Magazine Luiza] mapeou que havia um número escasso de lideranças negras e criou uma ação afirmativa para acelerar esse processo de aumentar a representatividade. Nós temos o hábito de associar cotas à incompetência, quando na verdade elas são um processo transitório para diminuir a desigualdade. Sou a favor das empresas olharem mais para isso e criarem metas.”
Por Bruno Piai e Gabriela Ferigato