Nos últimos meses, tornou-se natural encontrar a demissão como um assunto recorrente no TikTok. Movimentos como o #quitmyjob e o #quietquitting ganharam força na plataforma, com usuários compartilhando suas insatisfações com o trabalho e até mesmo transmitindo em tempo real o seu pedido de desligamento.

A temática não é, naturalmente, exclusiva da rede, uma vez que em outras, como no LinkedIn, é mais do que normal navegar por desabafos, reclamações e mobilizações referentes a demissões, sejam elas decisão própria ou do empregador. No entanto, a relação do TikTok com colaboradores saindo de seus empregos pode estar chegando a um nível um pouco além: a rede social vem sendo o espaço para que profissionais tomem atitudes repreensíveis por parte das empresas, inclusive com demissão.

No início do mês, um profissional da cidade de Catalão (GO) teve recurso negado pela Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região após tentar reverter a demissão sofrida por justa causa. O que motivou o desligamento foi o colaborador expor no TikTok um vídeo no qual usou um áudio do jornalista Caco Barcellos, em um dos programas Profissão Repórter, para narrar o dia a dia de um colega de trabalho. O porém é que o áudio se referia a um episódio sobre o vício em crack, e a narração escolhida para falar do colega dizia: “Como está quase sempre sob o efeito da droga, ele não tem forças para trabalhar. E o pouco que ganha, vira fumaça”.

A empresa em questão possui, segundo o desembargador, uma política de mídias sociais, na qual é vedada a utilização das mesmas para assediar, ameaçar, difamar, caluniar, entre outras ações prejudiciais aos stakeholders do negócio. Foi levantado também que o colega filmado não sabia que estava sendo gravado.

Um outro caso recente envolvendo uma “brincadeira” de mau gosto envolve a Apple. A gigante da tecnologia dispensou o vice-presidente de compras da empresa, Tony Blevins, após ele fazer um comentário machista em um vídeo divulgado no TikTok.

Ao ser abordado pelo influencer Daniel Mac, famoso por produzir conteúdos com proprietários de carro, Blevins resolveu utilizar uma frase em referência ao filme “Arthur, o Milionário Sedutor”, de 1981, ao ser questionado sobre o que fazia da vida. Contudo, o trecho escolhido pegou mal e causou incômodo dentro da companhia, o que motivou sua demissão. A frase dizia: “Tenho carros, jogo golfe e acaricio mulheres com seios grandes, mas folgo nos fins de semana e feriados importantes”.

Ambos os casos não são exclusivos, mas sim parte de uma onda de demissões causada por conteúdos produzidos no TikTok. O que nos leva à pergunta: não há uma dimensão real do quanto a plataforma, assim como outras redes sociais, pode ou não impactar a carreira?

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Para o bem e para o mal

De acordo com a consultora de carreira e analista de RH, Letícia Nóbrega, o TikTok, hoje, pode ser um dos maiores impulsionadores da carreira profissional. Por ser uma rede que fala com o público jovem, muitas organizações já fazem parte do ecossistema de conteúdos da plataforma e até mesmo recrutam por meio dela.

“O TikTok tem uma pegada criativa, jovial, dinâmica. Em pouco tempo, você consegue dizer muito. Portanto, há um conjunto de situações que atraem as organizações. Profissionais que sabem utilizá-lo para passar mensagens descontraídas, mas informativas e sem que haja algum tipo de discriminação ou desrespeito, podem chamar atenção de muitos negócios” diz.

O mesmo potencial para alavancar uma carreira, no entanto, vale para impactá-la negativamente. Letícia salienta que, ao mesmo tempo que as pessoas criam suas bolhas, elas desejam viralizar, serem vistas e furar esse espaço. Porém, isso exige que o conteúdo publicado seja ainda mais cauteloso.

“O relatório de abril da We Are Social com a Hootsuite revelou que o TikTok tem quase 74 milhões de usuários no Brasil e já é a quinta maior rede do país. A estrutura dele foi criada para viciar. Há quem o utilize mais do que o próprio Google para fazer buscas. E por conta de seu potencial de viralização e formato de seu conteúdo, as pessoas querem estar nele, querem se expor. Só que essa exposição pode chegar ao empregador, ao RH e nem sempre o lado corporativo vai ver graça no que é postado”, pontua.

Ingressos Top of Mind

Para alcançar um equilíbrio e desenvolver um personal branding que não termine em demissões, é importante que os profissionais se atentem ao fato de que tudo o que postam nas redes sociais pode ser observado e também não se esqueçam que muitas organizações têm códigos de conduta específicos sobre o tema, os quais devem ser conhecidos.

“É claro que ter uma boa imagem nas plataformas digitais pode abrir portas na carreira, mas o primeiro passo é a consistência do profissional em como ele se orienta no processo de escolha e tomada de decisões, principalmente as que trazem maiores consequências para a sociedade”, elucida Uranio Bonoldi, especialista em tomada de decisão, carreira e negócios.

O advogado Leandro Sala, por sua vez, reforça que, embora, ao pé da letra, as organizações não possam exigir como um colaborador deve ou não utilizar suas plataformas sociais, o descumprimento do código de ética nas redes pode, sim, justificar uma demissão. E em casos como o da cidade de Catalão, a justa causa aplicada não fere nenhum direito trabalhista, segundo o especialista.

“Podemos nos recordar também do famoso caso da dança da ex-empregadora que processou a joalheria onde trabalhava. Ao dançar com as amigas, escrever ‘eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica’ e incluir testemunhas do processo na coreografia, a juíza passou a não considerar o depoimento das mulheres e ainda aplicou uma multa à ex-empregada. É sempre bom lembrar que, embora pareçam, redes sociais não são terra sem lei. O que é feito nelas pode ter sérias consequências no mundo real, sejam elas positivas ou negativas. A rede social não causa a demissão de ninguém, mas o uso indevido, sim”, finaliza.

Por Bruno Piai