No início de minha carreira ouvi um executivo de uma multinacional afirmar: “Se estou perto de alguém do escritório, estou trabalhando!“. Isto incluía obviamente não só o ambiente de trabalho, mas também os almoços com colegas, festas de fim de ano, coquetéis, “happy hours“, convenções da companhia, viagens a negócios, encontros e jantares sociais com amigos do escritório, etc..
Resolvi seguir esse conselho e desde então os momentos que fiquei à vontade e que não estava “trabalhando” foram quando estava com a minha família, em ambiente religioso, esportivo ou qualquer outro que nada tivesse a ver com o meu trabalho.
Por outro lado, assisti a grandes quedas profissionais e carreiras literalmente destruídas, por “cascas de banana” espalhadas nos ambientes “informais”. Estas podem vir da alegria ou coragem causados por alguns “drinks” a mais, por confiar no seu melhor amigo ou amiga, pela ilusão de que naquele momento “não está trabalhando”, por um simples desabafo de que não aguenta mais o seu chefe. Enfim, há muitos motivos para os “escorregões”.
Todos esses cuidados permanecem válidos até hoje, porém, como jovem, você tem um desafio adicional àqueles que tive, e ainda com enormes proporções: as redes sociais. Estas fazem com que você esteja “trabalhando” em casa, em uma festa, em uma viagem de férias, vendo TV ou até mesmo contando uma piada.
Não se trata de nenhum “Big Brother” vigiando, mas você mesmo convida o mundo para entrar na sua privacidade. Isto não significa que você não deva fazer postings, mas sim ter a consciência de que isso fará parte da construção de sua imagem, inclusive a profissional. Os exageros, porém, são o grande problema. Vou citar alguns exemplos (*):
No dia 18/7/2022, várias mídias, incluindo a recordtv.r7.com publicou o caso de uma jovem, que na saída de um depoimento na Justiça do Trabalho, postou no Tik Tok uma cena dela dançando com duas testemunhas do caso. A juíza em questão, anulou os depoimentos das testemunhas e aplicou multa por litigância de má-fé (conduta abusiva ou corrupta realizada por uma das partes no processo).
Uma adolescente do Texas chamada Cella, logo após a sua contratação para trabalhar em um restaurante em Houston, postou no Twitter expressões com palavrões ao descrever o que seria o dia seguinte no início do novo emprego. Suas amigas devem ter achado engraçado, menos o seu futuro chefe, que ligou dizendo que ela não precisava se preocupar em aparecer no novo emprego na manhã seguinte (publicação no site expertmarket.com de 12/6/2020).
O Tribunal Regional do Trabalho do Paraná considerou procedente a dispensa por justa causa de um técnico instalador de uma firma de engenharia, que postou nas redes sociais sua dança com colegas, do então “Harlem Shake”, em cima dos equipamentos do cliente, e ainda expondo a sua logomarca.
Imagine-se desembarcando de um voo internacional e ao ligar o celular você saber que perdeu o emprego. Pior: literalmente o mundo inteiro soube antes de você. Foi o que aconteceu com Justine Sacco em 2013, uma executiva de Relações Públicas, ao desembarcar em Johanesburgo, África do Sul. Antes de embarcar ela twittou: “Indo para a África. Espero não pegar AIDS. Brincadeira. Sou branca!”. Justine tinha apenas 170 seguidores, mas o tweet viralizou globalmente, destruindo a sua carreira enquanto ela voava (publicado em carreers.workopolis.com em 27/4/2017).
A 7ª Turma do TRT da 2ª Região de São Paulo manteve a dispensa por justa causa do empregado de uma rede de supermercados do litoral paulista que postou conteúdo ofensivo à empresa. O trabalhador compartilhou uma notícia no Facebook que era prejudicial à imagem da companhia e escreveu um comentário jocoso sobre a situação (publicação de 7/7/2022).
A exemplo do site uolnoticias.com.br do dia 7/6/2022, inúmeras outras mídias e redes sociais do país inteiro publicaram o caso da estagiária da Secretaria de Administração de São Francisco do Sul, no Norte catarinense. Esta foi demitida após gravar um vídeo dançando “funk” no local de trabalho (tentou justificar afirmando que estava fora do horário de expediente) e publicar na internet. Segundo a administração municipal, ela usava o uniforme e o crachá do trabalho.
O caso mais recente de uma personalidade internacional com enormes repercussões foi a da primeira-ministra da Finlândia, Senna Marin, de 36 anos (uma das mais novas do mundo). Cantando e dançando até o chão, foi filmada em uma festa particular e o vídeo viralizou rapidamente. Isso causou muitas manifestações pela relevância de seu cargo. Pressionada pela oposição, fez um teste toxicológico para rebater a acusação de que estava drogada.
Em outra publicação do TRT-SP de 13/3/2022 o juiz da causa afirmou que… “A liberdade de expressão tem limite e quem extrapola esse direito deve ser responsabilizado“. Esse foi o seu entendimento ao manter a dispensa por justa causa de funcionária que ofendeu a unidade de uma grande rede de drogarias no Facebook. Em seu post sobre sintomas de exaustão, usou um palavrão para apontar suposta contradição entre a boa fama da empresa e o ambiente de trabalho ruim do local.
O site conversation.com publica artigos escritos por jornalistas e acadêmicos, sempre baseados em pesquisas. Fundado em 2011 em Melbourne, na Austrália, hoje tem colaboradores em vários países. Em um artigo e estudo a respeito de posts na Internet publicado em 6/6/2022, começa com o seguinte parágrafo:
“O que você faz e fala nas mídias sociais, pode afetar o seu emprego; pode impedir que você seja contratado, congelar o progresso de sua carreira e pode até fazer com que você seja despedido” (tradução livre).
O artigo segue com os resultados de uma pesquisa de 312 artigos de pessoas que foram despedidas em razão de posts em mídias sociais:
- 28% foram casos relacionados a racismo,
- 17% originados em conflitos no ambiente de trabalho,
- 16% focados em conteúdos ofensivos, insensíveis ou piadas de mau gosto,
- 8% tiveram origem em atos de violência ou abuso,
- 7% em razão de outros tipos de discriminação e
- 5% por “conteúdo político”.
Os fatos acima são uma pequena ponta do “iceberg” dos milhares de casos no mundo todo. São pessoas que perderam o emprego e cujo fato nem mesmo se tornou público.
Você vem de uma adolescência na qual a grande maioria tem publicado de tudo, entre fotos e conteúdos e escrevendo de qualquer forma. Aliás, a popularidade aumentava, quanto mais você fosse ousado entre as suas amizades. A partir de agora, porém, você começa a construir a sua imagem, que também determinará o seu futuro.
A tecnologia já deixou para trás a discussão se isto é ético ou se trata de uma invasão de privacidade. Já é uma realidade há muito tempo.
Basta fazer um teste: coloque o seu nome no Google e veja todas as imagens que são captadas de suas redes sociais. Se apenas uma delas pode causar algum desconforto junto aos seus empregadores, você tem uma importante decisão a tomar: manter a sua “autenticidade”, ou trabalhar para formar a sua imagem profissional.
Afinal, na construção do grande “mosaico” de sua carreira, não pode haver nenhuma “pedra fora de estética”!
(*) Colaboração do Dr. Marcelo Alexandre (OAB-SP 316.839) nas pesquisas jurisprudenciais
Por Danilo Talanskas, autor do livro “Lições de Guerra – Vencendo as Batalhas de Sua Carreira“, foi o CEO de três multinacionais: GE Healthcare, Rockwell Automation e Elevadores Otis. Em paralelo à sua carreira como executivo, atuou como palestrante e professor em cursos de pós-graduação nas áreas de Estratégia, Ética e Negócios Internacionais. Nos últimos anos fez parte de conselhos de administração, conselhos consultivos e assessora empresas. É formado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com MBA pela Universidade de Brigham Young (EUA) e é mestre em Administração pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Atualmente assessora a Fernandez Mera Negócios Imobiliários Ltda.
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