Uma dancinha na rede social TikTok anulou um processo trabalhista movido por uma ex-funcionária de uma joalheria de São Paulo contra a empresa a qual trabalhava e, além disso, rendeu uma multa para a profissional e suas duas testemunhas.

No fim de 2021, a profissional entrou com uma ação pedindo o reconhecimento na carteira de trabalho, dano moral pela omissão do registro e dano moral por tratamento humilhante em ambiente de trabalho.

Acontece que, no mesmo dia em que prestou depoimento em uma audiência por videoconferência, em novembro de 2021, ela publicou um vídeo em seu perfil no TikTok com as duas testemunhas levadas por ela para depor. No vídeo, as três aparecem dançando com a seguinte legenda: “Eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica”.

Reprodução TikTok

A dona da joalheria apresentou o vídeo como prova de que a ex-funcionária tinha uma relação de amizade com as testemunhas. A juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) 2ª Região, de São Paulo, aceitou a argumentação da empresa, anulou os depoimentos e aplicou uma multa por litigância de má-fé (conduta abusiva ou corrupta realizada por uma das partes no processo) equivalente a 2% do valor atribuído ao processo em favor da companhia à ex-funcionária e às duas testemunhas. Os magistrados concluíram que o vídeo comprometeu os testemunhos apresentados.

“Trata-se de uma atitude jocosa e desnecessária contra a empresa e, ainda, contra a própria Justiça do Trabalho. Demonstra, ainda, que estavam em sintonia sobre o que queriam obter, em clara demonstração de aliança, agindo de forma temerária no processo, estando devidamente configurada a má-fé”, afirmou a desembargadora, Silvia Almeida Prado Andreoni.

Apesar de desconsiderar as testemunhas, a Justiça do Trabalho condenou a empresa a pagar à jovem outros direitos trabalhistas pedidos por ela na ação, como 13º salário proporcional; férias proporcionais com acréscimo de 1/3; FGTS e multa de 40% e horas extras.

Pode comemorar processo trabalhista? 

Neste caso específico, caso a jovem estivesse sozinha, apenas a dança não seria suficiente para reverter a decisão da Justiça, segundo Claudia Securato, sócia do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogado, especialista em direito trabalhista.

“Isso porque, de acordo com o art. 829 da CLT, a testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação. Logo, a dança e a brincadeira acompanhadas das testemunhas serviram como prova de que as testemunhas eram amigas íntimas da Reclamante, o que levou a desconsideração dos depoimentos das testemunhas”, explica a advogada.

Conforme complementa Stella Castro, sócia da área trabalhista do Demarest, todo o cenário exposto no vídeo levou à desconsideração dos relatos das testemunhas. “A legenda ‘Eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica’ e a música ‘essa é para você novinha, JT’ indicavam a amizade entre a reclamante e as testemunhas, além da animosidade e o tom de deboche em relação à empresa”, destaca.

Exposição nas redes sociais

Será que esse tipo de conduta pode ser considerada uma nova jurisprudência contra pessoas que possam vir a expor empresas nas redes sociais? Segundo Claudia, divulgar fatos e comentários, seja com xingamentos ou agressividade, em redes sociais, onde existe notório potencial de alcance público, provoca danos ao patrimônio imaterial de pessoa jurídica.

“Inclusive, de acordo com decisão recente, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, um empregado que realizou uma live no Facebook para difamar a empresa onde trabalhava foi condenado a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais causados à empresa de onde foi demitido”, complementa.

Stella lembra que, neste caso específico, não consta no vídeo qualquer alusão ao nome do empregador, mas já há julgados, como mostra o exemplo acima, em que houve o reconhecimento do ato faltoso de empregado que expõe indevidamente o empregador em redes sociais.

Segundo o G1, a jovem entrou com recurso sobre a decisão de anular os depoimentos das duas testemunhas e de não ser indenizada por danos morais, além de pedir pelas horas extras e reflexos. Contudo, o TRT-2 manteve a sentença em 2ª instância e ainda negou pagamento das horas extras.

Por Gabriela Ferigato