Colocar em prática a abordagem sistêmica para desenvolver e reter talentos ou continuar em escaladas de disputa?
A possibilidade de aumento salarial e de benefícios continua tendo um grande peso na hora que o profissional decide trocar de emprego. As ofertas materiais (que, agora, incluem a possibilidade do trabalho hibrido) permanecem como forte fator de atração a bons profissionais, o que alimenta uma ‘inflação salarial’(1) e dificulta os planos de retenção. Uma pesquisa global feita em 2022 com cerca de 34 mil trabalhadores ratifica essa informação. Nela, 45% responderam que “querem um salário maior”, enquanto 22% se declararam descontentes com a função atual.
O turnover de bons profissionais tem se mostrado alto, inclusive dado o advento do trabalho híbrido/remoto e de menores laços entre os profissionais (já que as pessoas têm se encontrado apenas virtualmente). Nesse cenário, muitas empresas travam disputas para substituir profissionais que saem das empresas e levam seus skills para outras. Pesquisas ratificam que embora as ofertas de verbas salariais competitivas tenham destaque para atrair talentos, elas deixam de ser as mais eficientes para a retenção. Nessa dinâmica, sabe-se que essas empresas acabam tendo gastos superiores para atrair os novos talentos do mercado, do que se tivessem desenvolvido (e retido) os seus.
O recente artigo Rethink your employee value proposition, publicado em fevereiro de 2023 na HBR, reforça que essas ofertas relacionadas com remuneração, recompensas e condições físicas de trabalho, chamadas como ‘ofertas materiais’ para atrair talentos podem ser uma armadilha, pois elas são fáceis de serem imitadas pela concorrência.
Atrair e Reter são movimentos geralmente ditos em conjunto, porém, nessa batalha (curto versus longo prazo), podem acabar concorrendo entre si. A respeito da retenção, se as iniciativas forem isoladas, cascateadas e/ou oferecidas uma a uma, elas perdem a força.
A lógica de competição do mercado de trabalho, assim como a preocupação por parte dos profissionais com sua ‘empregabilidade’ e com seu autodesenvolvimento, foi explicada há cerca de duas décadas (1999), quando as tradicionais promoções (verticais) já haviam sido reduzidas pelas reengenharias. Peter Cappelli, em seu livro The new deal at work, comentou que: “se a relação de emprego duradoura e tradicional era como um casamento, a nova relação de emprego é como um repetido divórcio e recasamento, uma série de relações íntimas governadas pela expectativa de que precisam funcionar bem e, no entanto, inevitavelmente não irão durar”. O desafio atual foca em como reter os talentos (profissionais capacitados (2), que desempenham um trabalho de forma diferenciada/superior aos semelhantes, que investem sua energia e obtêm o “melhor desempenho pessoal consistentemente”)(3), inclusive para os planos de sucessão.
Muitos talentos acabam se sentindo encapsulados por gestores que não querem nem conversar sobre perspectivas de mobilidade de carreira (como a equipe está batendo/superando metas, esses gestores não querem perdê-los). Outros talentos se depararam com processos decisórios confusos e lentos. (4) Outros ficam insatisfeitos com a forma que a empresa está conduzindo sua Responsabilidade Corporativa Social e Ambiental na atualidade. Quando o talento não está engajado, o radar do ‘mercado’ o captura novamente, com uma nova proposta salarial atrativa (outra disputa).
Reter os talentos não se limita a uma lógica de repetidas propostas e contrapropostas materiais de curto prazo4. Com o tempo, à medida que o profissional conhece e vive os desafios do job/trabalho, conhece as equipes e a Cultura da empresa, a importância atribuída ao salário passa a ser secundária1.
O citado artigo afirma que a abordagem de retenção dos talentos precisa ser gerenciada de forma holística, o que parece “intuitivamente fácil de apreciar”, mas não está em prática. Três fatores complementares a serem entrelaçados às ofertas materiais são mencionados:
- a oportunidade de crescimento e desenvolvimento (77% de líderes pesquisados pela Mckinsey concordaram com a importância do treinamento feito nas empresas);
- o senso de conexões com pessoas (sociais);
- o significado do trabalho/propósito (e que eles sintam que podem se expressar com franqueza – segurança psicológica e que sintam que estão contribuindo com a sociedade local e global).
Portanto, essas ações precisam ocorrer de forma sistêmica (não apenas em cartadas sequenciais) para que não haja o risco de que uma iniciativa enfraqueça a outra.
Pode ser interessante analisar esse movimento bem orquestrado de retenção juntamente com o ‘modelo de impulsionadores da motivação’ propostos por Nohria, Groysberg e Lee, que analisou indicadores de: i. envolvimento; ii. satisfação; iii. compromisso; e iv. intenção de deixar a empresa. Segundo esses autores, a motivação não se limita a satisfazer fatores de ‘aquisição’ (outra forma de chamar as ofertas materiais), pois requer que os laços interpessoais do profissional sejam reforçados (as conexões), que o profissional compreenda bem seu papel na empresa, e que ele se identifique com um senso de justiça/equidade/transparência da empresa.
Então, os esforços de ‘Retenção’ merecem ser tratados tanto sistemicamente, como continuamente, considerando que anseios dos talentos são dinâmicos? Podem ser afetados por políticas prol das diversas partes interessadas (sociedade e ambiente), não apenas voltadas para os acionistas? Requerem que o espaço seguro para o diálogo não se limite à fase das entrevistas de seleção?
E, por fim, cabe a atenção acerca de como as empresas dedicam suas políticas de bem-estar dos seus profissionais (para que eles queiram continuar trabalhando nelas).
Pergunta-se como essas iniciativas promovem a saúde física e mental dos trabalhadores, se os profissionais não estão nem tirando suas férias completas?
(1) Pesquisa e relatório LHH Global Workforce of the Future
(2) Ansar, N., & Baloch, A. (2018). Talent and talent management: definition and issues. IBT Journal of Business Studies (JBS), 1(2).
(3) Nijs, S., Gallardo-Gallardo, E., Dries, N., & Sels, L. (2014). Uma revisão multidisciplinar na definição, operacionalização e medição de talentos. Jornal de Negócios Mundiais, 49(2), 180-191.
(4) Mckinsey Training your own capital project talent.
Por Samantha Broman, Professora do Instituto COPPEAD de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ), na área de Comportamento Organizacional / Liderança / Gestão de Pessoas. Em ESG é GRI Certified Sustainability Professional, pela GRIAcademy como Nominated Trainer COPPEAD e leciona na ênfase ESG do MBA executivo. Coordena cursos executivos.
Doutora e mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAG/PUC-Rio), possui 21 anos de experiência profissional corporativa, em empresas multinacionais (Grupo Shell e no L’oreal), em finanças e em Controles Internos- Auditorias, com missão internacional (EUA) e gerencia zona America Latina. Em 2021, atuou em empresa de Telecomunicações.
Interesse de pesquisa em Comportamento Organizacional, ESG – Corporate Responsibilities incluindo Comportamento Compliance e Sustainability Reporting, Rotinas/Processos Organizacionais, Gestão Pessoas e Equipes. Possui artigos pulicados em revistas científicas e participa do European Group of Organizational Studies – EGO’s. Lecionou em MBAs do IBMEC RJ management e online (2014 – 2021) e em MBA de Gestão e na graduação da UFRJ-FACC de 2016 a 2019. Em 2015 recebeu prêmio de excelência como professora de finanças no MBA do Ibmec online.
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