O recente caso de trabalho análogo à escravidão em algumas vinícolas no Rio Grande do Sul traz, além das questões óbvias de respeito e legalidade aos trabalhadores, sinais de alerta importantes em um âmbito menos aparente: a importância de gerir o ecossistema de negócios da empresa.

Ecossistema de negócios pode ser definido como a integração de todas as relações que permitem que a organização construa seu valor. Esta rede de interações contém, naturalmente, a própria organização, isto é, tudo aquilo que está “intra-muros” da empresa.

Este é o espaço que, usualmente, entendemos como alvo da gestão, é o objeto das estratégias, iniciativa, metas, e acompanhamentos. É também o campo onde vivem as relações entre os colaboradores, onde se busca desenvolver um ambiente de trabalho sadio e onde as lideranças atuam. No coração virtual deste espaço intra-muros está a essência da organização, sua história e DNA, seu propósito de existência.

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Porém a organização ganha vida apenas quando a interação com todos os espaços “extra-muros” ocorre. São as interações com os clientes, por meio de serviços ou produtos, as interações com os fornecedores e parceiros, com as comunidades de pessoas impactadas pela existência da operação, com os investidores, apenas para citar os mais relevantes.

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É neste campo “extra-muros” que observamos a respiração da organização, convivendo e se relacionando com todos os agentes desta rede que viabiliza a existência, construção de valor, e geração de impacto em diferentes níveis: econômico, social, ambiental, humano.

Este campo é bastante menos percebido, trabalhado e priorizado na gestão das organizações. E por bons motivos: é mais complexo por conter mais agentes, a ação da organização neste campo é indireta (por indução, acordos e influência), e, muitas vezes, a liderança e/ou acionistas não consideram relevantes aspectos (apenas) aparentemente dissociados do resultado econômico imediato. Podemos comparar o “extra-muros” com a face escura da lua, que nunca enxergamos diretamente.

É fundamental nos darmos conta de que é justamente neste “lado escuro” que ocorrem muitas das experiências da organização. Toda interação na rede de valor é uma experiência associada com a marca dessa organização. Como no filme, experiências geradas por uma marca/empresa ocorrem “todas ao todo lugar ao mesmo tempo”.

Em uma frase simples: todas as relações que a organização tem com todos os públicos (stakeholders), em todos os ambientes, a todo momento, geram experiências e impacto. Isto implica ultrapassar, em muitas dimensões, os muros da empresa.

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Neste ecossistema todas as experiências trazem embutidas um impacto e, em um âmbito mais crítico, uma responsabilidade. Uma empresa que utiliza um terceiro para gestão de recursos humanos temporários, por exemplo, há que se dar conta de que esta é uma experiência associada com sua marca, com sua organização. A natureza do impacto causado por esta experiência é, por construção, responsabilidade da organização, uma vez que o resultado e valor gerados serão por ela apropriados.

Buscar geração de resultados sem considerar o impacto em um grau sistêmico, isto é, em todo o ecossistema de negócios, implica não haver o correspondente e necessário grau de responsabilidade e amadurecimento na gestão. Esta dinâmica deve, ao longo do tempo, corroer a percepção de valor da organização.

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Em alguns casos porém, como na situação das vinícolas, a perda de valor é instantânea, em especial nesta época de comunicação em rede online, em tempo real. É uma época que rapidamente torna evidentes e transparentes as ações, reações e relações de uma empresa. Um contexto que não admite discursos incoerentes com a prática.

A compreensão desta realidade de gestão requer um passo e um esforço a mais da liderança e dos acionistas no sentido de construir coerência entre estratégia e cultura em todas as dimensões de seu ecossistema.

Será necessário investir em pessoas, processos, ferramentas, e comportamentos de liderança e gestão que dêem conta de um grau maior de complexidade. A questão é que esta complexidade sempre existiu, apenas não se mostrava relevante para as organizações em outros tempos. Atualmente se revela imprescindível.

No caso das vinícolas, cabe a pergunta: qual o valor de um século de trabalho de construção de valor de uma marca?

O caso das vinícolas: risco e valor do ecossistema de negócios

Por Marcos Thiele, sócio da Adigo Consultoria é formado em  engenharia de produção pela Escola Politécnica da USP, mestre em administração pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Atuou por mais de 18 anos como executivo de grandes instituições financeiras globais, nas áreas de tesouraria, riscos, finanças, planejamento e estratégia. Coordenou projetos institucionais de integração pós-fusão/aquisição, assim como projetos de transformação de larga escala. 

Ouça também o PodCast RHPraVocê, episódio 87, “Faz sentido falar em meritocracia na gestão de RH?” com Gustavo Mançanares Leme, Sócio Diretor da Tailor | Headhunter & Estrategista de RH e Renata Meireles, Gerente Sênior Pessoas & Performance da Cyrela, ambos colunistas do RH Pra Você. Clique no app abaixo:

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