De acordo com um levantamento realizado pelo instituto de pesquisas econômicas National Bureau of Economic Research (NBER), as empresas brasileiras oferecem mais dias de home office do que elas gostariam. Enquanto os gestores acreditam que um dia de trabalho a distância é o ideal, em média as organizações que atuam de forma híbrida permitem que os colaboradores trabalhem dois dias por semana longe do escritório.

A volta para o trabalho presencial não apenas é um desejo, como também já motivou o crescimento de movimentos como o The Great Mismatch, que representa o desalinhamento entre gestores e colaboradores. Enquanto nunca houve tantos profissionais buscando oportunidades híbridas ou 100% remotas, cada vez mais organizações visam abolir o trabalho a distância.

“É uma conta difícil de fechar. Pesquisas recentes, como da Revelo, revelam que quase 80% das pessoas que atuam remotamente preferem perder o emprego a voltar para o escritório. Isso vai muito além de aspectos como cultura organizacional ou afins, é uma questão de poder de gestão de tempo. Como tirar isso do colaborador? Se as empresas estão tão determinadas a retomar o ritmo presencial, elas precisam ter um plano muito bem estabelecido para não perder seus melhores talentos”, destaca a psicóloga Ana Paula Costa.

Nos Estados Unidos, o movimento para os trabalhadores voltarem ao escritório é intenso. Diversas empresas vêm oferecendo bônus e benefícios extras na tentativa de incentivar as pessoas a deixarem o home office. A taxa de ocupação dos escritórios já ultrapassa os 50% e cada vez menos vagas remotas são oferecidas. A iniciativa vem gerando insatisfação

Na Disney, o que começou com um pedido para os times do escritório voltarem ao presencial duas vezes por semana rapidamente se expandiu para quatro dias. A medida motivou mais de 2,3 mil funcionários a assinarem uma carta de protesto, solicitando que o CEO reconsiderasse. Só não funcionou.

Outro caso ocorreu em maio deste ano, quando funcionários da Amazon protestaram em frente a uma das sedes da gigante do varejo contra a ordem de que deveriam trabalhar três dias presencialmente.

O que explica esse movimento?

Ana Paula pontua que uma série de fatores explica a intenção das organizações em voltar para o escritório. Alguns deles são econômicos. Tendo novamente a terra do Tio Sam como base, na capital Washington trabalhadores estavam economizando, anualmente, mais de US$ 4 mil com o home office. O que é bom para eles tornou-se uma grande preocupação para comerciantes locais. Projeções da Bloomberg identificaram que até US$ 12 bilhões deixam de ser gastos nas imediações dos escritórios em decorrência do teletrabalho.

Para a psicóloga, no entanto, o fator que mais justifica a queda do trabalho remoto é a dificuldade das empresas para gerir os times a distância. Pontos como segurança de dados, falta de capacitação dos líderes e necessidade de controle são determinantes.

“Por mais que, individualmente, o home office funcione para muitas pessoas, o gestor nem sempre consegue ver o valor coletivo do modelo. Empresas que lidam com documentos mais delicados, que exigem maior controle e segurança, não confiam na gestão remota. Além disso, uma vez que o treinamento e o desenvolvimento de pessoas ainda é deixado de lado no Brasil, líderes que já têm dificuldades para liderar remotamente sofrem em dobro com o home office. Isso tudo sem contar aqueles que simplesmente odeiam o trabalho remoto e ponto”, salienta.

Veja mais: O home office está com seus dias contados?

Como promover o retorno?

Quando o retorno ao escritório se torna, então, inevitável, seja pela dinâmica de trabalho ou pela alta gestão não abrir mão disso, é necessário as organizações traçarem estratégias para não terem quedas bruscas de engajamento e produtividade.

Diferentemente de discursos como o do CEO da imobiliária Gurner Group, Tim Gurner, que é a favor do aumento do desemprego para que os colaboradores sejam “menos arrogantes” e não se esqueçam que são as empresas que mandam no mercado e não eles, as organizações podem buscar ações que favoreçam ambos os lados.

“Se o intuito é ter os colaboradores no escritório, pelo fato de que a empresa enxerga fatores benéficos no trabalho presencial, é importante saber o que tem motivado esses profissionais a optarem pelo trabalho à distância”, diz Uranio Bonoldi, escritor e especialista em carreira.

Pesquisa Infojobs

De acordo com pesquisa do site de recrutamento Vagas.com para o software Vagas For Business, os três principais motivos pela preferência pelo home office entre brasileiros são: não precisar se locomover para o trabalho (13,9%), ter tempo para cuidar da família (11,7%) e ter tempo para outras atividades (11,7%). “Contudo, é bom saber como essas motivações se alteram pela faixa etária, nível de qualificação, localização geográfica e área de atuação, porque as prioridades mudam e isso pode ser fundamental para os negócios”, aponta o escritor.

Para o especialista, empresas que precisam de mais trabalhadores in loco podem considerar ofertas de benefícios, desde coffee breaks a alterações nos espaços físicos para tornar a ambientação mais agradável ou abrigar uma creche, por exemplo.

“É bom pensar no que a organização pode oferecer e que em casa o colaborador não teria, ou representa uma grande dificuldade de adequação com o horário de trabalho. Desta forma, o deslocamento para o local de trabalho parecerá vantajoso, não sendo necessário fazer discursos motivacionais para estimular o serviço presencial. Os próprios profissionais tomarão essa decisão”, aponta.

O recrutamento de colaboradores já deverá levar em conta essa necessidade do trabalho presencial, em uma busca por aqueles que têm perfil para esse modelo. “Há uma questão pouco discutida que é a preferência individual do trabalhador, aquilo que é imutável na sua personalidade. Para algumas pessoas, é fundamental estar em contato com os outros, e o home office as priva de interações sociais. Então, as empresas que precisam dos colaboradores presencialmente podem também levar em conta essa questão quando forem buscar novos profissionais, porque terão em seus quadros aqueles que estão mais alinhados com suas demandas”, opina Bonoldi. 

Entretanto, o escritor não descarta que a necessidade pela flexibilização do trabalho acabe se impondo. “Em muitas partes do mundo, já há uma dificuldade para encontrar profissionais que queiram trabalhar no escritório cinco ou mais dias por semana. Isso é algo que empresas brasileiras devem ter em mente quando se pensa na gestão de pessoas”, finaliza.

Por Bruno Piai