Estar entre os dez países do mundo que mais violam direitos trabalhistas passa longe de ser um fator de orgulho para qualquer nação. Segundo um levantamento da Confederação Sindical Internacional (CSI), com base em dados analisados entre abril de 2021 e março de 2022, o “top 10 às avessas” conta com uma presença ilustre: o Brasil. O país é considerado, de acordo com o estudo, um dos piores países do mundo para se trabalhar.

Ao nosso lado, as outras nove nações que, entre 148 estudadas, figuram nas últimas posições, são: Bangladesh, Belarus, Colômbia, Egito, Essuatíni, Filipinas, Guatemala, Mianmar e Turquia. No recorte brasileiro, as principais justificativas apontadas pelo relatório para impor ao país uma posição tão negativa no ranking são “medidas antissindicais” e “violação de acordos coletivos”.

A análise mundial destaca que os acordos favoráveis ao trabalhador “colapsaram” após a entrar em vigor a Reforma Trabalhista, em novembro de 2017. É dito que o Brasil teve “redução drástica de 45% nos acordos coletivos celebrados” e casos recentes envolvendo empresas como General Motors e Santander, sob alegação de desrespeito ao direito de greve e cortes em verbas de pagamento, respectivamente, foram utilizados para exemplificar o ponto de vista do Índice Global de Direitos.

Diante do panorama apontado pela pesquisa, o RH Pra Você conversou com o advogado Domingos Sávio Zainaghi, especialista em Direito do Trabalho, sócio fundador do Zainaghi Advogados e autor do livro ‘Vale a Pena Ser Gentil?’, para entender se as críticas do relatório são, de fato, pertinentes ou se é exagerado considerar um dos dez países que mais violam direitos trabalhistas no mundo.

Domingos Sávio Zainaghi, especialista em Direito do Trabalho, sócio fundador do Zainaghi Advogados

Dr. Domingos Sávio Zainaghi, especialista em Direito do Trabalho e sócio fundador do Zainaghi Advogados

RH Pra Você: Qual é o grau de confiabilidade de um estudo como o realizado pela CSI? Há, de fato, motivo para preocupação com os dados apresentados?

Zainaghi: Sou membro da Associação Iberoamericana de Direito do Trabalho e da Seguridade Social. Analisei o relatório e conheço a entidade, pois faz parte do trabalho acompanhar questões como essa. Esse estudo traz considerações que, em sua maioria, são verdadeiras. Porém, há pontos que são um pouco exagerados.

O relatório se permite levar em alguns aspectos pelo lado político, o que deixa quem é pesquisador com um certo “pé atrás” ao analisá-lo pelo viés técnico. Deve-se haver a preocupação em interpretar o estudo de forma neutra. O que consta de verdadeiro nele é que, realmente, há em muitos países problemas sérios no que diz respeito a direitos trabalhistas. O México [embora não esteja entre os dez piores], por exemplo, que foi o primeiro país do mundo a constitucionalizar direitos do trabalho, em fevereiro de 1917, promoveu em 2019 uma Reforma que tirou todo um arcabouço de proteção ao colaborador que existia há mais de um século.

RH Pra Você: É um cenário que impõe um clima de “rivalidade” e não de parceria – que tantas empresas, ao menos no discurso, dizem implementar – na relação entre o trabalhador e o empregador, correto?

Zainaghi: Em 1989, após a queda do Muro de Berlim, o capitalismo ficou “sem inimigos”, o que tornou fácil para ele “nadar de braçadas”. Agora, com a chegada do que os estudiosos chamam de 4ª Revolução Industrial, a Revolução Tecnológica, os postos de emprego esvaem.

Em meio a isso, os dois lados da relação de trabalho – empregador e empregado – são radicais. Um lado visa que pouco ou nada seja alterado enquanto o outro quer realizar mudanças profundas. Enquanto o pêndulo não chegar ao meio, o panorama fica ruim.

A Reforma Trabalhista, realmente, trouxe prejuízos para os empregados em alguns pontos, principalmente quando você compara com a legislação anterior. Algumas proteções poderiam ser consideradas exageradas, enquanto outras que deveriam ser mantidas foram retiradas.

Ao menos o Supremo Tribunal Federal acertou ao, por exemplo, decidir que trabalhadoras gestantes não podem atuar em local insalubre e que trabalhadores com menor renda não pagam os custos de ações perdidas e nem os honorários de advogados. Aos poucos vai se chegando a algum lugar, tanto que candidatos [à presidência] que falavam em revogá-la, hoje, já voltaram atrás.

Dois anos de pandemia

RH Pra Você: À Reforma, então, não cabe esse papel de “vilã” que muitos a atribuem?

Zainaghi: A cabeça pensa de acordo com onde os pés pisam. Um advogado empresarial dirá que a Reforma é maravilhosa. Outro que só advoga para empregados dirá o contrário. Advogo para os dois lados e, com experiência de mais de 40 anos em advocacia trabalhista, digo: o empregado só move ação se o empregador não cumprir os direitos. Começa por aí. A Reforma é a grande vilã para uns, a grande solução para outros, mas ela não é nem uma coisa nem outra.

O ponto é que as pessoas jogam no Direito do Trabalho um problema que não é ele que causa: a falta de emprego. Em muitos casos, quando o negócio vai bem, o empregador paga até mais do que é devido. Ele se entusiasma para oferecer bônus e premiações. E o empregado não é um inimigo da empresa, ele não vai para o trabalho disposto a desempenhar um mau papel. Ele sabe que se o negócio for mal, ele será prejudicado. Já passou da hora de capital e trabalho se unirem, mas como isso não acontece, problemas ocorrem.

Quando se pensa que alguns tópicos precisam ser modernizados para que o empregado seja protegido, fala-se como se o desejo fosse o de prejudicá-lo. E não é isso. Existem circunstâncias hoje que são anacrônicas. A atual fase da Revolução Industrial “destrói” muitos empregos e não cria o mesmo número.

Há supermercados nos quais você pesa seus produtos e usa as máquinas para passar e pagar suas compras. Tudo por conta própria. Há quem olhe e ache incrível e quem veja ao redor e se preocupe por ter menos pessoas nos caixas. No começo do século XX, na 2ª Revolução Industrial, os trabalhadores quebravam as máquinas para que eles fossem contratados no lugar. Não adiantou. A solução para isso é buscar capacitação e estudo.

RH Pra Você: Em quais outros pontos o relatório traz pontos pertinentes e/ou exagerados?

Zainaghi: O relatório se equivoca ao dizer que o Brasil é um país que não respeita o direito de greve. Por aqui, a greve é extremamente respeitada e protegida. Vou dar um exemplo de um caso. Professores de uma universidade entraram em greve e o reitor optou por contratar novos, mesmo aconselhado a não fazer. A justiça, então, decidiu pela reintegração dos grevistas e ele não poderia demitir os recém contratados. O problema se tornou enorme.

O estudo é verdadeiro, porém, ao falar sobre unicidade sindical. O Brasil não assinou a Convenção de 1987 da OIT (que trata sobre liberdade sindical e o direito da sindicalização) porque os sindicatos dos trabalhadores querem manter a unicidade sindical (quando um sindicato representa toda uma categoria). Particularmente, entendo que a pluralidade seria melhor, pois o trabalhador ingressaria em sindicatos com pessoas e propostas que mais lhe agradassem.

O autoritarismo de manter um único sindicato faz com que muitos trabalhadores se tornem não simpáticos ao sindicalismo. Os empregados, ao saberem que não são obrigados a pagar a contribuição sindical, não querem pagá-las.

Por Bruno Piai