Você trocaria a sua jornada de trabalho atual por uma que oferecesse quatro dias laborais e três de descanso? O movimento, que esteve tímido nos últimos anos, começou a chamar atenção e não surpreenderá se, aos poucos, se tornar uma tendência. O último país a entrar na onda foi a Bélgica, que desde o último dia 15 permite que empresas adotem o modelo.

A experiência já está sendo testada em alguns países do mundo como Alemanha, Japão, Nova Zelândia, Suécia, Islândia e outros. As opiniões, até então, são divididas. Na Suécia, por exemplo, enquanto companhias como a Toyota – há 10 anos adepta da prática – não só testaram, como gostaram, para políticos locais a iniciativa pode custar caro no bolso para ser implantada. Já na Espanha, há planos para que um período de testes de um ano seja colocado em ação – mas, por ora, ainda sem data para começar.

A prática pode variar conforme o país em que é adotada. Na Islândia, considerada uma das referências na adesão com sucesso da jornada de quatro dias de trabalho, a semana de 40 horas foi reduzida para 35 ou 36 horas trabalhadas, sem impacto na remuneração dos colaboradores. 86% dos trabalhadores já usufruem do direito. Na Bélgica, por sua vez, o colaborador pode optar por trabalhar quatro ou cinco dias, mas sem que sua carga de trabalho semanal seja alterada – apenas a divisão de horas por dia. A cada seis meses o funcionário pode mudar o regime de trabalho.

O que uma das empresas pioneiras do movimento no Brasil tem a dizer?

A jornada de trabalho de quatro dias é, desde 2018, rotina na Crawly. A startup mineira de tecnologia possibilita que 90% da equipe possa descansar três dias por semana e planeja que em breve 100% do time seja contemplado pelo 4×3. De acordo com Pedro Naroga, cofundador e CTO da empresa, a iniciativa é pontual para aumentar a qualidade de vida do colaborador e também para diminuir os índices de rotatividade.

“Embora a gente sempre tenha adotado o modelo home office e jornada de trabalho de quatro dias, não tendo como comparar ao modelo tradicional, podemos dizer que funciona, pois em 2020 tivemos apenas um pedido de demissão e uma equipe extremamente comprometida que ajuda no crescimento da empresa. Outra vantagem é que durante os processos seletivos contamos com um pool de candidatos do Brasil inteiro (e até alguns de fora, como já foi o caso). Isso nos traz vantagem competitiva, pois temos maiores e melhores opções na hora de contratar”, avalia.

O executivo esclarece que a dinâmica é determinante para que os funcionários se sintam mais felizes e tenham bem-estar, uma vez que o trabalho com tecnologia precisa ser bem dosado para que os empregados se sintam dispostos e, consequentemente, sejam mais produtivos. 

“Acreditamos que um dia a mais de descanso por semana e a adoção home office, possa contribuir para deixar as pessoas mais felizes, mais saudáveis, gerando assim um ambiente de trabalho mais agradável. E é comprovado que pessoas mais felizes, descansadas e saudáveis produzem mais”, elucida Naroga.

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Ainda de acordo com o CTO da Crawly, a medida ganha mais destaque durante o atual período pandêmico que vivemos. Com o crescimento das estatísticas referentes a enfermidades mentais, os gestores precisam buscar diferentes estratégias para cuidar do emocional dos colaboradores.

“Estamos passando por uma era com índices recorde de stress e de outras doenças mentais, como ansiedade e depressão. Então adotar modelo home office ou um dia a mais de descanso na semana, ajuda a combater esses novos males da vida moderna e as empresas serão aos poucos obrigadas a perceber que a adoção de modelos humano-sustentáveis não é apenas para as campanhas publicitárias, é uma necessidade na nossa sociedade.”

Vantagens e desvantagens

De acordo com o consultor e especialista em departamento pessoal e gestão de pessoas, Agnaldo Silva, para a moda dos quatro dias de trabalho engrenar no Brasil é preciso muito planejamento e não tende a ser um processo fácil.

“Para que haja um movimento em massa em direção à iniciativa, há muitas questões que devem ser levadas em consideração. As empresas devem ter estrutura e se planejarem para que os dias comerciais não fiquem desfalcados. Rodízios podem ser necessários. Além disso, a dinâmica precisa ficar clara para os clientes. Pode não ser um problema algum funcionário trabalhar de segunda a quinta. mas pode se tornar problemático o negócio, a depender do segmento, não funcionar de segunda a sexta, afirma.

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Segundo com informações da BBC, um relato de 2019 do historiador econômico Robert Skidelsky diz que a semana de quatro dias não é desejável e nem mesmo realista. “Após breve efeito de impacto, a legislação francesa se tornou amplamente ineficaz por acúmulo de exceções e brechas”, destaca ao recordar o caso da França, que em 1998 adotou política de 35 horas de trabalho semanal sob a justificativa de criar novos postos de trabalho durante um período de instabilidade de econômica.

Na opinião de Agnaldo, porém, é plausível que as vantagens identificadas pela Crawly sejam, de fato, os grandes catalisadores do movimento. O consultor pontua que um dia a menos de trabalho pode favorecer o descanso e motivar as pessoas.

“Tudo tem que ser feito de um jeito estratégico e que, de verdade, não se concentre só no lucro, mas também no bem-estar. Não adianta você diminuir a carga horária se também diminuir o salário. Não adianta você diminuir os dias trabalhados, mas oferecer ao colaborador uma carga horária diária maior e que atrapalhe a sua rotina, como os estudos. Tudo deve ser pensado. O Brasil, hoje, dentro de seu ‘novo normal pandêmico’, tem muitas preocupações e ainda não tem uma legislação que cubra todos os gaps do trabalho híbrido. Creio que ainda há outras prioridades a serem relevadas antes que a semana de quatro dias se torne uma”, finaliza.

Por Bruno Piai