Em setembro de 2021, publicamos um conteúdo referente aos direitos trabalhistas de empregados que sofrem com ansiedade, depressão ou síndrome de Burnout. Todavia, como você sabe – e também informamos -, em janeiro deste ano o Burnout passou a integrar a 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Em outras palavras, o fenômeno recebeu o status de doença ocupacional. 

Dito isso, vale questionar: será que os direitos trabalhistas de quem tem Burnout mudaram? Como a legislação trata do assunto? Vamos entender melhor.

Burnout: um problema real e em expansão

Segundo dados de uma pesquisa feita pela PEBMED, um a cada três trabalhadores no Brasil sofrem ou já sofreram com o Burnout. Ou seja, mais de 30 milhões de profissionais. Portanto, é seguro dizer que o problema – que já deveria, desde sempre, ser considerado pelos gestores – não pode mais ser ignorado pelos empregadores. 

De acordo com o especialista em Direito do Trabalho, Israel Cruz, do escritório Mazzucco & Mello Advogados, uma vez que síndrome é definida pelo Ministério da Saúde como “um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade”, as empresas precisam redobrar a atenção para promover um ambiente de trabalho seguro e no qual, efetivamente, haja a preocupação com a saúde emocional do colaborador. 

O advogado esclarece que é recomendável às empresas a adoção de procedimentos preventivos para que seja efetivada a desconexão do empregado ao trabalho. Além disso, Cruz orienta que uma outra medida importante é a intensificação de treinamentos para as pessoas em posição de liderança para que se evite cobranças excessivas e grosseiras, “devendo-se implementar um canal de denúncias para apuração de supostas irregularidades, bem como outras medidas que possam servir a identificar abusos por parte dos gestores”.

Israel Cruz, do escritório Mazzucco & Mello Advogados,

Israel Cruz, advogado do escritório Mazzucco & Mello Advogados,

Mas e quando as empresas não levam a sério?

É quando entram os direitos trabalhistas para proteger o colaborador. Cruz deixa claro que as empresas têm a obrigação de se ajustarem às mudanças envolvendo o Burnout. “O empregador é responsável pelo ambiente de trabalho, possuindo responsabilidade civil pela saúde de seus empregados”, diz.

Para deixar bem claro o quanto as organizações podem se prejudicar ao não dar a devida atenção ao Burnout, um caso recente vale como alerta. No último mês de maio, a Folha de S. Paulo noticiou que um bancário processou o Bradesco alegando ter desenvolvido depressão e Burnout na empresa por conta do excesso de pressão e de cobranças aos quais foi submetido – o que inclui, em suas palavras, humilhações como ter sido chamado de analfabeto por um superior. 

O profissional teve causa ganha na Justiça e o banco foi condenado a pagar R$ 1,2 milhão ao profissional mais indenização por danos morais e valores referentes a uma pensão e a salários. De acordo com o portal, a juíza Adriana Goulart de Sena Orsini, relatora do processo no TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região), as provas foram suficientes para avaliar que o cenário ao qual o bancário foi submetido de fato foi um agravante para sua saúde mental.

De acordo com a advogada Yara Leal Girasole, especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório HSVL Advogados, o reconhecimento da síndrome como doença ocupacional justifica que haja:

  • Reconhecimento de estabilidade no trabalho por 12 meses;
  • Afastamento pelo INSS, mas com continuidade no pagamento do FGTS mensal;
  • Possibilidade de reconhecimento de indenização por danos morais e até mesmo materiais (a depender do caso) na Justiça do Trabalho.

“É preciso que haja um plano de ação nas empresas, com uma equipe engajada nos cuidados relacionados à saúde e segurança dos colaboradores, pois essas medidas evitam exposição da empresa (tanto exposição trabalhista, quanto exposição relacionada à sua imagem), como engajam, mantém e atraem talentos, tornando-a mais produtiva e, consequentemente, mais lucrativa. A relação é, sem dúvida, de ganha/ganha”, salienta.

Novas obrigações

A advogada Karolen Gualda Beber, especialista em Direito do Trabalho e coordenadora da área trabalhista do escritório Natal & Manssur, elucida que as organizações devem concentrar atenções em medidas de segurança que vão além dos EPIs (equipamentos de proteção individuais) e que incluem atenção ao assédio moral, metas pouco realistas, excessos na jornada, remuneração incompatível e outras circunstâncias que desencadeiam o Burnout.

“As empresas devem atuar em três frentes: eliminação ou redução dos fatores do estresse no ambiente de trabalho; oferta de programas para evitar o adoecimento, e atuar nos casos em que o profissional já está doente”, explica a advogada, que acrescenta que a sensação de esgotamento, cinismo ou sentimentos negativos relacionados ao trabalho, por exemplo, podem ser indícios do transtorno.

Karolen Gualda Beber, especialista em Direito do Trabalho

Karolen Gualda Beber, especialista em Direito do Trabalho do Natal & Manssur

“Os sintomas podem ser físicos ou psicológicos, mas, a comprovação é sempre feita por laudo médico que envolverá não só a análise do indivíduo, como também do seu ambiente de trabalho. É um diagnóstico clínico, onde o profissional deverá diferenciar a Burnout da depressão ou de um estresse”, comenta a advogada.

Além disso, quando o problema já faz parte da organização, Yara Leal recomenda que as companhias fortaleçam a sua comunicação. “O primeiro passo é se dispor a iniciar uma conversa a fim de levar o colaborador a aceitar um tratamento e a ajuda necessária. O segundo é ampliar a visão para enxergar em que momento e por quais motivos levaram a pessoa a adoecer. Não será uma tarefa fácil diagnosticar o foco do problema, uma vez que sempre há mais envolvidos, mas é fundamental o esforço”.

Burnout se torna doença ocupacional

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Por fim, de acordo com a advogada trabalhista Eliana Costa, a depender do caso, o empregado diagnosticado com Burnout pode solicitar a rescisão indireta do empregador. Para isso, uma vez diagnosticado com a síndrome, ele deve entrar com um processo trabalhista e pedir danos morais e materiais.

“Aqui vai um alerta, porém. Não é todo caso de Burnout que justifica um processo ou que garantirá que o empregado saia vitorioso. Haverá todo um trabalho para identificar se, de fato, a empresa está ou não empenhada em oferecer proteção ao colaborador. Casos de Burnout. por envolver o emocional, podem acontecer mesmo em ambientes saudáveis”, destaca.

Por Bruno Piai