Imagine em um evento social promovido pela empresa.
Colegas e familiares interagem em clima festivo, de repente, um dos convidados faz uma piada de gosto bastante duvidoso que insulta a esposa de um colega, que por sua vez sente-se provocado e perde o autocontrole.
Entre fingir que nada aconteceu, sair de cena ou reagir com violência, em uma fração de segundos, ele vai para a terceira alternativa, agredindo o colega piadista.
Muitas consequências indesejáveis, familiares e profissionais, virão em seguida a este ato de destempero temporário.
Contado desta forma, o recente episódio na entrega do Oscar não lhe parece uma situação perfeitamente plausível de ocorrer com outras pessoas?
Quantas vezes não temos conflitos, em diferentes graus de gravidade, quando a vida pessoal e a profissional chocam-se?
Quando algo que acontece no âmbito do trabalho, de repente transborda para a vida pessoal, e uma pessoa de cabeça quente por um sapo engolido no trabalho, reage de forma totalmente desproporcional a uma discordância familiar, ou vice-versa?
Com o trabalho híbrido que se disseminou durante e após a pandemia, este tipo de situação têm acontecido com frequência nos mais diferentes contextos do cotidiano e escancaram a realidade de que as fronteiras que separam a vida profissional e a pessoal são tênues e frágeis, e que os ritos que utilizamos para isolar estas diferentes circunstâncias estão longe de serem suficientes.
Assim, eventos difíceis de assimilar que acontecem no ambiente de trabalho extravasam na vida particular e, também o inverso, colocando muitas vezes em risco nossa estabilidade familiar e profissional, e certamente, a nossa integridade psicoemocional. A epidemia de doenças mentais e, o movimento da Grande Renúncia, que ocorrem hoje em dia, são sintomas desta realidade.
Isso ocorre, pois, as fronteiras são apenas convenções e subterfúgios mentais paliativos, e que escondem algo ainda mais radical: que as fronteiras no tempo também não existem para a nossa psiquê e dinâmica emocional.
Vamos voltar para a situação hipotética da festa.
Não sabemos de fato quais circunstâncias da infância mobilizaram todos os envolvidos; o provocador, a vítima da provocação e o agressor; mas sabemos é que ambos tiveram situações traumáticas na infância (sejam traumas normais do desenvolvimento, sejam traumas crônicos ligados a episódios específicos) que moldaram suas personalidades que ainda hoje disparam reações emocionais descontroladas, quando alguém ou algo externo inadvertidamente “aperta um botão” que está em seu inconsciente.
É desta forma que os eventos que ocorreram no passado, na infância ou posteriormente, não respeitam fronteiras no tempo e circunstância, afetando nosso autocontrole, nosso senso de proporção e de julgamento.
Todos nós estamos sujeitos a estes episódios, de diferentes formas, mas sempre com impactos decisivos, não só pessoalmente, mas também quando estamos lidando com decisões que envolvem muitas outras pessoas, como no caso das decisões de um líder em uma organização ou de um estadista.
É por isso que a crise das fronteiras, que estamos experenciando hoje com mais intensidade do que nunca, é um convite para explorarmos nosso mundo interior e desenvolvermos nossa maturidade psicoemocional.
Algo que ainda tem sido visto ainda como um tabu em muitos contextos é a chave para a sociedade como um todo sair deste estado de confusão generalizado por esta crise global das fronteiras.
E como diz o filósofo Ken Wilber, “Há uma saída, mas a saída é realmente o caminho interior”.
Por Marcelo Lopes Cardoso, autor de “Gestão Integral – Consciência e Complexidade nas organizações” e fundador da Chie, consultoria a serviço da evolução de organizações e indivíduos.
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