“Grupos minoritários” que não são minorias: os entraves do mercado de trabalho para PcD
No dia 21 de setembro comemoramos o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência. Essa data foi escolhida pela proximidade com o início da primavera, onde ocorre o renascimento das plantas e, assim, simboliza a renovação da luta.
As pessoas com deficiência são tidas como uma minoria. Contudo, de acordo com o Censo de 2010, temos 45 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de deficiência. No mundo, de acordo com a ONU, se estima que existam 1 bilhão de pessoas com deficiência. Seria correto chamarmos essa parcela tão significativa da população de minoria?
Independente da nomenclatura, é importante entendermos que as pessoas com deficiência no Brasil são um grupo minorizado. Existem diversas barreiras para acesso a questões básicas como saúde, educação, transporte e emprego. Além disso, precisamos avançar contra o capacitismo, preconceito contra as pessoas com deficiência.
No ano de 2015, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão. Esse texto reforçou diversos direitos trazidos na Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU e trouxe aspectos importantes para a nossa realidade. Foram abordados temas como o direito da igualdade e não discriminação, saúde, educação, moradia, acessibilidade e mobilidade.
Essa lei foi um marco significativo para as pessoas com deficiência e trouxe esperança para diversas demandas que eram pleiteadas há muitos anos. Contudo, passados 7 anos, diversos pontos importantes ainda estão sem uma regulamentação específica e aplicabilidade prática. Exemplo disso, é a metodologia de avaliação da deficiência, que deveria ter implementado o modelo biopsicossocial. Até o momento, não se chegou num consenso e pessoas com deficiência continuam sendo avaliadas com base no cadastro internacional de doenças, metodologia considerada ultrapassada.
Quando se fala em acessibilidade, muitas pessoas pensam em uma rampa ou banheiro acessível. De acordo com o Professor Romeu Sassaki, existem 7 dimensões de acessibilidade: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática, atitudinal e natural. A rampa se encaixa na acessibilidade arquitetônica, o intérprete de LIBRAS na acessibilidade comunicacional e um leitor de tela em na acessibilidade instrumental. É imprescindível falarmos também da acessibilidade atitudinal, ou seja, o comportamento das pessoas.
Há 12 anos trabalho com a empregabilidade de profissionais com deficiência e nunca vi alguém dizer que era contra a inclusão, mas inúmeras pessoas apresentaram atitudes preconceituosas e excludentes. Precisamos continuar lutando a inclusão de pessoas com deficiência e criar uma sociedade mais inclusiva, onde a competência e potencial da pessoa não seja avaliada apenas por um marcador.
Essa série de fatores faz com que profissionais com deficiência representem apenas 1,1% da força de trabalho formal no Brasil. As barreiras para acesso à educação e a falta de preparo das empresas para receber os profissionais geram essa disparidade. Temos esse cenário mesmo com uma norma, existente desde 1991, conhecida como Lei de Cotas, que obriga empresas a partir de 100 colaboradores a ter entre 2% e 5% de pessoas com deficiência. Os auditores fiscais do trabalho e o ministério público do trabalho fazem um trabalho incansável para fiscalizar e promover essas políticas.
Mesmo assim, segundo dados da RAIS (2020), tivemos a primeira queda no número de profissionais empregados no Brasil nos últimos 10 anos. Obviamente, o ano de 2020 teve um impacto no número de empregos por conta da pandemia. O número total de empregos formais no Brasil recuou 1,03%, já no recorde de profissionais com deficiência foi de 2,73% , uma diferença superior a duas vezes e meia.
Mesmo representando 23,9% da população, as pessoas com deficiência muitas vezes são invisíveis para o poder público, empresas e até mesmo para parte da sociedade. Precisamos mudar essa percepção. Pessoas com deficiência devem ser vistos como profissionais, consumidores, políticos, atletas e artistas.
Qual empresa estaria disposta a abrir mão de 1 em cada 4 consumidores para seus produtos ou serviços? Se perguntada dessa forma, provavelmente nenhuma. Porém, é o que acontece todos os dias quando uma empresa não se prepara para atender de forma adequada um cliente com deficiência. Imagine você indo até uma farmácia onde os atendentes falam apenas mandarim. Como você se sentiria? Fazendo um paralelo, é o que uma pessoa surda enfrenta ao não ter uma comunicação em LIBRAS.
A empregabilidade das pessoas com deficiência é muito mais do que uma lei, tem o potencial de transformar a visão das organizações sobre o tema. Uma força de trabalho mais diversa, significa diferentes vivências e oportunidades de inovação. As empresas precisam entender que isso se trata de um diferencial competitivo. Uma pessoa cega que atua com programação, sem dúvida, criará softwares mais acessíveis.
No dia de hoje precisamos comemorar o que foi conquistado, mas continuar lutando por uma aceleração de avanços. A pauta de reivindicações sobre direitos ainda é longa e a única forma de avançarmos é transformando a cultura da nossa sociedade.
As pessoas com deficiência não são apenas uma minoria, são 45 milhões de brasileiros. Precisamos remover o estigma de “coitadinho” e compreender o potencial de cada pessoa, independente de sua deficiência.
Finalizo citando Judith Williams: inclusão não é um jogo que se ganha, é uma partida que não acaba nunca.
Por Guilherme Braga, CEO e fundador da Egalite.
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