Em uma das primeiras idas à praia com a minha família, ainda criança, meu pai ensinou-me como “pegar uma onda” e “surfar” de corpo inteiro até à areia. Fez isso comigo várias vezes, até que me senti seguro em fazê-lo sozinho.
No dia seguinte fomos a uma praia muito mais longínqua e fui o primeiro a cair na água, ansioso por repetir as aventuras do dia anterior. Foi tudo bem, até o ponto em que a água me levou de volta pra mais longe da areia. Ao me levantar, veio a grande surpresa:
A corrente que me puxava para o fundo de novo, era mais forte do que aquela que me levou à areia. Fui violentamente arrastado de volta, até um ponto em que “não dava pé”. O resto foi a cena típica: um garoto que não sabia nadar tentando gritar, uma mãe desesperada e um pai resgatando o filho aterrorizado.
As ondas de retorno são um fenômeno que depende de muitos fatores, mas estão presentes em muitas praias, e podem ser muito traiçoeiras.
Iniciamos este ano com expectativas positivas a respeito da economia, de uma forma geral, e sem aparentes ameaças ao mercado de trabalho. Alguns mercados sofreram mais do que outros o efeito das eleições, mas a visão para 2023 era otimista em relação ao ano de 2022.
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Ao chegarmos no Ano Novo, parece que a “praia” mudou um pouco. Apareceram algumas “ondas de retorno” com as quais não contávamos.
As acomodações em razão da troca de governo estão sendo mais agitadas do que de costume. Fala-se de uma perspectiva de possíveis mudanças nas reformas trabalhistas feitas nos últimos anos. O STF (Supremo Tribunal Federal), deve julgar a demissão sem justificativa, ainda este semestre. Estes dois pontos poderão trazer um patamar totalmente diferente nas relações entre patrão e empregado.
O mérito desses acontecimentos não são o foco deste artigo, mas sim o efeito a curto prazo em sua carreira e no seu dia a dia profissional.
Este cenário pode ter duas consequências. Uma delas é que muitas companhias congelarão novas contratações até que a visão fique mais clara. A segunda, empresas que estejam com sérios desafios em seus custos, podem agilizar demissões em razão de uma possível insegurança quanto à legislação trabalhista vigente.
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Se você estiver procurando por um emprego, vai notar que o processo ficará mais moroso e as decisões vão demorar mais. Poderemos ver uma onda de demissões, que não vão representar uma tendência no aumento de desemprego em razão de uma recessão, mas algo pontual, temporário.
Esse conjunto de circunstâncias, junto com as incertezas do campo econômico (talvez passageiras), podem criar as “ondas de retorno” que não esperávamos. O controle da inflação na Europa e nos Estados Unidos ainda é uma árdua batalha e o quadro interno traz incertezas a respeito do crescimento do PIB, domínio da inflação e da taxa de juros.
O que fazer nesta situação, que pode ser apenas um momento de transição? Permaneça firme para não ser levado na “onda de retorno” e aprenda a nadar rapidamente, caso venha a “faltar chão”.
Você tem poucas semanas para o que estaria planejando fazer em um ano. Apare as arestas que por acaso tenha com o seu chefe, tenha a certeza de que o seu trabalho agregue valor ao negócio, seja um “team player” bem reconhecido por sua equipe. Em poucas palavras, dê o melhor de si no que estiver fazendo.
Ao contrário do que muitos possam pensar e agir, concentre-se naquelas atividades pessoais (que são só suas), que venham a fortalecer a sua resiliência, equilíbrio e bem-estar mental e emocional. Estes serão os verdadeiros alicerces para manter os seus pés “fincados na areia”, na “onda de retorno”.
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Ao mesmo tempo, “afine” o seu currículo e comece a “aquecer” já o seu network. Vá em almoços e encontros de negócios e de associações profissionais. Convide aquele velho amigo influente para almoçar. Sim! Aquele mesmo que você nunca mais contatou. Restabeleça laços com antigos colegas de trabalho de organizações para as quais você trabalhou, fortaleça a sua imagem profissional em todos os contatos externos de sua atividade profissional.
Procure “job postings” nas redes sociais de posições semelhantes à sua e sinta a temperatura do mercado. Isto não é uma busca desenfreada de emprego. Apenas recursos reativados, para, em caso de precisá-los você já os tenha prontos e à mão.
A situação assemelha-se ao alarme de combate em um navio de guerra. Inúmeros exercícios são feitos durante a viagem, mas em algum momento o alarme pode vir junto junto com um aviso: “Isto não é um exercício!”.
Hoje é cada vez mais difícil fazer um planejamento de carreira assertivo a longo prazo. Cada ano se tornou um foco de planejamento em si mesmo. Com um início de ano como este, vemos os claros sinais… a praia mudou, as ondas de retorno estão fortes e cabe a cada um abrir o seu “kit de sobrevivência” até que as ondas se acalmem. Afinal, isto não é um exercício!
Por Danilo Talanskas, Autor do livro Lições de Guerra – Vencendo as Batalhas de Sua Carreira, foi o CEO de três multinacionais: GE Healthcare, Rockwell Automation e Elevadores Otis. Em paralelo à sua carreira como executivo, atuou como palestrante e professor em cursos de pós-graduação nas áreas de Estratégia, Ética e Negócios Internacionais. Nos últimos anos fez parte de conselhos de administração, conselhos consultivos e assessora empresas. É formado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com MBA pela Universidade de Brigham Young (EUA) e é mestre em Administração pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Atualmente assessora a Fernandez Mera Negócios Imobiliários Ltda.
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