O amor está no ar! Nesta segunda-feira (14), é comemorado em alguns países do mundo o Valentine’s Day (Dia de São Valentim, em tradução literal), cujo espírito da coisa é semelhante ao nosso Dia dos Namorados (12 de junho). Tamanha a popularidade da data, que nos Estados Unidos se tornou um fenômeno comercial, muitos brasileiros também entram na onda e fazem do 14 de fevereiro um dia para presentear seus parceiros e parceiras. Entretanto, será que as comemorações apaixonadas são tão festivas quando o relacionamento afetivo envolve o ambiente de trabalho?

Em novembro de 2019, Steve Easterbrook, na época presidente executivo do McDonalds, teve o seu desligamento oficializado pela rede de fast-food. O motivo do desligamento foi o seu envolvimento com uma colaboradora da empresa, o que violava a política de relacionamento do negócio.

Mais recentemente, no início de janeiro deste ano, o presidente da CNN Worldwide, Jeff Zucker, deixou a função após nove anos por não tornar público sua relação afetiva com a vice-presidente executiva da rede e diretora de Marketing, Allison Gollust. Segundo a política da companhia, a não divulgação do relacionamento viola os Padrões de Conduta Empresarial. Zucker alegou que se não fizesse a renúncia, de qualquer modo seria desligado da CNN.

“Me arrependo por não ter divulgado [nosso relacionamento] na altura certa. Estou incrivelmente orgulhosa do meu tempo na CNN e busco continuar o grande trabalho que fazemos todos os dias”, manifestou Allisson, que segue na empresa.

No Brasil, nem sempre os namoros iniciados em ambiente de trabalho têm final feliz – a depender do ponto de vista. Débora Maia*, de 28 anos, ingressou na área de logística de uma grande empresa do país poucos meses após concluir sua formação universitária. Lá dentro, após cerca de seis meses no negócio, a jovem paulistana, então com 25 anos, assumiu um relacionamento com um colega da área de Segurança do Trabalho. O que parecia, segundo ela, “inofensivo por contar com discrição e respeito a quem estava próximo”, não foi bem visto pela chefia, que explicou à dupla que o relacionamento violava a política da empresa e o desligamento seria feito porque “ambos estavam cientes da regra”.

“No final das contas, eu resolvi pedir demissão para que ele continuasse no cargo. Ele tinha mais tempo de empresa, ganhava mais, portanto era quem tinha mais a perder. Hoje, estamos noivos, moramos juntos e temos muitos planos para o futuro. Estou, infelizmente, trabalhando fora da minha área e sei que perdi uma oportunidade interessante de carreira, mas criamos um vínculo especial. Sinto que, de algum modo, valeu a pena. Infelizmente estamos submetidos a algumas políticas, na minha mente, ‘pré-históricas’, mas vida que segue. Optamos pela transparência e paguei por isso, mas sei que portas se abrirão”, diz Débora.

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Relacionamentos afetivos são um tabu nas empresas?

Conforme a política e a cultura de cada empresa, o relacionamento afetivo entre colaboradores pode ser proibido ou não. Na Gi Group, filial da multinacional italiana de RH, a recomendação é tentar evitar situações pontuais, como o namoro entre pessoas que estão em subordinação direta.

Para Camila Pierre, a amizade com o colega de trabalho Vinicius Rodrigues Pierre resultou em casamento. “A nossa interação começou por gostarmos de uma música em comum e, em pouco tempo, nos aproximamos, mas enfrentamos desafios também”, conta a especialista de RH.

Valentine's Day, casal GiValentine's Day, casal Gi Group Group

O casal Vinicius e Camila se conheceu no Gi Group

Como no caso da Camila, pode haver julgamentos pelos colegas de trabalho devido a diferença de cargos e de idade. De acordo com o head de RH da empresa, Felipe Iotti, casais formados no ambiente de trabalho podem causar conflito de interesse e desconforto na equipe se forem entre líder e liderado. “Seria importante que os colaboradores não trabalhassem na mesma diretoria (ou ao menos não respondessem ao mesmo gestor). Com isso, as chances de que o relacionamento possa atrapalhar o desempenho são muito pequenas”, sugere Iotti.

O head de RH também aconselha que os casais precisam saber separar a vida pessoal da profissional. “Não há problemas em chegarem e saírem do trabalho ou almoçarem juntos. Só é necessário estarem atentos para que não priorizem todos os momentos para estar com o companheiro e, com isso, se distanciar do time. Almoços em equipe, pausas para o café, happy hours e outros momentos de descontração ajudam na criação de vínculo com a equipe”, alerta Iotti.

Na opinião da especialista em Recursos Humanos e Departamento Pessoal, Flávia Ferreira, “casais corporativos” devem estar prontos para enfrentar críticas, fofocas e julgamentos, especialmente quando o ambiente da empresa não é dos mais saudáveis. “A demonstração de afeto dentro de um escritório pode incomodar. Muitas pessoas levam a sério o fato de que não se deve misturar relacionamento com trabalho, por mais que, na maioria dos casos, um namoro entre colegas em nada atrapalhe a dinâmica da operação de um negócio. É um pensamento um pouco arcaico, acredito, porém temos que pensar que cada pessoa encara o trabalho de uma maneira diferente”, diz.

Camila sugere que o casal seja transparente com seus gestores e dá uma dica. “Eu acredito que o ideal é que não estejam abaixo do mesmo gestor, mas não vejo problema em serem da mesma área”, completa.

“Vale reforçar que evitar apelidos íntimos e conversas pessoais pelo e-mail corporativo são posturas essenciais dentro da empresa. Se o casal tiver um comportamento correto na empresa, mantendo a postura profissional, não haverá motivos para burburinhos”, aconselha Felipe Iotti.

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Namoros podem terminar em demissão?

De acordo com Carlos Costa, que há mais de 15 anos atua como advogado Civil e Trabalhista, sim. Mas há alguns pontos que devem ser esclarecidos. O especialista salienta que por não existir uma norma específica sobre o assunto, muitas empresas se sentem à vontade para criar regras sobre relacionamento e incluí-las no seu Código de Conduta, no entanto, elas não têm o direito de violar a Constituição no que deixa claro que “são invioláveis a intimidade e a vida privada das pessoas”.

“O gestor precisa ter cautela em relação a como aborda os relacionamentos afetivos entre funcionários. É recomendável que ele ou o RH oriente e que a demissão só se torne uma opção caso o relacionamento, de fato, comece a se tornar um problema e determinadas situações extrapolem a linha do bom senso e do respeito aos colegas de trabalho. O que o gestor não deve fazer é promover ameaças como exigir que o relacionamento termine para que a dupla envolvida não seja desligada”, diz.

Namoro pode levar a uma justa causa

Ainda segundo Costa, é aconselhável que as empresas repensem suas políticas em relação a namoros e afins entre funcionários, uma vez que, segundo ele, o ambiente de trabalho acaba sendo um local comum de formação de casais.

“Assim como muitos casais se formam em escolas, faculdades ou por intermédio de conhecidos, o ambiente de trabalho é mais um local onde se pode conhecer pessoas e formar vínculos profissionais, de amizade ou amorosos. Pode ser muito cansativo à empresa tentar ter um controle sobre isso. Muitas o fazem por se preocuparem com possíveis casos de assédio, mas há maneiras mais efetivas de se precaver contra isso, como a criação de canais eficientes de comunicação e denúncia. Minha recomendação é para que os gestores não proíbam namoros e, do mesmo modo, oriento que casais sejam transparentes e conversem com suas lideranças”, elucida.

O advogado acrescenta que os casais devem ter responsabilidade e serem discretos e profissionais. Para ele, é importante diferenciar o que é ‘namoro do trabalho’ e ‘namoro no trabalho’. “O ambiente profissional não é espaço para discussão de problemas íntimos. Se o namoro começar a se tornar, de fato, um empecilho para que a produtividade possa fluir, uma demissão pode ocorrer. Para que seja uma justa causa, no entanto, é necessário que seja algo extremo. Já acompanhei casos de demissões por justa causa motivadas por relações sexuais no ambiente de trabalho e, mesmo neles, é preciso ter provas concretas para que a Justiça não dê ganho de causa ao colaborador’, explica.

Vale a pena manter um relacionamento afetivo no trabalho?

Para quem quer comemorar o Valentine’s Day com um colega ou uma colega de empresa, Flávia levanta alguns pontos importantes.

“Paixão é algo que não se discute. Se uma pessoa se apaixona por outra, nós podemos até aconselhar, mas medindo até onde devemos nos intrometer. Se alguém começa a gostar de um amigo, de um vizinho, de um desconhecido, por que seria impensável gostar de um colega de trabalho? Mas, esteja alerta. Namorar no trabalho pode ter consequências. Se você namora um subordinado, consegue tratá-lo como trata todos os outros funcionários, sem favorecê-lo? Os feedbacks negativos, quando necessários, têm o mesmo tom que há para o restante do time? São condutas que, se não forem imparciais, podem se tornar um grande problema”, destaca. 

“E se falamos de namoro, não podemos deixar de falar dos términos. O quanto você tem maturidade para lidar com o fim de um namoro? Não é porque você brigou com o parceiro ou a parceira que a empresa vai achar natural vocês não se falarem ou trocarem ‘picuinhas’ no ambiente de trabalho. Você conseguiria trabalhar ao lado de um ou uma ex? Não quero desencorajar ninguém a expor seus sentimentos, mas tenha cautela e pense nas consequências quando o trabalho estiver em jogo”, finaliza.

O sobrenome da profissional foi alterado a seu pedido, para proteger sua identidade

Por Bruno Piai