A Prevent Senior segue com os holofotes para si na CPI da pandemia. Acusada de ocultar mortes de pessoas com Covid-19 e oferecer a pacientes tratamento com medicamentos ineficazes contra a doença, a operadora médica, que em nota manifestou que “sempre atuou dentro dos parâmetros éticos e legais”, está sendo investigada e pode, inclusive, enfrentar uma CPI específica referente ao caso – que deveria ter sido votada nesta quarta-feira (6), mas foi adiada por falta de quórum.
De acordo com um dossiê elaborado por médicos e ex-médicos da Prevent Senior e entregue à CPI, entre as acusações os profissionais alegam que a operadora e o governo fizeram um acordo para que pacientes fossem tratados com a hidroxicloroquina e outros medicamentos que integram o chamado “Kit Covid”. Em reportagem realizada pela Globo News, médicos da operadora afirmaram que eram pressionados a prescrever medicamentos e obrigados a trabalhar mesmo infectados pelo novo coronavírus.
As denúncias deixaram a população em alerta referente à conduta de profissionais de saúde durante a pandemia e trouxeram um questionamento à tona: até que ponto os médicos têm autonomia no exercício de suas funções?
Autonomia, sim! Mas com embasamento
De acordo com Luciano Brandão, advogado e professor especializado em Direito Médico e da Saúde, “a autonomia do profissional é inegociável”. O proprietário do escritório Bueno Brandão Advocacia explica que o Código de Ética Médica estabelece como um de seus mais importantes princípios que “o médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional”.
Também especialista em Direito Médico e da Saúde, a advogada Dra. Gabriela Dias, proprietária de um escritório que leva seu nome, acrescenta que a autonomia médica na prescrição de medicamentos/tratamentos ocorre quando há evidência científica que valide o que é receitado. Além disso, ela reforça que os profissionais devem se atentar às situações de interferência em seu trabalho. “Quando há interferência na autonomia do profissional, é necessário que o mesmo realize uma denúncia em órgãos competentes como o Ministério Público e o Conselho Regional de Medicina. A denúncia pode ser anônima”, diz.
Em linha gerais, os especialistas esclarecem que o hospital ou estabelecimento de saúde pode estabelecer protocolos – desde que respaldados e embasados em critérios científicos reconhecidos -, mas normas éticas e legais não podem ser ultrapassadas e, do mesmo modo, a interferência não deve determinar a escolha de tratamentos e prescrições de medicamentos, “pois cada paciente é único e somente o profissional habilitado saberá qual é a melhor opção para cada caso”, esclarece Gabriela.
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Comunidade médica pode ter imagem prejudicada?
O escândalo envolvendo a Prevent Senior não é fator único que trouxe, durante a pandemia, a atuação de operadoras médicas e profissionais de saúde ao debate popular. Com a propagação do chamado “tratamento precoce” da Covid-19, cuja eficácia é refutada por cientistas médicos, a discussão ideológica ganhou força. Médicos foram denunciados por indicarem tratamentos tendo por base escolhas políticas e não o embasamento científico.
Para os advogados entrevistados pelo RH Pra Você, o impacto da pandemia e do caso da Prevent não devem ter o propósito de “queimar a imagem dos médicos”, mas sim de ligar o alerta em relação à conduta de gestores e das operadoras. “O impacto é o de se notar a importância que tem a autonomia do médico e o quanto ela não pode ser violada por questões externas”, diz a especialista.
Brandão pontua que o viés ideológico, por si só, é prejudicial para qualquer área se for fator determinante para tomada de decisões. E o risco se agrava quando falamos da área da Saúde. “A melhor forma de combater isso é deixar a política e a ideologia de lado e pautar pelas evidências científicas concretas”, orienta.
Em relação à pandemia como um todo, o advogado mais uma vez pondera que a autonomia médica, embora seja um direito fundamental do exercício da profissão, não é absoluta. Há ciência, legislação e ética envolvidos e que, portanto, o médico tem um parâmetro estabelecido. Nessa linha, Gabriela alerta que os médicos devem ser assertivos nas decisões.
“No caso da pandemia, o Brasil foi um dos últimos países em que o vírus chegou. Assim, é possível verificar quais tratamentos foram realizados no exterior e se deram certo ou errado. E caso não tenha evidência científica suficiente para prescrever algum tratamento eficaz, o médico precisa explicar isso para o paciente e não receitar nenhum tratamento específico, apenas remédios simples para administrar os sintomas, como exemplo, temos o uso do analgésico dipirona”, explica a proprietária do escritório Gabriela Dias Advocacia.
Onde entra o RH nisso tudo?
De acordo com Gabriela, o RH tem papel importante para fortalecer o compliance que, segundo ela, “na Saúde tem a função de prevenir litígios, o que abrange orientação aos profissionais e observação às normas e aos protocolos existentes”.
Por fim, Brandão salienta que os Recursos Humanos também são fundamentais para que a gestão hospitalar atue com transparência, tanto para o público quanto para os profissionais. “Treinamento adequado e formação de comissões de ética multidisciplinar para avaliar questionamentos delicados são uma boa estratégia inicial”.
Por Bruno Piai