Como lidar com o compliance sindical na prática sem descumprir a lei?

No Compliance sindical – Volume 1, falamos das contribuições que feriam a regras de livre concorrência e ordem econômica.

O volume 2 vai falar de um problema mais diários, e de difícil solução negocial, apensar de simples solução legal.

As contribuições que usam da “oposição” e não da autorização prevista em lei.

Das cláusulas que não só estabelecem a oposição como indicam renúncia dos diretos pelos empregados que se opuseram a contribuir com as entidades sindicais.

A “briga” começou na reforma trabalhista

E se os sindicatos já se acostumaram com o artigo 579 da CLT prevendo a faculdade da contribuição sindical – um dia de salário de março de cada ano – ainda se digladiam com o art 611-B. XXVI que não permite contribuições negociais – de qualquer nome – sem autorização.

E vieram várias estratégias de “elastecimento” do conceito, como autorização assemblear, e outros. Mas nenhum “elastecimento” é seguir a lei.

E aqui não discutimos “justo” ou injusto” que são conceitos subjetivos, mas legal e ilegal.

No entanto, a matéria está pacífica no STF que derruba inclusive cláusulas dessa natureza decididas em acórdão de dissídio coletivos, como o caso do SINDPD em SP, em que a decisão do STF foi no sentido de declarar nulas as cláusulas que previam desconto compulsório contra oposição (RECLAMAÇÃO 36.933 SÃO PAULO).

Trata-se de reclamação com pedido de liminar proposta por Thomson Reuters Brasil Conteúdo e Tecnologia Ltda. contra decisão proferida nos autos do Dissídio Coletivo 1000550-35.2019.5.02.0000, em trâmite na Seção Especializada em Dissídio Coletivo do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – TRT2, que teria usurpado a competência do Supremo Tribunal Federal – STF, ao afrontar o que decidido por esta Corte na ADI 5.794/DF, de relatoria do Ministro Edson Fachin, e negado vigência à Súmula Vinculante 40.

E a decisão final diz:

“Como se observa, o Juízo reclamado optou pela manutenção da obrigatoriedade da referida contribuição, o que ofende, de maneira incontestável, a autoridade do que decidido na ADI 5.794 (Redator p/ o Acórdão Min. LUIZ FUX, Pleno, DJe de 23/4/2019).

Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE a presente Reclamação para cassar a decisão impugnada (ACP 1000097- 12.2018.5.02.0441)”.

Temos ainda uma decisão que mostra o porquê da necessidade da autorização individual e porque as assembleias não são representativas. Nela o Ministro Barroso indica que as atas de assembleias anexas mostras, por vezes, apenas uma pessoa nela:

Reclamação 47.102 São Paulo

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. AUTORIZAÇÃO DO EMPREGADO.

Aparentemente, viola a autoridade da decisão do STF na ADI 5.794, red. p/o acórdão o Min. Luiz Fux, decisão que afirma que a autorização prévia e expressa de empregado para cobrança de contribuição sindical pode ser substituída por aprovação de assembleia geral de sindicato.

  1. Medida cautelar deferida.

E na decisão vemos:

“Não obstante a atuação sindical necessite de financiamento para sua realização e manutenção do próprio sindicato, ordinariamente decorrente das contribuições dos profissionais representados, é certo que na presente ordem constitucional é inviável permitir-se a realização de descontos sem a prévia e expressa autorização do empregado, a qual deve ser realizada individualmente, não se prestando para substituí-la a autorização geral obtida nas assembleias extraordinárias, as quais tiveram participação por vezes simbólicas, com a presença de apenas um ou dois trabalhadores (por exemplo, ID. c1e6185 – Pág. 1, ID. b764e13 – Pág. 1, ID. 7d46669 – Pág. 1, ID. b471569 – Pág. 1, ID. eab08d8 – Pág. 1 e ID. a94da15 – Pág. 1).”

Então, para Compliance qualquer acordo que descumpra a regra legal considerada constitucional pelo STF deverá estar em aviso de inconsistência, e as perguntas que não devem calar são:

  • Sem essa contribuição que descumpre a lei o acordo teria saído?
  • Em interesse de quem?
  • Há risco de vantagem indevida para a empresa?

E de “modelo” de problemas de vantagens indevidas fica o link do caso LATAM, que fez acordo com o FCPA[1] de 12,75 milhões de dólares em vista de irregularidade sindical.:

LATAM Airlines Group Resolves Foreign Corrupt Practices Act Investigation and Agrees to Pay $12.75 Million Criminal Penalty

LATAM Airlines Group S.A. (LATAM), a commercial airline company based in Chile, has agreed to pay a $12.75 million criminal penalty in connection with a scheme to pay bribes to Argentine union officials via a false consulting contract with a third-party intermediary in violation of the accounting provisions of the Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)

Em tradução livre: LATAM Airlines Group resolve investigação da Lei de Práticas Corruptas Estrangeiras e concorda em pagar 12,75 milhões de dólares de pena criminal.

A LATAM Airlines Group S.A. (LATAM), uma companhia aérea comercial com sede no Chile, concordou em pagar uma penalidade criminal de 12,75 milhões de dólares relacionada com um esquema para pagar subornos a funcionários do sindicato argentino através de um falso contrato de consultoria com um terceiro intermediário em violação das disposições contabilísticas da Lei de Práticas de Corrupção no Estrangeiro (FCPA).

Então o risco é real, se a empresa seguir a lei, vai evitar esse tipo de cláusulas em seus acordos, e mesmo notificar os sindicatos (patronal e profissional) em caso de cláusulas ilegais em convenções coletivas.

Mas, então, como agir na prática, sem descumprir a lei nesses casos?

A primeira dica é a de manter relacionamento sindical saudável e ético. E mostrar ao sindicato a necessidade de ele conversar com os empregados para acordar com eles contribuições que sejam viáveis, e sobre as quais a empresa não deve ter nenhum controle.

A segunda é mostrar aos empregados o que pode e o que não pode ser feito pela empresa com e sem instrumentos coletivos. Sem eles, algumas vantagens não podem ser implantadas, outras, no entanto, podem ser feitas somente com a CLT.

A terceira dica é justamente esse mapeamento pela empresa, o que pode e o que não pode ser implantado por política interna? E a partir daí trazer sua estratégia negocial (que vai ser objeto de outro artigo com dicas de negociação na prática)

Muitas empresas ainda hoje, veem os sindicatos como “inimigos”, mas profissionais maduros das relações sindicais sabem que isso não é verdade. Por óbvio, em alguns momentos as partes estarão em polos opostos, mas uma relação saudável e ética facilita nas negociações.

Toda essa situação das contribuições e de Compliance mostram a necessidade das empresas e dos profissionais de relações sindicais, que muitas vezes são os RHs, prepararem-se com conhecimento da legislação, do que é possível, para justamente encontrar soluções que atendam a todos, mas dentro das regras legais

Essa situação mostra a necessidade dessas áreas manterem um contato constante, para que as relações iniciais ocorram dentro das regras e com o cuidado da área de Compliance.

[1] https://www.justice.gov/opa/pr/latam-airlines-group-resolves-foreign-corrupt-practices-act-investigation-and-agrees-pay-1275

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.