Se deixarmos de lado por um momento a tentação de necessariamente ter que usar rótulos como Grande Demissão, Quiet Quitting, Great Reshuffling, Gen Z vs Boomers, Competence Mismatch e assim por diante, certamente devemos admitir que algo mudou nos últimos anos: o trabalho perdeu posições no ranking de prioridades.

Provavelmente porque as pessoas entenderam que existe, e como, o perigo de perder a saúde ou os afetos familiares (e até o emprego).

Não que não existisse antes, mas agora estamos mais conscientes disso. É o Covid ensinando? Também pode ser. Acredito que aquele período de home office forçado, de imagens e notícias midiáticas perturbadoras, de situações em que a interação entre as pessoas se deu virtualmente ou sob a imposição de toque de recolher, despertou uma consciência de precariedade.

Acrescentemos: a.) a guerra em território europeu em 2022, tragédia que não acontece há muitas décadas; b.) a instabilidade financeira que relembra (quase três décadas já se passaram) os momentos críticos dos instrumentos de investimento rotulados como tóxicos (situação que muitas das novas gerações nunca viu) e o jogo está feito: nada é estável, nada é previsível, nada deve ser vivido com plenitude exceto o “aqui e hoje”. 

RH-TopTalks2023

No mundo do trabalho, isso se traduz em um efeito: as pessoas começam a ficar mais desencantadas. Não só pela contínua desintegração do mito do emprego permanente para sempre, mas sobretudo pelo fato de o “lugar” na empresa existir hoje, amanhã não sabemos, não temos certeza. O conhecido bater de asas de uma borboleta do outro lado do mundo é suficiente para ver seus efeitos reverberados globalmente e mudar sua situação em pouco tempo.

Tudo é instável, psicologicamente, socialmente, financeiramente, politicamente. Portanto, por que pensar em trabalhar horas e horas por dia, continuar perseguindo um fim em si mesmo e uma ambição efêmera de carreira, em detrimento do que talvez seja mais caro a cada um?

Afinal, se pararmos um instante para refletir – desligando de tudo – o que mais importa para nós é a saúde, os relacionamentos, a família, hobbies e muitas outras coisas para os quais o trabalho perde na hierarquia de valores e passa a ser apenas um meio e não mais um fim.

Dramático para as empresas?

Mas nem mesmo em sonho. As realidades empresariais são ecossistemas acostumados à adaptação, quase respeitando uma lei darwiniana: uns mais, outros menos na rapidez e agilidade de adaptação. Desta vez também dependerá da cultura, história e setor em que cada empresa individualmente está localizada.

Vejamos, por exemplo, a história do mundo do trabalho italiano, onde não estamos tão acostumados (felizmente) a adaptações repentinas que podem até levar a decisões de cortar milhares de pessoas em menos de 24 horas.

A adaptação sempre existiu para superar os complicados períodos dos anos 70 até tempos mais recentes. Apostando sempre na conjugação de valores x produto, salvaguardando a sua conotação cultural e a qualidade do que oferece aos seus clientes.

Certamente não é a primeira vez que se fala em “guerra por talentos” ou em “escassez de habilidades técnicas” e a consequente dificuldade em encontrar pessoas para preencher as muitas vagas.

Certamente não é a primeira vez que se recomenda que estudos técnico-científicos (hoje estigmatizados com a sigla STEM pela necessidade de clareza homologante) tenham lugar garantido: me formei em engenharia eletrônica há 35 anos e já existia esse mesmo cenário, bem como a situação econômica de oferta de emprego substancialmente baixa face à necessidade de se poder ser autónomo do ponto de vista financeiro para, por exemplo, contrair um financiamento habitacional ou pagar um aluguel ou mesmo “constituir família”. As mesmas situações que lemos hoje, com efeitos glamourosos e escandalosos, mas com pouco “appeal”.

Certamente não é a primeira vez que várias gerações tiveram que se integrar à empresa: muitos de nós começamos a trabalhar quando havia “boomers” e “tradicionais”. Ambos nos adaptamos, assim como na sociedade pais e avós sabem conviver e criar filhos e netos.

Eu tenho que acrescentar: alguma novidade sob o sol? Como situação, eu diria que não. Em termos de dinâmica de gestão talvez, felizmente, sim.

Em primeiro lugar, há muito hype sobre isso que, se por um lado depois de algum tempo corre o risco de criar o efeito contrário às intenções iniciais, por outro cria consciência. Primeiro passo importante para agir.

Assim, as empresas são mais capacitadas por anos de experiência no tema das relações internas e da relação empregado-empregador. As empresas estão cada vez mais cientes de que precisam entender o que é necessário e, ao mesmo tempo, ser menos pretensiosas.

Ao antever um reequilíbrio (positivo) da relação pessoa-trabalho, por um lado teremos de aceitar a perda de talentos para outros concorrentes com ofertas de emprego mais competitivas, por outro tentaremos ser autênticos e não mistificar situações ou criar falsas expectativas.

O encontro entre a oferta e a disponibilidade vai se basear muito nos métodos de trabalho: trabalho inteligente, semana de trabalho mais curta, possibilidade de reconversão e aprendizagem de competências em função da procura, políticas laborais eficazes e funcionais, reformulação do espírito dos contratos de trabalho já não baseados em “hora-homem” mas em “profissionalismo alargado – compensação reconhecida”.

Cultura de Feedback

Espera-nos um período interessante, muito prolífico e emocionante se todas as partes envolvidas pretendem desempenhar um novo papel:

  • A escola que se redesenha não só para fornecer noções, mas como um campo de treinamento para o desenvolvimento de meta-competências para aumentar habilidades reflexivas, senso crítico e propensão relacional;
  • As instituições políticas que traçam uma política astuta para gerar oportunidades de emprego e criar processos de apoio real aos desempregados;
  • Contrapartes sindicais que discutem temas atuais e necessários ao bem-estar generalizado (sociedade, pessoa, empresa);
  • Empresas que continuam a evoluir culturalmente de forma virtuosa, mantendo-se fiéis aos seus valores e à sua história; e
  • Pessoas que se sintam menos presas a aspirações inúteis e falsas, mas que saibam fazer suas escolhas conscientemente e com base em suas necessidades, aceitando as consequências sem arrependimentos e reclamações imaturas.

Artigo publicado originalmente na HR ONLine nr 7 de abril de 2023 da AIDP – ‘Associazione Italiana per la Direzione del Personale‘.

O mundo do trabalho renovado

Por Nicola Ladisa, HR & Organization Holding De Agostini Group. Apaixonado por inovação, transformação digital, foco nas pessoas e desenvolvimento de modelo de liderança em linha com a rápida mudança da situação do mercado. Como Diretor de Recursos Humanos e Organização, desenvolve e lidera iniciativas inovadoras de aprimoramento do Capital Humano e Design de Organização eficaz destinadas a garantir resultados de negócios sustentáveis e perspectivas de longo prazo para a empresa e as partes interessadas. Trabalhou em projetos envolvendo vários países (EUA, Japão, Austrália, China, Brasil e Europa), lidando com “diversidade cultural” e abordando diferentes estilos gerenciais e de liderança.

Ouça o episódio 135 do RH Pra Você Cast: “As oportunidades e os (inesperados) desafios de quem vive o nomadismo digital“. Problemas com equipamento ou internet, burocracias, custos, questões pessoais e adaptação a novas culturas, hábitos e pessoas. Por mais que o nomadismo digital seja o sonho de muitos profissionais, nem tudo são flores. Ainda assim, segundo relatório da Fragomen, a vida nômade deve ser a realidade de carreira de mais de 1 bilhão de pessoas até 2035.

Diante de uma tendência tão crescente, como, então, medir os prós e os contras? As complexidades envolvidas no planejamento podem frear o entusiasmo pela vida nômade? E como ficam as empresas nesse processo? É sobre isso e muito mais que Heitor Sanches, nômade digital e Talent Acquisition Lead da Arquivei, falou ao RH Pra Você Cast. Após visitar 17 estados brasileiros em sua jornada, o profissional pontuou tudo o que funciona e o que deve ser evitado nessa rotina. Confira clicando no app abaixo:

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Capa: Deposithphotos