Motoristas de app X empresas: o que está em jogo para trabalhadores e plataformas. No início de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) deliberou por unanimidade, estabelecendo que a discussão do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as empresas que gerenciam as plataformas possui repercussão geral.

Essa decisão ressalta a relevância do tema não apenas do ponto de vista social, jurídico e econômico, mas também demonstra que vai além dos interesses individuais das partes envolvidas no processo, conforme entendimento do STF.

A controvérsia chegou ao STF após a empresa Uber recorrer de uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que reconheceu o vínculo empregatício entre uma motorista e a plataforma. Na ocasião, o TST interpretou que a empresa deveria ser classificada como uma empresa de transporte, e não apenas como uma plataforma digital.

Na decisão, o TST destacou que a subordinação se manifesta devido à falta de controle por parte do motorista sobre os preços das corridas e o percentual descontado sobre os valores, aspectos essenciais para a caracterização do vínculo empregatício.

Além disso, o tribunal ressaltou que a autonomia do motorista se restringia principalmente à escolha de horários e corridas, não abrangendo aspectos fundamentais do seu trabalho. 

Após a análise e decisão unânime do STF, surge um intenso debate sobre os próximos desdobramentos desse tema crucial. Agora, a Corte se prepara para deliberar sobre a existência efetiva do vínculo empregatício entre os “motoristas de aplicativo” e as empresas que gerenciam essas plataformas.

Até o momento, o STF apenas reconheceu a repercussão geral da questão, que foi levantada e discutida no Recurso Extraordinário 1446336. Este é um momento decisivo que pode moldar o panorama das relações laborais no país, exigindo uma análise cuidadosa e equilibrada por parte do Supremo Tribunal Federal.

Se o STF reconhecer a existência do vínculo empregatício, isso acarretará na aplicação da subordinação inerente a essa forma de relação laboral, juntamente com a obrigação de pagamento dos direitos trabalhistas correspondentes, bem como dos encargos previdenciários e fundiários pertinentes.

Isso significa que as empresas terão a responsabilidade de formalizar os registros dos trabalhadores e de cumprir com os direitos e encargos mencionados. Esse desfecho terá implicações significativas tanto para as empresas quanto para os motoristas de aplicativo, exigindo uma adaptação às novas normativas e um entendimento claro das responsabilidades de ambas as partes envolvidas. Sem falar nas consequências para os usuários deste serviço que precisará passar – de certo – por novo processo de precificação.  

No entanto, verifica-se, com base em recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, uma abertura para considerar novas modalidades de relação de trabalho, que não se restrinjam ao tradicional regime CLT. Diante desse contexto, existe uma expectativa de que o vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as empresas não seja reconhecido.

Com a decisão de reconhecimento da repercussão geral, qualquer julgamento sobre o mérito terá aplicação em todos os processos similares em todas as instâncias do país, trazendo uma uniformização e clareza para uma questão tão complexa e amplamente discutida.

Recentemente, o governo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (com urgência constitucional, logo prazo de 90 dias para avaliação pela Câmara e Senado), assinado pelo presidente da República com o propósito de garantir direitos mínimos aos “motoristas de aplicativos”. Este projeto, uma vez aprovado, entrará em vigor 90 dias após sua aprovação.

O PLC é fruto de um acordo estabelecido pelo Grupo de Trabalho, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que contou com representantes dos trabalhadores, das empresas e do Governo Federal, além do acompanhamento de entidades como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).

O fato de ter resultado de um consenso entre autoridades e os interessados sugere uma solução que atende às necessidades e preocupações de ambas as partes envolvidas. Esse tipo de abordagem colaborativa é fundamental para garantir uma legislação equilibrada e eficaz, que proteja os direitos dos trabalhadores sem prejudicar a viabilidade econômica das empresas.

O PLC propõe a criação de uma nova categoria denominada “trabalhador autônomo por plataforma”, garantindo-lhe liberdade para determinar os dias e horários em que irá atuar, além de estabelecer um direito a uma remuneração mínima e a um enquadramento previdenciário como autônomo, com contribuições tanto do trabalhador quanto da plataforma. O projeto também estabelece limites para a carga horária dentro de uma mesma plataforma, sem a necessidade de exclusividade, e assegura o direito à representação sindical.

Por outro lado, o PLC também assegura às empresas a capacidade de implementar medidas de segurança para combater fraudes e garantir a qualidade dos serviços oferecidos. Isso inclui a possibilidade de adotar ações como bloqueios e exclusões, monitoramento dos trajetos realizados pelos motoristas, implementação de sistemas de avaliação e até mesmo a oferta de cursos e treinamentos. Além disso, o projeto prevê a existência de obrigações acessórias que visam garantir a transparência e a conformidade das atividades desenvolvidas pelas empresas.

A expectativa em torno da resolução desse tema é imensa, especialmente porque ela está prestes a estabelecer jurisprudência e definir novos rumos para as relações de trabalho no Brasil. Esse processo não apenas fornecerá clareza jurídica sobre a situação dos trabalhadores de aplicativos, mas também moldará o cenário laboral do país para o futuro.

Com a criação de precedentes legais sólidos, será possível estabelecer um arcabouço jurídico mais robusto e adaptado às demandas da economia digital, proporcionando uma base mais segura para as relações laborais em um contexto em constante evolução.

Motoristas de app vs. empresas: desafios e interessesMotoristas de app vs. empresas: desafios e interesses

Por Ana Gabriela Burlamaqui, graduada em Direito pela PUC-RJ em 1994. Especialista em prevenção e administração de riscos trabalhistas (IBMEC). Pós-graduada em direito digital, LGPD e compliance trabalhista (EMD) e Hugo Luiz Schiavo, bacharel em Direito pela PUC-RIO, em 2000. Diretor da ACAT (Associação Carioca Advogados Trabalhistas) desde 2019. Ambos sócios do escritório A. C. Burlamaqui Consultores.

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Burocrático, “chato”, técnico demais, incômodo. É muito comum que tais adjetivos sejam atribuídos ao compliance trabalhista. Uma das modalidades de gestão mais importantes do mercado, o termo é injustiçado. A falta de informação – ou de clareza – só contribui para que o compliance seja, muitas vezes, até mesmo deixado de lado.

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