Não é mais surpresa para ninguém que o trabalho remoto nunca esteve tão em alta no Brasil. Prezando pela segurança e saúde de seus colaboradores em meio à pandemia da COVID-19, empresas de todo o país se adaptaram ao home office para reduzir os riscos de contaminação entre seus empregados e respeitar o isolamento social imposto durante o estado de calamidade pública. Porém, o modelo de trabalho a distância está funcionando para organizações e profissionais?
Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria Cushman e Wakefield, o home office já caiu nas graças de líderes e gestores. Para 84,4% dos líderes entrevistados, o trabalho remoto é classificado como uma experiência totalmente positiva ou como uma prática que tem mais pontos positivos do que negativos. Somente 15,6% têm mais críticas do que elogios ao trabalho à distância ou o consideram como experiência unicamente negativa.
De acordo com o levantamento, 73,8% já adotam ou planejam ter o home office como uma prática definitiva após o término da pandemia, enquanto 26,2% não tendem a seguir com o modelo quando a crise do novo coronavírus tiver fim.
O estudo revela também o quanto o percentual de empresas que desejam adotar o modelo de trabalho remoto chama a atenção, uma vez que, das empresas ouvidas na pesquisa, 42,6% nunca haviam utilizado a prática remota antes da quarentena e sequer imaginavam essa possibilidade, e 23,8% afirmaram que o home office era algo em estudo, mas não definido. Das que afirmaram que já adotavam o modelo, 26,2% o faziam de forma parcial e somente para alguns cargos e dias da semana, enquanto uma minoria (7,4%) declarou que a organização adotava o modelo de forma mais abrangente, incluindo diversos cargos e em dias variados da semana.
“O que notamos mais fortemente como tendência futura é o menor adensamento de pessoas nos escritórios. Isto é, as pessoas devem trabalhar de forma a se respeitar o distanciamento social, não somente pelo risco de contaminação pelo COVID-19, mas também pela segurança de todos em casos similares”, afirma Natália Pozzani, Head de Marketing da Cushman & Wakefield
O lado positivo do trabalho remoto
Segundo Susanne Andrade, especialista em desenvolvimento humano, as relações de trabalho foram modificadas positivamente durante o isolamento. “Durante mais de três meses de pandemia, foi possível notar maior colaboração entre as pessoas, um lado positivo de todo esse período de incertezas. O isolamento social colocou um freio na vida acelerada das pessoas, que acabou por economizar tempo de deslocamento até o serviço”, explica a especialista.
Susanne acredita que à medida que as empresas forem acionando seus colaboradores a voltarem ao trabalho presencial, será preciso estudar cada caso individualmente. “Para alguns, será mais produtivo trabalhar a maior parte da semana de forma remota, enquanto outros produzirão melhor no escritório. O fato é que as empresas vão precisar repensar essas dinâmicas de trabalho pós-pandemia“, pontua.
Para os que ainda tiveram a possibilidade de permanecer durante mais um tempo em casa, Susanne aconselha fazer um ‘mergulho’ dentro de si mesmo. “Use essa oportunidade para observar a si próprio, fortalecendo o autoconhecimento. Quanto mais nos conhecemos, mais nos conectamos com os nossos talentos. Curtir a própria companhia neste momento ajuda a despertar muitos insights, com mudança de movimento, partindo do interno para o externo. Quando se faz isso, é possível descobrir novas habilidades e aproveitar cada momento presente”, recomenda.
Nem tudo são flores
O período de isolamento social exige que as empresas se atentem ainda mais à saúde mental de sua equipe de trabalho. Ansiedade, estresse, medo e depressão são sentimentos e condições que se fortaleceram em meio à incerteza que o cenário da COVID-19 trouxe às pessoas.
O total de trabalhadores que passou a procurar por serviços psicológicos para cuidar da saúde mental saltou de 2,2 milhões, antes do novo Coronavírus, para 8,1 milhões, após o início da pandemia. No intervalo entre os meses de março e abril, o total de consultas também cresceu de 6 mil para 14 mil e as mulheres responderam por 75% da procura por ajuda psicológica durante a crise da COVID-19 (homens responderam por 25%), segundo levantamento “O que mais afeta a Saúde Mental dos trabalhadores durante a pandemia” da consultoria Mercer Marsh Benefícios.
Entre as principais causas de transtornos comportamentais e de saúde mental reportadas aos médicos estão a ansiedade com 35,09% dos casos, depressão (9,92%), psicologia clínica (8,22%) e questões relacionadas à família (2,92%). A dificuldade de adaptação ao home office também dá as caras na lista. Por conta disso, 2,72% das pessoas entrevistadas procuraram auxílio psicológico.
Para o fundador e CEO da Gama Academy, Guilherme Junqueira, algumas práticas podem fazer toda a diferença para que as empresas possam cuidar melhor de seus colaboradores em home office e/ou com algum transtorno psicológico causado pela pandemia. São elas:
1 – A comunicação e a transparência devem ser os novos pilares do trabalho em equipe, para executar o plano de contingência com menos impedimentos e medos;
2 – Em seguida, cuidar da infraestrutura para trabalhar é preciso. Não são todos do time que possuem uma internet super veloz e uma cadeira confortável para trabalhar;
3 – Crie novos rituais, abrindo espaços para as pessoas compartilharem como estão lidando com o isolamento, compartilhando suas rotinas e interesses pessoais;
4 – Dê suporte psicoterapêutico para seus colaboradores. Existem diversas plataformas que possibilitam consultas virtuais à psicólogos e terapeutas;
5 – Crie canais e fomente atividades físicas em grupo, compartilhamento de dicas de filmes, séries, livros e cursos;
6 – Cuide da jornada de trabalho, pois é comum nesse momento de adaptação, os colaboradores se perderem no horário e trabalhar mais do que o de rotina;
7 – Faça pesquisa de pulso, ligando para seus colaboradores e perguntando se tudo que está acontecendo na empresa está claro, se essa pessoa está bem e se colocando à disposição para ouvir e ajudar no que for preciso;
8 – Cuidado redobrado para pessoas que moram sozinhas e estão longe dos familiares, pois tendem a sentir mais desconforto e ansiedade nesse momento de isolamento;
9 – Inclua como lidar com os desafios familiares. Filhos fazendo homeschooling, cônjuge estressados, pais inquietos, e todos se sentindo impotentes contra a pandemia;
10 – Aceite e desconsidere momentos de estresse dos colaboradores, todos estamos sob pressão;
11 – Treine seu time de liderança para fazer boas reuniões individuais (1-1), sabendo lidar com a dificuldade de leitura corporal que as reuniões virtuais trazem;
12 – Preservar empregos tem que ser a prioridade. As pessoas estão com medo de serem impactadas por essa crise, portanto se sua empresa vai conseguir passar por essa crise sem demitir, deixe isso claro e traga segurança para seu time. Caso contrário, tente fazer os desligamentos da maneira mais humana possível, com ligações individuais, apoio na recolocação, investindo em cursos de capacitação e extensão do plano de saúde (se houver) como benefício.
Os empregados querem seguir com o home office?
De acordo com um levantamento conduzido pela Fundação Dom Cabral (FDC) com a consultoria Grant Thornton, pouco mais de 54% dos entrevistados de 18 estados brasileiros planejam pedir a seus líderes a continuidade do trabalho remoto após o término da pandemia.
O estudo revela que para metade dos respondentes a infraestrutura de suas casas é o suficiente para desempenhar um trabalho satisfatório. Em contrapartida, 15,2% acreditam que seu desempenho está sendo prejudicado pelo trabalho remoto devido à limitação tecnológica.
Outro dado mostra que mais da metade dos colaboradores (53%) se envolveram mais em aplicativos e ferramentas de comunicação interna. Embora a maioria dos ouvidos seja a favor de prosseguir com o home office, ainda assim 76% sentem falta de interação presencial com seus colegas de trabalho.
Mais home, menos office
Uma pesquisa da Heach Recursos Humanos com cerca de 200 empresas, entre os dias 01 e 06 de junho, descobriu que 52% delas não estão realizando nenhum tipo de trabalho de formação e desenvolvimento de equipes, ou seja, a maioria está pensando só em trabalho e esqueceu que o relacionamento é uma parte muito importante para que as pessoas se sintam motivadas.
“O ser humano tem como uma das suas características chaves a sociabilidade e parte importante do trabalho com RH é, justamente, fortalecer as equipes, desenvolver o senso de dono e o trabalho em equipe”, afirma Elcio Paulo Teixeira, CEO da Heach Recursos Humanos.
A pesquisa também aponta que 24% estão promovendo ações sobre tópicos não relacionados ao trabalho. Happy Hours virtuais são os mais comuns e cerca de 18% das empresas já promoveram um ou mais encontros, como, por exemplo, almoços virtuais e comemoração dos aniversariantes do mês.
“Em tempos como este que estamos vivendo é muito importante que o RH tome atitudes para que todos se sintam parte da equipe, mesmo à distância e, que demonstre que a empresa promova a união e formação de grupos coesos para que o relacionamento continue e, também, para que a produtividade não diminua”, finaliza o especialista.
E como fica a produtividade?
Perguntas sobre as vantagens e desvantagens do home office e se a crise do coronavírus levará os funcionários a trabalharem mais em casa no futuro são temas recorrentes. A pesquisa do OTRS Group, realizada na Alemanha, Brasil, Cingapura, EUA e México, mostrou um resultado claro em relação à produtividade: 39% afirmam que podem trabalhar de maneira tão produtiva em seu escritório em casa quanto em escritório tradicional, já 43% dizem até que são mais produtivos quando trabalham em casa. No Brasil, mais da metade dos entrevistados (54%) afirma que pode trabalhar de forma mais produtiva em casa. Nos EUA e Cingapura, 41% fazem essa afirmação.
Quando perguntados sobre o que os ajudaria a ser ainda mais produtivos em seu escritório em casa, 40% disseram que a primeira coisa que eles gostariam era de uma conexão à Internet mais estável – seguida por ferramentas de comunicação eficientes, melhores sistemas de armazenamento de informações e uma cultura corporativa mais voltada para trabalhar em casa.
“É gratificante ver que a grande maioria das pessoas em todo o mundo é tão ou mais produtiva em home office do que no escritório”, diz Sabine Riedel, membro do Conselho Executivo do OTRS Group. “Isso significa que as empresas inicialmente não precisam temer perda de produtividade. No entanto, é essencial apoiar e acompanhar os funcionários que estão no escritório em casa a longo prazo”.
Por Bruno Piai