Polêmico? Inovador? Acolhedor? Controlador? Independentemente da opinião ou da definição, o congelamento de óvulos chegou de vez ao mercado de trabalho. O – não tão – novo benefício, que começa a atrair cada vez mais empresas de grande porte, se tornou tema de debate dentro do universo corporativo.

De acordo com o Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nos últimos dez anos a fertilização in vitro cresceu 82% no Brasil. Enquanto em 2012 foram realizados 21.074 procedimentos, em 2022 ocorreram mais de 38,3 mil. O maior índice foi em 2021: 46.174.

No país, que conta com mais de 180 clínicas especializadas em reprodução humana, o congelamento de óvulos em mulheres acima de 35 anos também teve aumento. Em 2021, mais de 9,3 mil mulheres utilizaram o procedimento. Inclusive, 7 a cada 10 mulheres que tomam a decisão de realizar o congelamento estão dentro da faixa etária citada.

Vale lembrar que, de acordo com a Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), o congelamento de óvulos é indicado para mulheres de até 35 anos, já que após essa idade, a quantidade e qualidade dos óvulos vão diminuindo.

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Negócio corporativo

Com o movimento crescente da fertilização e do congelamento, as grandes companhias viram uma oportunidade. Em meio à guerra por talentos, diferenciar a oferta de benefícios se tornou um fator determinante para atrair e reter. Segundo estudo realizado pela WTW, multinacional de serviços de seguros, por exemplo, 50% dos profissionais não tentariam encontrar outras oportunidades de trabalho caso os benefícios atualmente recebidos suprissem suas necessidades.

Uma vez que, por aqui, o congelamento pode custar entre R$ 15 mil e R$ 30 mil, em média, não dá para negar que há um fator de atratividade no benefício – e também é facilmente explicável o porquê dele ainda ser restrito a organizações de maior porte. Algumas empresas pagam até 75% do custo total.

Congelamento de óvulos ganha força

Para Natasha Ferreira, especialista em Recursos Humanos e Comunicação Corporativa, o “fator debate” que envolve o benefício vai muito além da simples oferta, passando por uma desconfiança natural que existe por parte das mulheres em relação a um mercado que ainda enxerga a maternidade como um tabu.

“Se a minha empresa oferece tal benefício, o que exatamente ela quer? Se a ideia é atrair, pode até funcionar. O congelamento de óvulos dá à mulher poder de escolha, a possibilidade de adiar uma gravidez desejada para poder focar em sua carreira e/ou em outros projetos. Porém, será que ela tem mesmo todo o controle da situação? Quando ela opta por usar o benefício, o olhar preconceituoso de gestores sobre a maternidade tende a se manifestar? Isso precisa ser questionado”, diz.

Natasha, que no momento está afastada do mercado de trabalho exatamente por conta de uma recente gravidez, salienta que, na sua opinião, o benefício tende a ser mais positivo do que negativo. No entanto, as companhias precisam ter um olhar muito mais amplo em relação à posição da mulher do negócio para que o congelamento de óvulos seja mais uma prática de acolhimento e não a única.

“O quanto a maternidade cabe no negócio? A decisão da mulher em engravidar mais tarde deveria ter como motivador os seus desejos e planos particulares, não o medo de se prejudicar na carreira. Se há segundas intenções por parte do empregador, oferecendo o benefício exatamente com a intenção de convencer profissionais a adiarem seu sonho de engravidar, há um problema envolvido. Eu mesma precisei escolher, por ora, entre gravidez e carreira”, pontua.

A preocupação da especialista é corroborada pelo estudo “Maternidade e Mercado de Trabalho”, do Vagas.com. O relatório expõe que mais da metade das mulheres (52%) que engravidaram ou saíram de licença-maternidade já enfrentaram situações negativas no trabalho. Comentários desagradáveis (23,7%), demissão (19,9%) e falta de empatia (16,9%) lideram as queixas.

Ainda segundo o levantamento, profissionais que se tornaram mães foram afastadas de projetos importantes, excluídas de tomadas de decisão, tiveram redução de salário e carga horária e encararam preconceito de líderes e colegas de trabalho.

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Facilitação do benefício e aspectos legais

Pesquisa da Mercer Marsh Benefícios, realizada em 2021, revela que, no Brasil, somente 1% das empresas custeia o congelamento de óvulos, enquanto não mais do que 3% se envolvem financeiramente nos tratamentos de fertilização in vitro.

Com o propósito de trazer ainda mais incentivos às colaboradoras das empresas brasileiras, a Mater Prime, clínica de Reprodução Humana, localizada em São Paulo, está iniciando um projeto para oferecer para as empresas o tratamento de congelamento de óvulos como um dos benefícios às colaboradoras.

“A ação ajuda a empresa a incentivar as colaboradoras a terem um maior conhecimento sobre a fertilidade feminina, a buscarem uma estabilidade financeira e também a focarem em suas carreiras. Sendo assim, definem o momento certo para realizarem o desejo da maternidade”, afirma Dr. Matheus Roque, mestre em medicina reprodutiva e diretor científico da clínica Mater Prime, em São Paulo.

Volta ao modelo presencial

Sobre o aspecto legal por trás do congelamento de óvulos envolvendo o mercado, Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, salienta que, apesar de ser um benefício atrelado à saúde e à maternidade, não existe a obrigatoriedade dele estar atrelado a um convênio médico. Entretanto, é recomendável que haja o vínculo.

“A empresa pode arcar com o custo. O art. 458 da CLT c/c art 28 § 9º letra q, abre margem a interpretar que o valor pode ser reembolsado se gasto pela empregada diretamente, mas um estudo deve ser cuidadoso para verificar se não se vai gerar um valor salarial. Assim, de início, o ideal é ser via convênio médico”, orienta.

A especialista em gestão trabalhista elucida que as empresas precisam ter cautela na forma como gerem o congelamento de óvulos. O empregador não pode, por exemplo, interferir ou se envolver na decisão da mulher. Do mesmo modo, nenhuma exigência pode ser feita. Além disso, Maria Lucia aconselha que as companhias que adotaram a prática busquem estratégias para impactar todos os gêneros.

“O ideal é que sejam oferecidos tratamentos para todos os gêneros, porque senão, não só pode haver uma discriminação, como pode se entender que o ‘benefício’ é só para manter a empregada trabalhando sem engravidar naquele momento”, esclarece.

Dentro e fora do Brasil, empresas como Facebook, Apple, Microsoft, Twitter e Grupo Fleury são algumas que oferecem o benefício às colaboradoras. Neste último, inclusive, facilitações para tratamento de fertilidade são oferecidos também aos homens.

Capa: Via Depositphotos

Por Bruno Piai