Saúde mental não parece ser o tema de maior destaque – positivo, pelo menos – no Brasil. Isso é o que consta uma série de pesquisas responsáveis por colher informações sobre o assunto tanto por aqui quanto pelo mundo, como o recente estudo “The Mental State of the World”.

Realizado pela neurotech Sapien Labs, o levantamento atribuiu ao Brasil o status de quarto país com a pior taxa de saúde mental no planeta. A nota atribuída foi 53 de um total de 110. A avaliação somente supera as recebidas por África do Sul (50), Reino Unido (49) e Uzbequistão (48).

Para chegar a tal conclusão, o estudo leva em consideração fatores como controle/regulamentação das emoções, otimismo para o futuro, motivação, autoavaliação, resiliência, entre outros. A forma como cada indivíduo se sente conectado – ou não – em relação à saúde mental e à do corpo também integra a análise.

“Há uma série de fatores que contribui para isso. Polarização política, incertezas econômicas, inserção em ambientes que podem ser extremamente tóxicos, como os de algumas empresas e os das redes sociais, insegurança para ir e vir, entre outros. Embora sejam contextos de caráter geral e não tão específicos de cada pessoa, eles têm, naturalmente, o seu peso quando somado às individualidades”, explica a psicóloga Bárbara Lima, especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho. “Infelizmente, em muitos escritórios, principalmente, ainda há a normalização de uma cultura de toxicidade, agressiva e resultadista com meios negativos justificando os fins”, complementa.

Um outro estudo, desta vez da consultoria Alvarez & Marsal, revela que entre 2020 e 2023 os atendimentos de saúde no Brasil vêm crescendo anualmente entre 12% a 15%. Já o relatório “Estado Mental do Mundo 2022”, colocou o país ainda acima no pódio em relação ao levantamento da Sapien Labs. Nele, o Brasil é a terceira pior nação do planeta quando o assunto é saúde emocional.

RHs e lideranças podem fazer a diferença para mudar esse cenário?

Saúde mental já era um tema que ganhava força antes da pandemia, mas que “estourou de vez” após os desdobramentos da época do auge da Covid-19. Estudo conduzido por Paul Ferreira (diretor do Mestrado Profissional em Administração da FGV EAESP), Taynã Appel (Graduanda em Administração de Empresas pela FGV EAESP e Universidade Bocconi) e Ines Hungerbühler, (Head of Clinical Strategy na Gympass) identificou que, principalmente a partir de 2022, o universo corporativo passou a olhar com mais atenção, no Brasil, para assuntos como Burnout, desmotivação, depressão, entre outros. Inclusive, benefícios destinados à saúde mental começaram a se popularizar.

Segundo o CEO da Healthy Place no Brasil, André Lit, as empresas precisam assumir a preocupação com níveis de satisfação, felicidade e conforto. São pontos, para ele, determinantes para a promoção do bem-estar no ambiente profissional. E considerando que muitos profissionais passam ao menos um terço do dia no trabalho, o desenvolvimento emocional promovido nas empresas pode ser estendido para os aspectos pessoais.

“As empresas que não encararem de frente este assunto encontrarão maiores dificuldades para buscar seus resultados, sem deixar de lidar com todos os outros desafios que sempre enfrentaram. As organizações que lidam com o tema, mesmo que seja na sua fase inicial, já se diferenciam da concorrência e estão se preparando para a sua sustentabilidade no longo prazo”, detalha.

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Na visão do executivo, uma organização para ser considerada saudável e com alto desempenho sustentável precisa não apenas ter foco na produtividade e rentabilidade, mas também necessita construir uma estrutura colaborativa com os funcionários e um alinhamento de propósito. Desta forma, aponta, o bem-estar organizacional constitui um ponto essencial para uma gestão estratégica, sustentável e de longo prazo.

Conforme Lit, o foco é trazer o protagonismo para as pessoas, com a liderança tendo um papel relevante ao entender a importância do capital humano nos resultados das companhias. 

“Os colaboradores são essenciais para que o negócio alcance os resultados a que se propôs. Ao mesmo tempo, todo colaborador é potencialmente um talento se a organização se estruturar para apoiar o que ele potencialmente pode oferecer. Colaboradores e empresa precisam trabalhar juntos para que os resultados aconteçam. Por isso, ter um alinhamento de atuação construído e continuamente renovado, com uma comunicação que flui pela organização e aponta para as ações futuras”, ressalta.

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Preconceito ainda é latente

Apesar de serem percebidas mudanças positivas dentro de muitas organizações a respeito do assunto, por meio de ações de prevenção, ações informativas e benefícios da saúde mental para os colaboradores, o preconceito relacionado ao tema no ambiente de trabalho ainda é grande.

“Os impactos que a pessoa sente por estar com a saúde mental em risco se expressam em como ele passa a se relacionar consigo, com seus familiares, com amigos e no trabalho. É preciso estar atento e procurar orientação médica. A não aceitação e o preconceito só retardam o diagnóstico”, explica o CEO da RHMED, Antonio Martin.

Bárbara acrescenta que “o debate se perde porque muitas pessoas nunca desenvolveram o autoconhecimento e acreditam que a estabilidade profissional está acima de qualquer coisa. Estamos falando de pessoas que carregaram traumas e preconceitos ao longo de toda a vida, reproduzem isso em seu ambiente social e profissional, mas creem que o problema está no outro, por verem o outro como ‘frágil’, como alguém que não é capaz de enfrentar adversidades”.

Muitos chefes e colaboradores acreditam que sofrer problemas de saúde mental e ter desempenho satisfatório no trabalho são coisas conflitantes, ou seja, se você tiver problemas de saúde mental, não pode ser bem sucedido.

“As empresas precisam combater a falta de conhecimento e os temores relacionados aos problemas de saúde mental, além das premissas sobre o seu impacto sobre a capacidade de trabalho de uma pessoa. É preciso desmistificar questões relacionadas à saúde mental e psicológica e desatrelar qualquer ligação de um diagnóstico ao baixo desempenho, por exemplo. Colaboradores em qualquer quadro relacionado a este tema deve ser acolhido e tratado de forma multidisciplinar”, explica Martin.

Os recursos e a comunicação relativa à saúde mental são fundamentais, bem como a flexibilidade e o treinamento no local de trabalho. “Os gerentes precisam ser adequadamente treinados para identificar, abordar e cooperar com os profissionais em dificuldades, ajudando-os a encontrar o apoio necessário dentro da empresa”, finaliza.

Por Bruno Piai