Segundo dados divulgados pela Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP), as pessoas trans representam cerca de 2% da população adulta brasileira – cerca de 4 milhões de pessoas. Às vésperas do Dia da Visibilidade Trans (29), no entanto, as comemorações dão lugar à conscientização e à busca por respeito e oportunidades sociais e profissionais.

De acordo com o estudo, o grupo possui expectativa de vida de 35 anos, em média, além de ser um dos que mais sofre com enfermidades emocionais: 60% lutam contra a depressão, informa levantamento de 2018 da revista The Lancet. Diante de estatísticas tão alarmantes, reflexos de uma sociedade excludente, a data ganha contorno ainda mais importante.

“A inclusão da pessoa trans no mercado de trabalho segue como um dos grandes desafios de empresas, da sociedade civil e, principalmente, do Estado, que tem o dever constitucional de assegurar as necessidades vitais de todos os brasileiros”, salienta em artigo Letícia Rodrigues, Consultora de diversidade, equidade e inclusão, e sócia-fundadora da consultoria Tree Diversidade.

Na visão da especialista, as organizações brasileiras são impactadas pela desinformação referente ao público trans, o que contribui para que, por mais que várias empresas já se movimentem em ações efetivas para promover inclusão, ainda sejam poucos os negócios que olham com a devida atenção para a causa.

“Nosso país não tem ideia de qual é o tamanho da população trans, nem suas demandas a serem contempladas em políticas públicas, além dos poucos dados disponíveis no sistema público de saúde e nas entidades da sociedade civil a atuar junto a esta intersecção. Sem saber, por exemplo, a prevalência das pessoas trans e das outras intersecções LGBTI+ na população, as empresas ficam sem referências que lhes permitam traçar metas de inclusão em suas ações afirmativas. A experiência que já temos de inclusão de pessoas trans em empresas também mostram a necessidade de estruturar ações de aceleração educacional e monitoramento estratégico e detalhado da saúde física e mental desses colaboradores”, pontua Letícia.

O 1º Mapeamento de Pessoas Trans da Cidade de São Paulo, realizado em 2021, ouviu 1.788 pessoas trans e travestis e concluiu que a maioria da população trans é composta por mulheres jovens, pretas e pardas. Do total de entrevistados, somente 59% exerciam uma função remunerada durante o período das entrevistas – grande parte no mercado de trabalho informal.

“Normalmente, as portas estão fechadas para esse grupo de pessoas por causa do preconceito da sociedade que se reflete também nos recrutadores”, explica Maira Mainardi, Head de People and Culture da Beedoo, startup de treinamento.

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Maira, que chegou há dois anos com a missão de construir um departamento de Recursos Humanos na empresa, diz que a mudança vai muito além de preencher cotas e passa pelo desafio de tornar a companhia de fato plural, preparando-a para receber a diversidade nesse universo de startups tão alardeado pelo marketing, mas pouco receptivo no dia a dia.

“A transformação começa na liderança. É preciso entender que a diversidade de gênero é uma política voltada para a inclusão que oferece muitos benefícios para os negócios.  Entre eles a redução do turnover, por exemplo. Em vista do atual cenário hostil de trabalho, a empresa que tem uma cultura inclusiva e psicologicamente segura consegue reter seus talentos profissionais”, diz.

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Conscientização vai além de uma data

Na Beedoo, por exemplo, o profissional responsável pelo processo seletivo é um homem trans negro. A própria forma que o candidato lida com ele já demonstra como irá lidar com outras pessoas na empresa. “Assim, podemos perceber se está apto para conviver e aceitar a diversidade”, conta.

De acordo com a profissional de pessoas e cultura, a ética e o respeito da organização pela diversidade também elevam o engajamento do time, trazendo motivação e aumentando a produtividade. Mais do que isso, outra vantagem que Maira aponta é o fato de que equipes plurais têm a capacidade de pensar em soluções inovadoras. “É preciso pensar fora da caixa. Para isso, é preciso ter um Recursos Humanos empoderado, que ajude a contratar e reter talentos LGBTQIA+”, sustenta.

Ainda sob o aspecto profissional, é sempre válido ressaltar a importância de projetos como a TransEmpregos. Diariamente, o portal de vagas auxilia na contratação de pessoas trans, contando com mais de 2.200 empresas parceiras. Entre diversas ações que vão além da divulgação de oportunidades inclusivas, o site, que é o maior banco de vagas afirmativas para profissionais transexuais, transgêneros e travestis do país, oferece auxílio gratuito para confecção e aprimoramento do currículo.

Somente em 2022, foram publicadas mais de 4 mil vagas de trabalho na TransEmpregos, uma queda de 5% em relação a 2021. Todavia, as empresas parceiras cresceram 53%, assim como os profissionais empregados, que aumentaram em 40% na comparação com o ano anterior.

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Já com viés mais voltado à saúde e ao social, entre os dias 15 de outubro e 15 de novembro do ano passado, quem também se destacou de forma positiva a favor da visibilidade trans foi a AVON, que realizou pela segunda vez a campanha Mês Violeta, um movimento criado pela companhia em parceria com a agência Wunderman Thompson com a proposta de divulgar informações especializadas sobre o assunto, prestar acolhimento e oferecer apoio médico gratuito para a comunidade trans.

Em parceria da AVUS, plataforma voltada para a democratização da saúde, a empresa, que desde 2016 conta com uma Rede pela Diversidade, viabilizou teleconsultas gratuitas com profissionais de psicologia, cardiologia, dermatologia, ginecologia, ortopedia, otorrinolaringologia, pediatria, psiquiatria, urologia, vascular e clínico geral. Também foram oferecidos atendimentos com fonoaudiólogo e nutricionista com valores mais acessíveis, bem como descontos em medicamentos e um clínico geral disponível 24 horas por dia via vídeo chamada ou chat.

Fora isso, a marca também abriu suas redes sociais e canais oficiais para destacar conteúdos educacionais que tratam assuntos como saúde e direitos legais da população trans. Para Viviane Pepe, diretora de comunicação da AVON, iniciativas como essa são fundamentais para que o público trans possa ter expandido o seu acesso a direitos sociais básicos.

“Em uma sociedade em que corpos transgêneros são invisibilizados, o acesso a direitos básicos, como à saúde, se torna mais difícil. Queremos fazer parte da mudança desse cenário, fornecendo acolhimento, apoio médico e informações relevantes e seguras para essa população, além de promover a conscientização de profissionais da saúde sobre o assunto para desmistificar preconceitos e combater condutas discriminatórias”, finaliza.

Por Bruno Piai