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    Os processos seletivos estão cada vez mais digitais. De acordo com uma pesquisa realizada pela Oracle antes da pandemia da Covid-19, apesar de somente 10% das organizações usarem de forma contínua a Inteligência Artificial (IA) para o recrutamento, mais de um terço afirmou que nos próximos anos o uso seria muito mais significativo. 

    Além disso, o estudo identificou que, para 96% dos gerentes de RH, a IA é poderosa para atrair os talentos certos. A automação, ainda com base nos dados do estudo, mostrou que o uso dos recursos tecnológicos para recrutar pessoas trouxe economia de 14 horas semanais para os Recursos Humanos.

    Com a chegada do novo coronavírus e o consequente ‘boom’ do trabalho remoto, os RHs precisaram adaptar vários de seus processos, o que incluiu o R&S. Processos seletivos a distância ganharam força e não é incomum que as vagas exijam testes virtuais de personalidade, conhecimentos gerais ou específicos e afins. 

    Mas será que tal modernização é positiva para todos os lados? Há gaps presentes nas seleções que deixam com que a IA assuma filtros eliminatórios? No embalo do fenômeno “Round 6”, série sul-coreana centrada em um brutal jogo de sobrevivência que está a caminho de se tornar a série original mais vista da história da plataforma de streaming Netflix, vamos falar um pouco sobre.

    Grande prêmio em jogo, só um vencedor

    À primeira vista, a boneca responsável pelos desafios iniciais da série (alerta de spoiler) pode até parecer simpática, mas não tarda para mudarmos nossa visão e a enxergarmos de forma horripilante após as consequências mortais de sua frase “batatinha 1, 2, 3” se manifestarem. 

    Diferentemente da série, é óbvio que os candidatos não colocam sua vida em risco nos processos seletivos, mas a analogia de eliminação é válida. Basta pensarmos em quantos talentos inovadores e criativos sequer têm a chance de serem entrevistados porque, em algum lugar entre os testes e o ‘match’ de perfil com a vaga, uma informação o eliminou. Ou seja, para muita gente, a IA é como a boneca, uma vilã, quando, na verdade, tecnologia e pessoas cada vez caminham mais próximas por um objetivo em comum.

    Por mais que, ao se tratar da tecnologia na contratação o RH ganhe em agilidade e eficiência, nas redes sociais é facilmente notada a avalanche de reclamações e relatos frustrados de pessoas que dedicaram tempo a uma experiência interpessoal e não tiveram a chance de passar pela entrevista. 

    Segundo a headhunter Erica Castelo, CEO da The Soul Factor, empresa de Executive Search exclusiva, é preciso ter cuidado para que não se crie uma relação em que o profissional demonize a máquina.

    Segundo um relatório recente produzido pela Harvard Business School em parceria com a Accenture, softwares que filtram currículos de modo automatizado impedem que cerca de 27 milhões de pessoas encontrem um trabalho. Erica pontua que “as ferramentas de seleção baseadas em Inteligência artificial analisam vários currículos rapidamente, mas as ferramentas de contratação baseadas em IA podem ser tão tendenciosas quanto os humanos que as treinam”.

    Inteligência Artificial - Recrutamento Round 6

    Em uma pesquisa publicada em dezembro ao ano passado, pesquisadores da Upturn, uma organização sem fins lucrativos que visa assegurar equidade na tecnologia, destacou como essas suposições podem levar à discriminação não intencional por ferramentas de contratação de IA. 

    Segundo eles, o que pode acontecer naturalmente é você construir um modelo que identifique características comuns de sua força de trabalho atual, que não são diversas. Ou pode refletir, por exemplo, o fato de que os gerentes de contratação tradicionalmente dão preferência a candidatos homens ao invés de mulheres.

    Mas é preciso cuidado nas avaliações de “perfil psicológico” (os famosos “testes de personalidade”), pregados por alguns processos de seleção que visam encaixar os candidatos em “caixas de comparação” entendíveis pelo sistema. 

    “Mesmo contando com a avaliação humana em algum momento desse processo, a tentação por estabelecer um ‘perfil correto’ de personalidade é enorme. Ao contrário, o que é necessário é entender o potencial e vivências de cada candidato para exercer determinada posição’’, ressalta.

    “Essa obsessão por catalogar pessoas é perigosa, acompanhando civilizações, países e empresas: o ideal de um biótipo, de uma raça, ou de um talento perfeito. Assim como as características físicas, os traços de personalidade e comportamentos podem induzir a escolhas carregadas de preconceitos’’, acrescenta.

    Neste cenário, a headhunter acredita que as pessoas com perfil mais introspectivo podem entrar em desvantagem na seleção, já que a sociedade moderna privilegia, em geral, as pessoas que tendem a ser mais expansivas. Ou, por exemplo, podem-se assumir estereótipos, como “quem gosta de segurança não assume riscos”, o que pode não ser real. Se o candidato já esteve num ambiente onde aprendeu a assumir riscos calculados ele pode performar, com ainda mais excelência, em ambientes instáveis.

    Veja mais: Os limites da predição

    Competição exige atenção

    Erica diz que muitos candidatos procuram dar respostas não necessariamente genuínas para fazer o famoso “fit”. Isso pode acontecer principalmente em face a perguntas robotizadas por testes ou até por humanos que seguem entrevistas em “script”, do tipo “você fica nervoso em ambientes de pressão?” ou “gosta de trabalhar em times?”. A avaliação pode ficar, então, ainda mais distorcida da realidade.

    ‘’Enquanto gastamos energia em modelos sofisticados e impressionáveis para definir, mapear, formatar e comparar talentos, a verdade é que nos distanciamos da descoberta de pessoas que saem fora da caixa, que trazem o novo, tirando todos da zona de conforto’’, salienta a headhunter.

    Neste sentido, a recrutadora Ellen Rodrigues, que atua há 10 anos em seleção, destaca que é muito importante os RHs não permitirem que a inteligência artificial “elimine” a humanização dos processos de seleção, uma vez que a empresa também sai perdendo se informações mentirosas forem compartilhadas.

    “O RH não pode criar uma relação de dependência com a Inteligência Artificial. Pode ser um recurso interessante para contratações em massa, que exigem, normalmente, menos do candidato, ou para oportunidades nas quais há uma quantidade muito significativa de concorrentes, o que, por consequência, faria com que o recrutador perdesse muito tempo para falar com todos. No entanto, para vagas de mais fácil controle, é justo que haja uma flexibilização. Muitas vezes o candidato só tem a opção de responder ‘sim’ ou ‘não’ para questões complexas e que precisam de uma avaliação mais profunda”.

    Na primeira fase dos “jogos mortais” de Round 6, o protagonista da série, Seong Gi-hun (foto abaixo – via Netflix) simplesmente “congela” diante do cenário desesperador que há ao seu redor. Aterrorizado, ele tem sua capacidade de discernimento afetada pelo medo e isso dificulta que ele possa enfrentar a etapa com segurança e assertividade. 

    Seong

    Nos processos seletivos digitais, muitos candidatos optam por não serem sinceros e, sim, em tentar prever quais respostas podem ser as mais agradáveis ao algoritmo e assim se sentirem mais competitivos e próximos do “prêmio”. Será que para uma vaga técnica, por exemplo, vale a pena exaltar atributos como criatividade?

    “É compreensível que, quem está em busca de um emprego, tente ser o mais adaptável possível para conquistar a vaga. A minha dica, porém, é para que o candidato tenha a tranquilidade de ser honesto e exaltar quais são, verdadeiramente, os seus pontos fortes. É preciso ter em mente, também, que quanto mais suas características se distanciam do que é exigido, menos propósito a vaga tende a oferecer”, diz Ellen.

    Erica, por sua vez, acredita que se a avaliação precisa ser sobretudo humana, deve levar em conta as competências adquiridas nas experiências de cada candidato, na sua história de vida e aprendizados, então a solução é enxergar a tecnologia apenas como uma ferramenta de apoio coadjuvante. “A solução está na educação, na conscientização que vai levar uma decisão muito mais por competência aberta à diversidade. Sem a diversidade não é possível um time inovador, precisamos de pessoas fora do esperado, isso traz genialidade aos times’’, destaca.

    Veja mais: Os cuidados para o recrutamento com IA não ser inimigo da diversidade

    Tecnologia é aliada, não inimiga

    O processo de integração de tecnologias voltadas para o aprimoramento do setor Recursos Humanos vem sendo discutido com afinco. Entretanto, os últimos meses foram responsáveis por uma mudança rápida no segmento, que, apesar de apresentar conceitos antigos, tem técnicas que estão se diversificando muito com o passar do tempo. De acordo com a pesquisa Transformação na Gestão de Pessoas, mais de 70% das empresas apresentaram, no mínimo, uma prática que visava a modernização do setor de RH entre abril de 2020 e maio de 2021.

    Para Leonardo Casartelli, Diretor de Marketing do site Empregos.com.br, apesar de um bom processo de recrutamento e seleção ter a sua essência, a tecnologia traz novos pontos que os profissionais precisam se atentar, em especial para aqueles que pretendem continuar com seleções online após a pandemia.

    “A tecnologia chega como um recurso para deixar mais estratégico o trabalho do RH. Vale dizer que um processo seletivo bem feito é a chave para reduzir o turnover das empresas. Quanto mais criterioso for o recrutamento, mais chances a organização tem de contratar funcionários realmente qualificados para a função e que planejam crescer dentro da empresa”, explica. 

    O executivo ressalta que o recrutador precisa entender o que a organização busca e precisa, tanto em questões técnicas, quanto comportamentais. Desta forma, será possível simplificar e otimizar ao máximo o método como um todo e torná-lo justos para que, como em Round 6, as pessoas não precisem passar por cima de seus princípios e tomarem ações para a “todo custo” chegar ao seu prêmio – no caso, a vaga.

    De acordo com Ellen, não há mais como pensar em recrutamento sem pensar em IA e tecnologia. E, para ela, não faria sentido ser diferente. A especialista reforça que as empresas façam treinamentos que desestimulem vieses inconscientes e acompanhem de perto a filtragem das vagas, para que haja a certeza de que efetivamente critérios profissionais e não pessoais são os que determinam o filtro.

    “Meu alerta é para que sempre haja clareza e transparência ao candidato. Retornos negativos não devem ser em vão, mas, sim, explicativos e mostrando porque a pessoa não se encaixa na oportunidade em aberto. É muito importante o candidato sentir confiança e propósito no processo seletivo e, para isso, é necessário dar oportunidades durante a etapa digital para que ele se apresente, exalte seus pontos fortes, fale sobre os pontos a melhorar. Videoentrevista, mesmo que não seja ao vivo é, por exemplo, um recurso interessante. O ‘fit’ cultural pode facilmente se tornar algo discriminatório, então o desafio das empresas é sempre pensar em como as habilidades das pessoas são o fator primordial, e não o fato dela ser mais tímida ou falante, o que pode ser facilmente capacitavel”, finaliza.

    Foto de capa: Divulgação/Netflix

    Por Bruno Piai

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