O contexto em que operam as áreas de RH navega, cada vez mais, entre a complexidade e o caótico (mundo BANI). É um contexto que demanda, ao mesmo tempo, sair da zona de conforto para, de um lado, fazer diferente e acompanhar os movimentos relevantes para sustentação no longo prazo e, de outro, manter o alinhamento de diferentes iniciativas para garantir entregas de curto prazo e consistência futura.
Vivemos em um mundo de mais incertezas do que certezas, e o modelo de linearidade tradicional não dá conta desta realidade. É preciso adaptá-lo. A realidade não é linear.
Os principais desafios dos líderes neste mundo entre o complexo e o caótico são:
- Desenvolver e sustentar o comprometimento dos colaboradores com o negócio e sua satisfação e bem-estar;
- Incorporar práticas cada vez mais transformadoras de ESG no negócio e no trabalho, lidando com as ambiguidades da perenidade do negócio (antecipação, agilidade, resiliência e evolução).
Mudanças na natureza do trabalho
Um dos maiores desafios gerenciais é a mudança da natureza do trabalho e da capacitação, simultaneamente. Trabalho era rotina, horas e local definido. No passado tradicional (até os anos 2010), capacitação era sinônimo de adquirir conhecimento – afinal de contas, mais conhecimento levava a mais poder e trabalho.
Hoje, temos acesso a informação de qualidade muito rapidamente. Capacitação, hoje, poderia ser definida como a maneira com a qual aprendemos melhor, para reagir imediatamente a um ambiente que muda rapidamente e de forma imprevisível.
Mas, como os profissionais de RH podem influenciar positivamente a capacidade de aprendizagem?
Resiliência e o lado humano dos negócios
A resiliência de um negócio, hoje, tem muita relação com a capacidade dos times e pessoas de aprender. A importância do aprender levou a capacitação para a agenda do C-Level. Aprender e capacitar passaram a ser temas estratégicos. É preciso reconhecer que o que sabemos hoje nunca é o suficiente, que temos de aprender sempre, mudar para nos adaptarmos e para influenciar as mudanças, ao mesmo tempo. Aprender e capacitar é, também, parte da gestão do risco do negócio (obsolescência e disrupção, por exemplo).
Um exemplo disso é a adaptação do trabalho presencial frente aos tempos de COVID-19 e no pós COVID-19, nos quais as pessoas aprenderam a realizar suas atividades de forma digital em home office ou de forma híbrida, muitas vezes sem perder produtividade, ou mesmo com ganhos para a mesma.
Isto trouxe desafios de liderar, criar confiança, engajar, trabalhar e praticar a cultura de forma remota, o que nem sempre tem respostas ou, quando tem, nem sempre são satisfatórias. No entanto, parece ser relevante para o clima, cultura e desempenho, que os líderes e times dialoguem para enfrentar essas mudanças para uma situação nova e sem resposta pré-definida.
Em trabalhos que não podiam ser realizados de forma online ou híbrida (varejo, serviços médicos, logística, por exemplo), a continuidade do negócio necessitou que líderes e liderados vencessem o medo e insegurança da nova situação de forma constante: estávamos todos no mesmo barco de superar o medo, dando segurança física e psicológica.
Em suma, a pandemia foi um divisor de águas no sentido de como se faz o trabalho, também acelerando o processo de mudança.
Durante a pandemia de COVID-19, ficou clara para as lideranças a importância da dimensão humana para os negócios. O RH passa a apoiar e influenciar esses times, para ajudar as pessoas, para acolher. Humanizar as relações dentro das organizações é a peça chave – se tornando parte indissociável dos desafios técnicos e de negócio.
O quanto ficou destes aprendizados para as lideranças? Foi um aprendizado superficial, somente uma reação, ou foi mais profundo e estrutural, criando um novo jeito de trabalhar, combinando o que há de bom em cada situação?
Desafios da liderança pós COVID-19
A pandemia também pode ter trazido uma percepção de que “o que eu sei, já não está servindo” para a alta liderança. Nota-se também uma mudança radical de atuação da liderança, para remota e híbrida, quando o negócio permite.
Há uma percepção de que, em muitos casos, o retorno ao modelo tradicional totalmente físico (não fisital ou figital) é mais valorizado pela alta liderança do que pelos times (que se melhor se adaptaram, mantendo os benefícios de qualidade de vida).
Foi um aprendizado situacional da liderança, e o RH tem um papel provocativo nesse alinhamento entre os dois públicos, tanto em setores mais tradicionais e em setores mais tecnológicos.
Estar presente faz parte da cultura e da autopercepção de liderança? A defesa contra a mudança é aprender e mudar, adaptar-se. Isso tem valor. Um desafio presente em modelos de trabalho híbrido ou virtuais é como construir relações de confiança produtivas entre as pessoas (pares, líderes e liderados). Como fazer isso com menos, ou mesmo sem – os sinais não verbais, como gestuais e contextuais, o “eye contact”, que muitos neurocientistas, psicólogos assim como os gestores, reconhecem como tão relevantes.
Um exemplo prático do híbrido: dois empregos, pode ou não pode, se tem um desempenho e valor esperados? E o controle digital, para que serve além de comando e controle?
Apesar disso, líderes não podem ser reféns de suas trajetórias de sucesso. Sucessos futuros provavelmente virão de novos aprendizados, se possível com reações rápidas. É preciso uma gestão de mudança constante.
Um novo modelo de gestão?
Começa a surgir um novo modelo de gestão? Novas formas de trabalho, tecnologia, analytics e longevidade, além dos efeitos da COVID-19 no mundo do trabalho, parecem indicar que líderes e RH não podem se prender de que o modelo tradicional é a referência.
A realidade não combina mais com os modelos de somente comando e controle (C&C). Qual o sentido de estar presente ou remoto? Fazer sentido é relevante, principalmente para lidar com o conflito geracional, quanto a tarefas e entregas. A produtividade em geral nas empresas se manteve no híbrido, mas a cultura e o engajamento foram afetados. Qual o impacto no longo prazo? Temos de repensar como fazemos isso também, provavelmente. E a LGPD?
Outra dimensão é a mudança de atitude, também associada aos profissionais das novas gerações. Pessoas estão mais à vontade para questionar, mas se nossa cultura é de C&C, lidar com esse questionamento é uma novidade para a cultura brasileira.
Em comparação com a cultura holandesa, por exemplo, nesta última há mais tranquilidade de colocar sua opinião, questionar e não tornar a discussão pessoal.
Retomar o trabalho de engajamento sem trabalhar o sentido e satisfação pessoal de retomar ao presencial não fortalece a cultura, mas sim gera insatisfação. É delicado, e é preciso trabalhar o indivíduo e cultura ao mesmo tempo. Ir ao escritório tem de fazer sentido e ser uma experiência única. Os gestores têm de trabalhar isso e criar essas experiências. Especialmente como conectar estes cenários, colaborar, cocriar. Sair de casa e ir ao escritório tem de fazer muito sentido.
Há algumas formas de aprender. Há o aprender com hindsight (olhar para experiência passada) e foresight (construir cenários possíveis e pensar sobre o futuro) – varia de negócio para negócio.
Inovação, tipos de aprendizado e o papel do líder
Aprender a aprender não pode ser apenas por imitação, copiar o modelo, mas construir o modelo, testar, experimentar, e lidar com algumas incertezas e riscos, com rapidez.
Há também um aprendizado coletivo: combinar o conjunto de conhecimento. Esse é um caminho para o líder sair do C&C, ampliar o olhar e reduzir risco.
Entre os possíveis caminhos para as lideranças desenvolverem esse aprendizado coletivo, destacam-se: trabalhar a humildade e abraçar as fragilidades, para empoderar o grupo e ainda ser reconhecido como líder (uma alternativa ao C&C); trabalhar as respostas que vêm do grupo e não considerar somente a própria resposta, mas combinar ambas.
Quando o líder faz perguntas, tem de estar aberto a ouvir respostas e saber lidar com o que vem (outro ponto que é uma necessidade de preparar o líder: saber ouvir).
Lidar com o ego e a sedução do poder também é outra dimensão próxima: perguntas que talvez o líder não se sinta confortável em fazer porque não sabe as respostas.
O modelo educacional de formação escolar básica tradicional na América Latina não promove discussão, é unidirecional (professor para aluno). Modelos diferentes são pontuais. O time de Desenvolvimento Organizacional das empresas, portanto, pode (e deveria) trabalhar o perguntar e a fragilidade da liderança.
Líderes devem ter desapego, e assumir que não têm as respostas para tudo. Liderar, por exemplo, desta forma, ajuda a criar uma prática das pessoas serem ouvidas. Líderes que conseguem fazer essa mudança podem acabar tendo reação contrária das culturas organizacionais mais tradicionais de lideranças C&C. Já centralizar e descentralizar é um eixo complementar: metodologias ágeis, por exemplo, é uma referência, e aproximar o RH desse modelo pode ser valioso para todos.
Há uma linha tênue entre o líder inspirador e colaborador (trazer a visão) e outro através de perguntas socráticas (questionar). Dependendo da situação, quem lidera pode variar sua atitude entre posicionar-se como líder e direcionar / decidir versus promover uma decisão cocriada. Liderança é situacional e pode-se aproveitar as duas atitudes.
Tem a ver com o líder se posicionar ao trazer a visão (e alinhamento com o propósito da empresa), criar sentido para o trabalho, confiança, engajamento e promover um ambiente colaborativo. Com o objetivo claro e visão compartilhada, os caminhos / respostas podem ser mais diversos e criativos. Isso valoriza cada um do time e o líder. O limite, nesse caso, parece ser a discussão contrária à visão, o líder deve retornar a discussão para o eixo (visão).
Alguns pontos para líderes refletirem sobre suas ações nestes termos são:
- O(a) líder deve “abraçar suas fragilidades”, dentro do contexto abordado. Autoconhecimento é fundamental, e deve servir para mapear os gaps dos líderes e, assim, permitir que este forme times com pessoas / competências complementares às suas;
- Não personalize as discussões, perguntas e respostas;
- Visão e acompanhamento é papel do líder – já respostas e plano de ação, do time (com responsabilidade compartilhada). Tem de desapegar, mas permitir o alinhamento;
- Soma das experiências dentro dos times, de igual para igual, tentando reduzir o peso da hierarquia, é muito rica e também é um fator para reduzir risco;
- Favorecer a postura de aprendizado pelo líder pode ser um caminho;
- Assumir que não sabe todas as respostas e assumir essa fragilidade. Essa é uma possível barreira de atitude para muitas lideranças. Essa abertura para um diálogo gera oportunidade dos times se reconhecerem nas entregas;
- A replicação “para baixo” e o exemplo anterior geram o ambiente favorável a perguntas e ao novo papel do líder, e aumenta a capacidade de acessar o conhecimento muito mais diversificado (potencialmente) do time. Exemplo: discutir o papel do RH em recrutamento e seleção;
- Metodologias Ágeis e áreas que mais as aplicam têm maior facilidade para aplicar esse modelo, principalmente nas lideranças médias (área de tecnologia ou correlatas e grupos multidisciplinares com outras áreas, por exemplo).
Há um desafio para o qual as lideranças devem se atentar, que é o de como construir a cultura de inovação. Linda Hill (Universidade Harvard) tem o conceito de slice of Genius: inovação recorrente; criar ambientes onde as pessoas podem opinar (ex: Pixar, que utiliza uma metodologia de trazer a colaboração a níveis diferentes da organização, como cultura); que tenham trabalhos paralelos, mas coordenados (ágil), para obter velocidade e inovação com alinhamento do todo.
Ainda sobre inovação, outro desafio é abrir o RH como área fornecedora para outras áreas, ouvir o cliente interno – o que exige muito desapego e resiliência. Refere-se a praticar experimentos e entender onde funciona e onde há limites ou não funciona. Inovar por inovar não faz sentido. Nem tudo funciona online.
Obstáculos aos novos modelos de liderança
Alguns pontos de atrito para a visão de agilidade e colaboração são a lógica de hierarquia e área funcional versus lógica de agilidade e perguntar.
Tem-se a resistência em assumir novos riscos, que vem com as novas responsabilidades; a hierarquia (postura do líder desincentivando respostas do time); a potencial dificuldade de colocar o cliente no centro. Muitas vezes a oposição é tácita, é não engajar. E a complexidade que os gestores têm de lidar é cada vez maior.
Burnout e saúde mental
Outro tema levantado como relevante e debatido no Summit dentro do escopo de liderança e times no momento do atual papel da área de RH e negócios, relaciona-se ao burnout e saúde mental: como melhorar a segurança psicológica no trabalho?
Saúde mental sempre foi uma questão presente nas organizações, mas não se achava espaço para debate ou visibilidade. Era mais vista como um desvio do que um problema a ser enfrentado com prioridade.
Na COVID-19, as taxas de disfunção relacionadas à saúde mental parecem ter aumentado muito, e passaram a ser mais discutidas, o que tem seu lado positivo pela visibilidade adquirida por um tema importante.
As condições da pandemia – medo, risco de perda de emprego, excesso de reuniões online – de forma cumulativa, provavelmente foram os fatores que favoreceram a proliferação de casos. A culpabilização / estigmatização da necessidade de descansar potencializou o estresse e a ansiedade.
Descansar é necessário. E não só para os colaboradores. Lidar com a saúde mental dos colaboradores e líderes em momentos de pressão (muito crescimento ou muita necessidade de redução de custos, por exemplo) é essencial.
Alguns exemplos de boas práticas aplicadas são restringir reuniões fora dos horários de trabalho e férias compulsórias preventivas (com ou sem contabilização nas férias regulares).
O texto acima faz parte do documento ‘Desafio Estratégicos para o RH’, da Saint Paul Escola de Negócios. Para acessar o conteúdo completo, clique aqui.
Por André Nardy, Ph.D, Vice-Reitor de Educação Corporativa da Saint Paul Escola de Negócios