“Se você está nesta teleconferência, você faz parte do grupo azarado que está sendo demitido.” Imagine, ao ser convidado para uma chamada via Zoom, você ser surpreendido com essa frase. Pois bem, foi o que aconteceu com mais de 900 colaboradores da Better.com, empresa de hipotecas online. Em uma ligação de cerca de 3 minutos, o diretor-presidente Vishal Garg (capa) anunciou a dispensa de 9% da força de trabalho da organização. A chamada ocorreu na última quarta-feira (1), de acordo com informações da CNN.

A gravação da breve, mas polêmica reunião, chegou à CNN News. O executivo declarou, na conversa com os colaboradores, que “seu contrato aqui é rescindido com efeito imediato”. Na sequência, orientou a equipe a aguardar mais informações que seriam passadas pelo RH.

E não pense que, apesar de ser uma conversa curta, o tempo não foi suficiente para “lavar roupa suja”. Garg criticou a produtividade dos dispensados e, de acordo com a Fortune, alegou que os profissionais que não fazem mais parte da empresa estavam “roubando” seus colegas e clientes, por renderem pouco e não trabalharem mais do que duas horas por dia.

“Esta é a segunda vez na minha carreira que faço isso e não quero fazer. A última vez que fiz, chorei”, disse o diretor, segundo a CNN.

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Demissões por Zoom, WhatsApp e afins podem ser realizadas no Brasil?

Por aqui, um caso de demissão virtual chamou a atenção. Em 2016, uma empregada doméstica de Campinas (SP) foi demitida pelo WhatsApp ao receber a seguinte mensagem de seu patrão: “Bom dia. Você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar os documentos”. O caso foi julgado somente em 2021 na na 2ª Vara do Trabalho de Campinas, que deu ganho de causa à funcionária. O ex-chefe foi condenado a pagar o equivalente a três salários da mulher. Contudo, em casos semelhantes nos quais o empregado também saiu vencedor, há em comum um fato: o problema não está no meio pelo qual a demissão foi realizada, mas no teor da mensagem.

Especialmente com a pandemia, plataformas de comunicação digital tiveram maior uso entre líderes e funcionários. Quando o aviso da demissão é feito por aplicativos de conversa, o que a Justiça analisa é se aquele meio era a forma normalmente utilizada entre os funcionários e empregadores para a comunicação no dia a dia do trabalho, se o empregado estava atuando remotamente e se não havia a necessidade ou possibilidade de convocá-lo para uma conversa pessoal. “E, principalmente, se a comunicação estava dentro dos padrões de respeito e cordialidade que devem nortear as relações”, explica Karolen Gualda, advogada especialista em Direito do Trabalho e coordenadora da área trabalhista do escritório Natal & Manssur.

Nas situações em que as empresas recorreram a esse formato de anúncio de desligamento e, porventura, o empregado tenha questionado, esse tem sido o entendimento majoritário do Judiciário. Assim, acionar a Justiça do Trabalho por conta de uma demissão por WhatsApp, Zoom ou afins não ensejaria, por si só, algum tipo de reparação.

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“A utilização do WhatsApp, assim como dos demais meios telemáticos como Skype, Zoom, e-mail, etc., foi muito mais difundida com a pandemia, inclusive os próprios tribunais têm se utilizado dessas ferramentas para realização de diversos atos. É uma evolução na forma de comunicação, que deve ser encarada como mais uma ferramenta de trabalho”, afirma a advogada.

As mesmas condutas do mercado de trabalho presencial devem ser mantidas nessa nova era digital: respeito ao trabalhador e à sua dignidade, cordialidade na fala e escrita, clareza nas informações. “No caso específico de demissão, a formalidade do ato e a possibilidade de confirmação de que a mensagem foi recebida pelo seu destinatário são essenciais e devem sempre ser observados pelas partes que as utilizam”, finaliza Karolen.

Foto de capa: via The Sun

Por Bruno Piai