No livro “O Princípio de Peter” (The Peter Principle), de 1969, os autores Laurence Peter e Raymond Hull usam a sutileza e o bom humor para falar sério sobre um problema enfrentado por muitos profissionais: o desperdício de talento em atividades que expõem mais fraquezas do que qualidades.
De acordo com a obra, o Princípio de Peter pode ser em poucas, mas marcantes palavras, definido da seguinte maneira: “Em um sistema hierárquico, todo funcionário tende a ser promovido até o seu nível de incompetência”. Em outras palavras, profissionais recebem promoções inesperadas sem estarem preparados para assumir um cargo superior ao seu atual. Um exemplo citado pela obra é o grego Sócrates, considerado um dos maiores filósofos de todos os tempos, mas visto como um advogado de defesa que deixava a desejar.
Nem sempre um profissional recusa uma promoção, afinal, se tende a crer que na maioria dos casos ela é oferecida por alguém que acredita em seu potencial e capacidade de exercer um bom trabalho. Contudo, há perguntas importantes a serem feitas antes do “sim” e que por vezes são engavetadas em meio ao entusiasmo: “eu realmente estou pronto para essa nova responsabilidade?”, “é o momento certo para isso?”
De acordo com a psicóloga e especialista em Recrutamento e Seleção, Ellen Rodrigues, o maior cuidado que um profissional deve ter em relação a sua carreira é não fazer tudo cedo demais. Para ela, por mais que seja engrandecedor à moral e à autoestima receber uma oferta motivada pela confiança de uma outra pessoa, é importante que haja uma pausa para reflexão e análise de cenários.
“Cada um tem o seu tempo de desenvolvimento. Ser precoce, às vezes, é um perigo. É necessário lembrar que uma promoção não se limita a um salário maior ou ao desejo de mostrar valor. É preciso pensar na qualidade de vida, na capacidade de conseguir lidar ou não com uma pressão maior, ter a percepção de identificar se suas habilidades profissionais e emocionais batem com as atribuições do cargo. Não é anormal ver pessoas terem um aumento de desânimo maior do que o aumento salarial. E hoje, com doenças psicológicas se manifestando com maior intensidade no ambiente corporativo, o cuidado deve aumentar”, aponta.
A especialista, que já atuou tanto na área corporativa quanto na área clínica, pontua que em casos mais graves do Princípio de Peter enfermidades como depressão, ansiedade e síndromes de Burnout e do impostor podem se manifestar. Com a pandemia da Covid-19 e seus impactos, tal efeito à saúde emocional pode se potencializar ou se revelar com maior frequência.
“Quando uma pessoa enfrenta condições como a síndrome do impostor, a pressão em cima dela é potencializada. O transtorno, basicamente, faz com que você se sinta uma fraude e não merecedor de nenhuma de suas conquistas. No contexto do Princípio de Peter, isso pode aumentar, pois mais do que a sensação em si, o profissional se vê envolvido por situações às quais ele efetivamente não está pronto para lidar. É o famoso caso de profissionais que se destacam enquanto realizam atividades operacionais, mas não mantêm o mesmo desempenho ao chegar a posições de liderança. E sem um tempo de preparação adequado para desenvolver os pontos que precisam ser melhorados, o profissional pode sentir que fracassou. Por isso dizemos que o sucesso pode se tornar um fracasso”, explica Ellen.
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Como lidar com o Princípio de Peter?
Vale destacar que o Princípio de Peter pode ser enfrentado por qualquer profissional. O livro deixa claro o momento para seu atingimento é quando as habilidades de um indivíduo são levadas ao limite. É dito, inclusive, que a tendência é que em algum momento todos o enfrentarão – o que não se resume à vida profissional.
A psicóloga orienta que é primordial trabalhar um mindset voltado ao aprendizado constante. Por mais que haja uma sensação de segurança e competência na função atual, é preciso identificar que uma mudança trará novos desafios, os quais quem assumi-los só terá êxito quando skills forem desenvolvidas e praticadas. Ela destaca, porém, que isso não pode ser uma carga nas costas do profissional e sim uma demanda apoiada pelo RH e pela gestão.
“Novamente trazendo o gancho da transição do operacional para a liderança, este pode ser um passo muito complexo. Nesse processo é fundamental que as empresas forneçam todo o auxílio necessário. Coaching, treinamentos, feedbacks e auxílio psicológico quando necessário são fundamentais. Deixar tudo nas costas da pessoa promovida, sem que ela tenha noção ou orientação do que precisa buscar, não trará ganho a nenhuma das partes”, orienta.
Além disso, Ellen ressalta a importância das empresas terem ambiente e cultura organizacionais voltados a acolher pessoas, cuidar de seu emocional e que possibilitem que haja transparência, comunicação e canais para que o colaborador exponha o que não está fazendo bem.
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“Em um mundo ideal, as empresas deveriam preparar as pessoas para assumir cargos acima e não jogá-las à própria sorte e começar a treiná-las – ou sequer fazer isso – quando a pressão já está estabelecida. Não adianta a organização vender um plano de carreira como retentor de talentos quando o programa, na verdade, é uma armadilha à saúde mental. E lembre-se, nem tudo se resume ao desenvolvimento de habilidades, mas também à condução de hábitos a favor do bem-estar e à construção de um ambiente saudável”, finaliza.
Por Bruno Piai