Uma lei aprovada na última sexta-feira (5) pelo parlamento de Portugal está, no mínimo, chamando a atenção de líderes, RHs e gestores empresariais do país. O parlamento local determinou que os empregadores não podem mais contatar seus colaboradores fora do horário de trabalho. Caso haja o descumprimento, penalizações estão previstas.
A medida, em si, tem um objetivo principal, que é o de proteger os “nômades digitais”. Por conta do crescimento do home office, em muitos casos a jornada laboral passou a ser desrespeitada – ou menos controlada. Pela facilidade de comunicação proporcionada por aplicativos, softwares e afins, se tornou comum chefes mandarem mensagens relacionadas ao trabalho mesmo fora do horário do expediente.
Ao adotar a lei, Portugal também visa incentivar a adesão de profissionais de outros países às empresas locais. A ministra do Trabalho e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, declarou que considera Portugal “um dos melhores lugares do mundo para os nômades digitais e trabalhadores remotos escolherem viver”. Ainda segundo ela, que deixou claro que o trabalho a distância precisa de limites para funcionar de forma eficiente, “o teletrabalho pode ser uma ‘virada de jogo’ se lucrarmos com as vantagens e reduzirmos as desvantagens”.
A nova lei também determina que os patrões que mandarem mensagens fora de hora para os colaboradores deverão arcar com todas as despesas laborais extras, como a conta de energia. A regulamentação determina, ainda, que os empregados não podem ser monitorados em suas casas pelos empregadores. Além disso, a cada dois meses, os líderes devem organizar uma reunião presencial, para que o funcionário não fique sob total isolamento.
Funcionaria no Brasil?
A pesquisa “Os impactos da pandemia da Covid-19 no RH brasileiro”, realizada pela Convenia e a TiqueTaque, revelou que quase 85% das organizações que adotaram o modelo híbrido de trabalho utilizam o WhatsApp como ferramenta de interação – das organizações 100% home office, 66,9% fazem uso do aplicativo. Com a praticidade, no entanto, vieram os excessos. 42,3% dos funcionários entrevistados alegaram que realizam carga horária acima do proposto pelo contrato.
De acordo com a advogada Laura Teixeira, especialista em Direito Trabalhista, a legislação brasileira não conta com uma lei tão específica em relação ao assunto quanto a portuguesa, mas tem mecanismos para punir empregadores que ‘passam do limite’.
“Não é proibido o empregador contatar seu funcionário antes ou depois do horário de expediente ou até mesmo nos dias de folga. A questão é que o colaborador tem o direito de escolher o momento em que responderá as mensagens ou pode optar por não respondê-las fora do horário laboral e tampouco visualizá-las. Começa a se tornar um problema quando há pressão por parte do empregador exigindo que o funcionário esteja totalmente a sua disposição fora do expediente. Há vários processos na Justiça do Trabalho por conta de ameaças e pressões impostas por chefes para que seus funcionários façam hora extra. Tais casos podem ser configurados como dano ou assédio moral”, explica.
Segundo a especialista, embora a lei permita que o empregado possa fazer até duas horas extras por dia (totalizando um máximo de dez, por semana), o home office não pode “flexibilizar confusões”.
“Se eu, colaborador, tenho contrato assinado que estipula a realização de horas extras, por conta do acordo estabelecido entre mim e o empregado, sou obrigado a cumpri-las quando necessário – e, lembrando, nunca por conta própria. Porém, isso não dá o direito para que o empregador faça o que bem entender. Se você, por exemplo, trabalha das 8h às 17h, seu chefe não pode simplesmente mandar mensagem às 21h exigindo que você esteja disponível para realizar qualquer tarefa naquele instante. Decidindo, sem qualquer aviso prévio, que absolutamente fora de horário você cumprirá até duas horas a mais. Há quem acredite que isso faz parte do regime de sobreaviso, que é muito comum no trabalho a distância, mas são situações totalmente diferentes.”
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O regime de sobreaviso citado por Laura é um modelo de trabalho que abrange os famosos “plantões”. Nele, o empregado é previamente avisado que, mesmo em seu período de descanso, pode ser necessário que ele esteja disponível para alguma eventual ordem.
“Nesse regime, ele (o colaborador) é avisado que poderá ser requisitado, então já estará em alerta. É fundamental dar ênfase ao fato de que deve existir a comunicação prévia. O trabalhador não pode ser pego de surpresa e tampouco coagido a fazer favores. Há ainda o pagamento de um valor referente a ⅓ do salário-hora durante o período do plantão ou pagamento de horas extras caso realmente alguma tarefa tenha que ser desempenhada”, finaliza a advogada.