Falar de saúde mental nunca foi tão importante. À medida que o assunto ganhava espaço dentro do universo corporativo, a chegada da pandemia da Covid-19 tornou a discussão ainda mais crucial nas organizações. Diante da nova realidade não só mercadológica, mas social, o Grupo TopRH, em parceria com a plataforma EventPlay, realizou a primeira edição do RH Web Talks, evento que teve como temática diversos assuntos voltados à saúde emocional e ao mercado de trabalho. 

Ocorrido entre os dias 7 e 9 de julho, o evento gratuito contou com mais de 5 mil inscritos e uma programação recheada de especialistas e empresas de destaque em relação aos cuidados mentais dos profissionais do país. 

Quer saber tudo o que rolou de melhor no primeiro RH Web Talks? Foram tantos conteúdos incríveis que vamos dividir em duas partes. Nesta primeira, você terá acesso ao resumo do primeiro dia dos encontros virtuais. Na segunda parte, traremos os principais insights do segundo e do terceiro dia.

Dia 1 – Saúde Mental e RH: um panorama da saúde

– O estigma em torno da discussão da saúde mental no trabalho – Miriam Branco da Cunha e Dra. Dulce Brito, Diretora de RH e Coordenadora médica da saúde mental do Hospital Israelita Albert Einstein

Sob o comando da pesquisadora, palestrante e criadora de metodologias do Instituto de Desenvolvimento Humano Lippi (IDHL), Flávia Lippi, que assumiu de forma brilhante o conteúdo de entrevistas do evento, o RH Web Talks teve início com uma importante discussão que envolveu especialistas do Hospital Israelita Albert Einstein.

De acordo com a Dra. Dulce, é importante que a pandemia tenha trazido o assunto da saúde mental ainda mais para evidência, porém, ainda é necessário que as empresas deixem de lado uma postura de negação e desenvolvam iniciativas que partam do “não está tudo bem”. “Neste momento pandêmico, é fundamental que as organizações se permitam dizer que estão vulneráveis. Pedir ajuda não deve ser encarado como um sinal de fraqueza. Pelo contrário, é um sinal de força”, diz.

Responsável pelo programa de promoção da saúde, bem-estar e saúde mental dos colaboradores na instituição hospitalar, a médica reforça que “é muito importante o líder dizer como está se sentindo. É fundamental ele falar que também está sendo impactado psicologicamente. Se ele se sente assim, as pessoas se permitirão contar como estão se sentindo. E assim elas poderão buscar apoio”.

Miriam Branco e Dra. Dulce - RH Web Talks

Referência no trabalho de cuidado com a saúde mental de seu time de trabalho, o Hospital Israelita Albert Einstein conta, inclusive, com uma página dedicada a combater os estigmas relacionados à saúde emocional e a explicar sobre a importância de promover ações voltadas à ela. Miriam pontua que os negócios, hoje, devem assumir posturas cada vez mais humanizadas, com o RH sendo protagonista nos cuidados com a equipe.

“Quando mais eu compreender o ser humano com um ser integral, mais aderente serão as ações tomadas. O RH deve conhecer a instituição, o contexto da empresa e o propósito por ela estabelecido. Deve conhecer e respeitar a cultura local”, diz a Diretora de Recursos Humanos, que acrescenta que tão importante quanto a Gestão de Pessoas e os líderes conhecerem o negócio, é eles conhecerem as pessoas: “As organizações precisam conhecer as pessoas e suas integridades. E as ações, o que inclui os benefícios, precisam ser ajustados às necessidades de cada um”.

– Neuroliderança e saúde mental. Como as pausas aumentam a produtividade sem perder a saúde – Flávia Lippi, criadora de metodologias do IDHL

A entrevistadora do evento também assumiu uma das palestras. Trazendo uma visão mais técnica, Flávia Lippi destacou a importância das pessoas criarem o hábito de se cuidar, mesmo diante de uma rotina pesada que por muitas vezes se mostra corrida. Segundo a pesquisadora, “para ter produtividade é preciso ter saúde. Se você não pausar, você ‘pifa’. Sua carreira está em suas mãos e a sincronia entre ela e o bem-estar influencia até mesmo no comportamento ético.

Flávia Lippi - RH Web Talks

A especialista pontua que a convergência das tecnologias, somadas às mudanças culturais, exige mudanças radicais nos modelos de negócio e nas culturas organizacionais. E com o fortalecimento dos modelos de trabalho impostos pela crise do novo coronavírus, as empresas precisam ainda mais se adaptar ao mundo 4.0. “Os avanços significam mudanças de paradigmas que mudam também as nossas motivações. Meses antes do surgimento da pandemia, Peter Diamandis, da Singularity University, disse que o nosso cérebro, que não possui uma ‘atualização de hardware’ há mais de 200 mil anos, não foi projetado para tal velocidade de mudança”, diz.

Flávia salienta que ao falarmos da atual realidade, não basta somente ser um indivíduo inteligente, seja no íntimo ou no corporativo. É necessário que se aprenda a ser sábio. O primeiro passo para isso é “focar no interior para que nos conheçamos tanto quando conhecemos as nossas máquinas”. 

Tudo que acontece na vida de cada um de nós, dos planejamentos que são feitos às emoções que são sentidas, impactam, de acordo com a pesquisadora, no organismo. Do mesmo modo, tudo é produzido dentro dele e não fora. “Não existe comportamento humano dissociado da anatomia e da fisiologia. Isso faz parte da sua biologia. Os líderes podem causar repulsa química em profissionais por conta da liberação química de seus corpos. Pessoas com medo liberam odores diferentes que afastam os decisores de sua atuação. Você pode perder um grande negócio se seu medo for tanto a ponto da biologia dominar uma reunião. Sua personalidade também está envolta nos neurotransmissores”, explica.

– A revolução dos negócios está na compaixão – Dr. Lippi, Psiquiatra

A próxima atração do evento contou com uma rica interação entre pai e filha. Flávia entrevistou o pai, Dr. José Raimundo Lippi, conhecido popularmente como Dr. Lippi, psiquiatra e presidente da Academia Mineira de Medicina.

O bate-papo trouxe à tona uma discussão relevante sobre o quanto uma gestão de negócios que tem a compaixão como um de seus mantras não somente se destaca em relação à humanização, como também fortalece seu poder de atração, retenção e engajamento. 

Uma pesquisa feita pelo cientista Richard Davidson, enfatizado por Flávia como um dos maiores pesquisadores sobre a neurobiologia das emoções, comprova que a base de um cérebro saudável é a bondade. O estudo revela que estimular a compaixão e a empatia desde a infância melhoram os resultados acadêmicos e profissionais e o bem-estar físico e emocional.

Dr. Lippi - RH Web Talks

Para o Dr. Lippi, o termo “compaixão” é compreendido como “a participação espiritual na infelicidade de outra pessoa. É um impulso altruísta de ternura. Quando vejo alguém em sofrimento, na minha prática de vida, procuro me colocar espiritualmente juntamente a esta pessoa. A compaixão é resultado de vivência”. De acordo com o especialista médico, a construção de um ambiente que fortaleça a saúde mental é baseada na forma como conduzimos os nossos relacionamentos, o que só reforça o porquê dos líderes trabalharem de forma acolhedora e que faça do ambiente de trabalho um espaço seguro para seu time.

“Dos predicados mais importantes para termos saúde mental está o bom relacionamento. Quanto mais relações saudáveis e não obrigatórias e forçadas nós temos, mais potencializamos a saúde da nossa mente. Só somos felizes se convivemos com pessoas que também estão felizes.”

– Como usar os seus OKRs e objetivos de RH para o bem-estar dos colaboradores – Renan Conde, Gerente de Vendas da Factorial

A abertura da programação da tarde levantou o assunto dos OKRs (objetivos e resultados chave, em tradução literal). A sigla representa tanto a possibilidade quanto uma visão clara de onde estamos e para onde queremos ir, segundo Renan Conde.

O entrevistado pontua que os OKRs se destacam por ajudar o gestor a identificar como está a produtividade de um colaborador e também sua compatibilidade e engajamento com o cargo em questão. “Há um grande mito sobre os OKRs no qual é dito que ele gera competição entre os funcionários. E isso precisa ser desmistificado. Eles são aplicados para compreendermos e diagnosticarmos o que pode ser melhorado”.

Os OKRs podem ser divididos em quatro métricas de medição, representadas por:

  • Métrica Quantitativa;
  • Métrica Qualitativa;
  • Transparência;
  • Ambição do negócio.

“Primeiro é necessário estabelecer um objetivo e, então, é possível identificar os key results. OKRs e KPIs (indicadores de desempenho) são complementares porque um mede performance e o outro, de maneira numérica, estabelece o objetivo”, pontua Conde.

Renan Conde - RH Web Talks

Para o Gerente de Vendas, é crucial que as metas não sejam somente distribuídas ao time. É preciso pensar em torno delas, criar estratégias para que elas alavanquem a tomada de decisão empresarial. 

“E quando falamos de saúde, o que faz mais sentido é identificar metas individuais e realizar um acompanhamento. Todos os colaboradores devem sentir que participam do processo. Deve-se pensar em objetivos que não sejam excessivos e que os colaboradores possam cumprir de maneira igualitária. As metas precisam ser ambiciosas, mas gerando uma competitividade saudável. E se um colaborador não cumprir o que é estabelecido, eu não devo puni-lo, mas buscar entender o que aconteceu e como resolver a situação da melhor forma”, comenta.

– Tecnologia e os benefícios para a saúde – Rui Duarte Brandão, CEO e Co-founder da Zenklub

Cuidar da saúde mental ainda é um tabu? Os dados trazidos pelo CEO da Zenklub, plataforma de terapia online, revelam que ainda há um longo caminho a ser percorrido na conscientização do tema.

Brandão salienta que, de acordo com pesquisas recentes, 85% das pessoas nunca cuidaram de sua saúde mental. Diante desse contexto, as organizações devem compreender que um trabalho de cuidados com o emocional depende de pequenos passos.

Muitos colaboradores, mesmo cientes de que estão com a saúde emocional frágil, têm receio de procurar a liderança ou o RH para falar a respeito. Além do medo da represália ao invés do acolhimento, há também a questão social/cultural, uma vez que somos ensinados a não demonstrar nossas fragilidades, ponto que só reforça a necessidade dos líderes assumirem uma postura transparente, empática e humana.

“Hoje quem cuida da saúde emocional é protagonista. E as pessoas também querem esse papel. Quem fala abertamente sobre vulnerabilidade expõe o seu lado humano, traz autenticidade. Nós nos permitimos, na pandemia, ser mais genuínos. Saúde mental era uma adversidade dos ‘loucos’. Hoje em dia, ‘louco’ é quem não tem nada”, esclarece.

Rui Duarte Brandão - RH Web Talks

O executivo elucida que a visão em torno da saúde recebeu um outro viés dentro das empresas. Se antes o tema era visto somente como custo – especialmente porque os planos de saúde, segundo a Mercer Marsh Benefícios, respondem como a segunda maior despesa das organizações -, hoje ele faz parte da estratégia de bem-estar das companhias, o que aumenta a atração e diminui o turnover.

“A saúde é um ativo. Ter pessoas saudáveis é o primeiro passo para que elas sejam mais engajadas e produtivas. Pequenas e médias empresas começaram a priorizar soluções diferentes do plano de saúde. O investimento é menor, mas o acesso é democratizado a psicólogos, psiquiatras e até a iniciativas como mindfulness. Com a digitalização vem a qualidade profissional”.

– Pesquisa GPTW: relatório de tendências de gestão de pesquisas em 2021 – Caio Rodrigues, Diretor Regional de Consultoria do GPTW

A palestra, voltada a apresentar os principais resultados do relatório do GPTW, trouxe dados recolhidos em 2020, quando havia otimismo que a primeira onda da pandemia seria a última, e em 2021, com o novo coronavírus ainda fortemente estabelecido.

“60% das empresas previam aumentar seu quadro de colaboradores para 2021. Somente 8% mencionaram que pensavam em retrair, na época. Era um otimismo celebrado mas que, infelizmente, com a segunda onda da pandemia o que se viu foi o agravamento da taxa de desemprego. Porém, há ‘luz no fim do túnel’. Com a vacinação sendo acelerada, dados animadores sobre a economia e a melhora no PIB, o cenário tende a ser de crescimento”.

Caio Rodrigues - RH Web Talks

Sobre a flexibilização da estrutura do trabalho, Rodrigues compartilha que para 58% das pessoas entrevistadas no relatório, não houve tema de maior prioridade em 2020 em suas respectivas empresas. “O desafio é desenhar uma estrutura de trabalho que se adeque à cultura e à realidade dos colaboradores a médio e longo prazo”, comenta.

Outro dado levantado na pesquisa é o da saúde mental. Para 38% dos respondentes, o tópico é prioritário. 66% disseram que suas organizações iniciaram ou aumentaram o investimento em ações e/ou programas destinados a cuidar da saúde psicológica.

“Ainda temos 24% das companhias que não têm ou não pretendem ter programas e/ou ações aos colaboradores em relação à saúde mental. Para eles, a saúde mental ainda é um tabu, a ideia de que, para esse tema, é da porta pra fora”.  Quando o tema é saúde mental, não existe ‘da porta para fora ou para dentro’, ele é um só. se há uma questão no problema pessoal, vai ser levado para o profissional e vice-versa”.

– O papel do RH na saúde financeira dos colaboradores – João Figueira, COO da Xerpay

Para falar de saúde mental é preciso falar de saúde financeira. Para isso, o RH Web Talks contou com a expertise de João Figueira. De cara, o especialista da Xerpay, plataforma de serviços financeiros, ressaltou que “o estresse financeiro ficou muito pior na pandemia, o que se nota pelo aumento das estatísticas de endividamento e inadimplência”.

Segundo o COO, olhar para a saúde financeira mostra uma postura empática das empresas. Além disso, a preocupação com o tema tem impacto real nas métricas do negócio, já que está diretamente ligado à produtividade, ao absenteísmo e à felicidade dos colaboradores no trabalho.

“É uma boa notícia identificarmos que cada vez mais empresas estão preocupadas com a saúde financeira de seus empregados e procuram soluções, benefícios e modos de educar”, relata Figueira.

Questionado sobre como as empresas podem começar um trabalho de educação financeira, o executivo deixa claro que assim como as ações de saúde mental são personalizadas, as de finanças devem ir pelo mesmo caminho. “A questão financeira de cada um depende de uma série de fatores que vão da educação ao contexto familiar. As iniciativas não podem ser invasivas, já que nem todos se sentem à vontade para falar de finanças em público. A gestão precisa ter um olhar atento, principalmente porque, da esfera mental à econômica, a pandemia teve impacto significativo”.

João Figueira - RH Web Talks

Pesquisa da Xerpay em parceria com a Opinion Box revelou que, para 79% dos respondentes, a crise da Covid-19 reforçou a importância de se ter reservas financeiras. Na prática, Figueira explica que é complexo avaliar se as pessoas estão mesmo conseguindo, principalmente por conta do alto índice de desemprego e da dificuldade de guardar dinheiro sob condições de estresse financeiro. Portanto, se faz ainda mais necessário as empresas darem atenção especial às práticas de conscientização, auxílio e orientação.

Confira tudo o que rolou nos outros dois dias aqui.

Por Bruno Piai e Gabriela Ferigato